Aliada das mulheres

Data: 11 de abril de 2015

Veículo: DeFato Online

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Delegada fala sobre os crimes mais recorrentes contra a mulher em Itabira, explica como é difícil romper o ciclo da violência e ressalta o trabalho em parceria com outras instituições
Amanda Machado Celestino está há dois anos à frente do comando da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), em Itabira

Há dois anos no comando da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), em Itabira, a delegada Amanda Machado Celestino tem se desdobrado para atender e solucionar crimes de violência doméstica, familiar ou afetiva contra as mulheres. Formada em Direito pela Universidade Federal de Goiás, ela trabalhou, antes de desembarcar na terra de Drummond, no Ministério Público e no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de seu estado.

Designada para atuar em Itabira, Amanda chegou com a missão de fazer mais que um simples trabalho policial. Sempre que tem oportunidade, se reúne com entidades, faz palestras, caminhadas, com o objetivo de esclarecer dúvidas e conscientizar sobre direitos e deveres.

Na entrevista a seguir, a delegada fala sobre as principais ocorrências registradas em Itabira, do trabalho em parceria com outras instituições e da importância da denúncia. Segundo ela, o esforço tem surtido efeito. Desde que a delegacia começou a funcionar, muitos casos de mulheres que procuraram ajuda e orientação foram registrados – embora ainda tenha muito o que avançar. “A violência doméstica, como um fenômeno mundial, não encontra um perfil específico de pessoas que são propensas a isso. Toda mulher pode ser vítima de violência”, afirma.

Que avanços é possível destacar desde que chegou para comandar a DEAM?

Antes da instituição da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) em Itabira, existia um setor de apoio que apurava os crimes específi cos contra a mulher. Com a instituição da DEAM, o objetivo é promover um atendimento especializado, com aporte melhor, inclusive de estrutura, de designação de servidores. O trabalho na DEAM trouxe uma necessidade de engajamento com outros setores da rede pública de atendimento à mulher. Sempre procurei, à frente da DEAM, trocar experiências com esses setores, fazer o encaminhamento das mulheres, ter o feedback. A mulher que chega na DEAM, além do atendimento, tem também encaminhamento para setores dessa rede. Rede de saúde, em caso de necessidade de prevenção de doenças; de atendimento clínico especializado; de saúde mental, se for necessário; de assistência social, caso ela tenha alguma dúvida em relação a questão educacional, matrícula de filhos na escola, creche, amparo de alimentos ou aluguel provisório. A gente também encaminha alguns casos ao Conselho Tutelar, caso haja alguma criança ou adolescente em situação de risco. Essa é basicamente a nossa rede. Buscamos um entrosamento com esses setores para garantir um atendimento mais amplo e integral à mulher, para que não fi que só um atendimento policial, criminal e jurídico.

Que tipo de ocorrência mais se registra em Itabira?

Geralmente a gente atende muito a contravenção de “vias de fato”, que são as brigas que não geram a ofensa contra a integridade física. É mais um empurrão, um puxão de cabelo, um tapa, mas que não deixa de constituir uma agressão física à mulher. É muito comum, também, a ameaça, essas promessas de mal injusto grave à mulher. É um caso bastante noticiado à Polícia Civil. As mulheres têm muito medo de que o autor cumpra a promessa que vai matar, agredir, retirar o filho ou promover destruição ou dano ao patrimônio dela. Também somado a isso, os crimes que violam a moral da mulher, ofensas à dignidade dela, à honra. É muito comum as mulheres informarem que são vítimas de palavras ofensivas, xingamentos, etc.

Existem indicativos de maior incidência em alguma região ou classe social?

A Polícia Civil observa que não há uma faixa etária, classe social ou escolaridade específicas. Destacamos que as classes mais altas, ou que têm um status na sociedade, não noticiam tanto os casos de violência contra a mulher para evitar eventuais exposições. Mesmo assim, recebemos alguns casos do tipo. A violência doméstica como um fenômeno mundial não encontra um perfi l específi co de pessoas que são propensas a isso. Toda mulher pode ser vítima de violência.

No tempo que está aqui, os crimes aumentaram? As mulheres estão procurando mais a delegacia?

Ainda não há controle de estatística formal, porque algumas estatísticas são rodadas pelo sistema integrado de informações policiais com o qual trabalhamos. Ocorre que a capitulação do delito indicado pela Polícia Militar durante o registro da ocorrência pode ser diversa da capitulação legal dada pelo delegado de polícia, que é o profi ssional que analisa juridicamente a incidência penal dos fatos. Por esse motivo, as estatísticas eventualmente divulgadas podem não ser precisas. Muita gente ainda desconhece a DEAM e, se conhece, não sabe onde está instalada. Tenho percebido que, com informação, as mulheres têm procurado mais orientação e pedido socorro à delegacia. Não podemos ignorar que esses números, também por conta disso, acabam aumentando. As mulheres, munidas de informação, estão noticiando mais. Elas saem de uma cifra negra, de mulheres invisíveis, que procuram a unidade de saúde, mas não relatam que o mal físico advém de uma violência doméstica, por exemplo. Então, por meio de uma orientação que a Polícia Civil faz em conjunto com esses profi ssionais da rede de atendimento, é possível orientar essa mulher, e ela consegue se fortalecer a ponto de procurar a polícia. Essa procura das mulheres acaba acarretando no aumento dos números da violência.

Isso é importante porque é com a notícia dos fatos criminosos que os autores serão responsabilizados criminalmente e, com o nosso trabalho, poderá ocorrer a diminuição dos números futuramente. Mas é inegável que a violência no âmbito doméstico e familiar tem aumentado. Isso é um fator que a gente tem que trabalhar muito para que não seja um desencorajador da mulher. Só procurando as autoridades competentes que ela vai conseguir romper o ciclo da violência e os autores serão punidos. A intenção é disseminar a ideia de a mulher viver sem violência e de os homens se responsabilizarem, se conscientizarem de que deve haver uma mudança de comportamento para garantir que as mulheres vivam sem violência.

O que fazer para evitar esses crimes?

É muito mais complexo do que se imagina. A mulher precisa criar mecanismos. Se ela sabe que o companheiro ou familiar é uma pessoa com o perfi l agressor, precisa saber que vai conviver com isso e terá de romper o ciclo de violência. O homem tem de ser tratado, ter acompanhamento, assistência, para se conscientizar de sua responsabilidade criminal e social, pois ele é o causador da violência. A mulher precisa saber que se ele não tiver um acompanhamento, não vai mudar. Tendo essa compreensão, ela precisa procurar auxílio. A Polícia Civil vai atender e fazer os encaminhamentos. Por exemplo, o serviço de Assistência Social da Prefeitura pode dar esse suporte do acompanhamento psicossocial à mulher. Temos uma cartilha que ensina a construir um plano de proteção e como agir depois do ataque. São estratégias que, percebendo que o companheiro é um agressor, a mulher precisa adotar: de orientar os fi lhos, de se proteger, guardar instrumentos para tentar diminuir o risco de sofrer a violência. 

Qual a maior dificuldade da delegacia nesses casos?

Em se tratando de crimes em que é necessária a manifestação da vítima para promover a investigação criminal, que são os crimes de ação penal pública condicionada à representação, ou ação privada, é inevitável que a Polícia Civil tenha a aquiescência da mulher para promover a investigação. Ela precisa, além do boletim de ocorrência registrado, procurar a DEAM para oferecer a representação criminal ou requerimento de queixa, a depender desses tipos de ação penal. Sem essa participação da mulher, nós deixamos o expediente sobrestado, aguardando o prazo decadencial de seis meses para que ela procure a polícia. Uma vez que ela tenha procurado a polícia para oferecer a representação criminal e requerer as medidas protetivas de urgência, é instaurado de imediato o inquérito policial e as investigações têm início. Só que, tratando-se de violência, de crimes cometidos no âmbito doméstico, da intimidade da pessoa, essa situação torna-se um pouco delicada porque tem o fator humano, sentimental e emocional envolvido nesse contexto criminoso. A mulher, após esse confl ito defl agrado da violência, do crime, passa um tempo e ela volta na delegacia e prefere retirar a representação criminal. A gente chama de “ciclo da lua de mel”: há um ápice, que é o fato criminoso, ela registra ocorrência, faz todo o procedimento conforme orientado, só que depois ela muda de ideia e decide tirar a queixa. Nesse caso, vou ouvir a mulher, colher o desinteresse dela e encaminhar o inquérito para o Poder Judiciário. Só que a Lei Maria da Penha trouxe um instrumento de proteção da mulher, que a desistência dela só vai ser realmente efetivada em uma audiência especializada, designada por um juiz. Só após essa desistência formalizada perante o juiz que ela vai realmente pôr um fim no procedimento que ela iniciou.

O medo de denunciar parte de onde?

Existe uma crença da mulher de que o agressor vai melhorar. O homem promete não fazer mais, diz que vai parar de beber, vai procurar um culto religioso. Outro fator são as consequências que uma denúncia pode trazer. Ela fica pesarosa com relação aos filhos, tem medo de procurar a polícia pelas ameaças que sofre e pelas consequências do seu ato. Ela tem resistência porque acredita na mudança de comportamento do autor. Resiste porque não tem renda suficiente para promover o bem-estar dela e dos fi lhos sem o marido, que geralmente é o provedor da casa. Até por consequência de uma violência sutil, que começa no início do relacionamento, quando o homem priva a mulher de estudar para cuidar da família. A mulher se vê desamparada na situação. E ainda tem a questão da vergonha, sobre o que as pessoas vão pensar. São vários os fatores que, juntos, dificultam a decisão da mulher em procurar a polícia.

Ultimamente tem saído na mídia matérias sobre estupros em Itabira. Esse tipo de crime está aumentando?

A Polícia Civil tem recebido algumas denúncias de estupro de mulheres que procuram a Polícia Militar para registrar o fato. O estupro, se tratando de vítimas maiores de 18 anos e de pessoas que não estão em um contexto de vulnerabilidade, precisa da representação criminal para iniciar a investigação. Nos últimos casos noticiados pela imprensa, essas mulheres não procuraram a Polícia Civil para promover a representação criminal. Aguardaremos até o prazo de seis meses para que elas procurem e ofereçam procuração criminal. Mas independentemente disso, a gente acaba levantando informações sobre os lugares, contexto em que a situação aconteceu, perfi l do agressor, para montar um banco de dados e evitar novos casos. Há fatos noticiados que, após investigação, observou-se que os casos não aconteceram como narrados pelas vítimas. Já em outros casos recentes, os autores foram presos em virtude de mandados de prisão temporária e as investigações estão entrando em suas fases finais.

Como as mulheres vítimas de crimes devem proceder? Como denunciar?

São vários os canais e é bom que a mulher seja bem orientada para saber qual procedimento adotar. No primeiro momento a mulher deve chamar a Polícia Militar e acompanhar a ocorrência – melhor se o autor for preso em flagrante delito. Existe o Disque 180, que é uma central de atendimento especializado à mulher que recebe essas denúncias, inclusive anônimas, de violência doméstica, familiar ou afetiva. Essa central de atendimento encaminha para as autoridades competentes, para as delegacias especializadas ou para a delegacia geral. As vítimas também podem procurar diretamente a DEAM de Itabira. As pessoas às vezes procuram setores de saúde, de assistência social, o Conselho Tutelar, o Ministério Público, e esses casos acabam chegando para a gente também.

Essa rede da qual falou está preparada para atender com presteza à mulher?

No final do ano passado realizamos um evento aqui em Itabira reunindo todos os agentes de atendimento, envolvendo Polícia Civil, Polícia Militar, setores de saúde, Conselho Tutelar, Assistência  Social, para capacitar melhor quem está na ponta atendendo. A ideia é evitar que um atendimento mal prestado sirva como desencorajador futuro ou de descrédito das instituições por parte das pessoas. A capacitação do profi ssional é de extrema importância para evitar que a vítima se sinta exposta e mal atendida. O que a gente tenta evitar, também, é o processo de “revitimização” da vítima. A mulher toma coragem, chama a polícia, se expõe, e é tratada com descrédito. Aí ela vai até outra autoridade pública e acontece a mesma coisa. Essa é uma das maiores missões da delegacia especializada: promover realmente o atendimento especializado, que demanda uma sensibilidade maior do profi ssional em perceber essa fala da mulher.

Como está a estrutura da delegacia especializada?

Trabalhamos no prédio de Delegacia Regional de Polícia Civil e temos algumas defi ciências. A Polícia Civil está passando por um momento de exposição dos problemas, inclusive estruturais e de recursos humanos. Isso não é diferente na delegacia especializada. Nós queríamos ter uma estrutura melhor, mais adequada, que tivesse um assistente social, um psicólogo, para ter um olhar profi ssional técnico mais sensível à mulher. A Lei Maria da Penha prevê que as DEAMs sejam equipadas com esses profissionais multidisciplinares. Em termos de estrutura, percebemos que não é o adequado, mas trabalhamos com o que a gente tem. Por exemplo, algo que é notório: aqui o acesso é por escadas, então as mulheres com mobilidade reduzida não conseguem acessar a delegacia. Eu critico o fato de que a própria Maria da Penha não conseguiria ser atendida aqui. É importante esse olhar crítico para promover a melhoria do trabalho.

O que mais gostaria de acrescentar?

Queria esclarecer sobre o registro de ocorrência junto às polícias Militar e Civil. Importante ressaltar que a mulher precisa vir à DEAM para formalizar a representação criminal nos casos de crimes como ameaça, injúria, difamação, calúnia, dano e estupro quando for maior de 18 anos e/ou não se encontrar em situação de vulnerabilidade. Já nos crimes de agressão física, contravenção penal de vias de fato ou crime de lesão corporal, independentemente da vontade da mulher, vamos investigar. Nos outros casos é importante registrar o boletim de ocorrência e comparecer à delegacia. Ouço muitas críticas de queo boletim foi feito e nada aconteceu. A mulher muitas vezes acha que só acionando a PM e registrando a ocorrência vai ter o resultado pretendido. Não terá se não oferecer representação. 

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