Poesia de Cora Coralina foi marcada por memórias de vida simples e dura

Data: 12 de abril de 2015

Veículo: Umuarama Ilustrado 

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Este nome não inventei, existe mesmo, é de uma mulher que vive em Goiás: Cora Coralina. (...) Na estrada que é Cora Coralina passam o Brasil velho e o atual, passam as crianças e os miseráveis de hoje. O verso é simples, mas abrange a realidade varia. (...) Assim é Cora Coralina, repito: mulher extraordinária, diamante goiano cintilando na solidão (...).”
Publicadas em 1980 no Jornal do Brasil, as palavras de Carlos Drummond de Andrade levaram aobra da poetisa Cora Coralina – que morreu há 30 anos, no dia 10 de abril de 1985 – ao restante do país.
Nascida na cidade de Goiás em 1889, Cora começou a escrever em 1911. Eram contos e crônicas publicados nos jornais da época. Depois da Semana de Arte Moderna de 1922, ela se reconheceu no modernismo e seguiu esse caminho, ficando conhecida como poetisa.
“O que Cora produziu está muito bem escrito no ideário modernista, ela trabalha com verso livre, busca o cotidiano, o coloquial, ela tem versos longos contaminados da prosa. Pensando que escreveu até as vésperas da morte, ela continua escrevendo em um tempo contemporâneo, mas persiste nesse ideário”, explicou a professora de literatura da Universidade Federal de Goiás (UFG) Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo.
A pesquisadora diz que o tema da memória e a recuperação do passado foram recorrentes na poesia de Cora. “A cidade, a sua geografia, os casarios, os becos, as pessoas mais simples, a irmandade de Cora com os páreas, a mulher da vida, o presidiário, aquele que está à margem, a solidariedade, tanto que o aniversário de nascimento dela, 20 de agosto, se tornou o dia do vizinho em Goiás. Ela acredita que vivemos com o outro e temos que cantar o outro com uma responsabilidade social.”
“Cora é uma poetisa que tem uma linguagem mais rude, como as pedras da cidade de Goiás. Embora sua poesia transcenda limites de tempo e local, é uma poetisa de fala mais direta, as imagens dela são como incrustações no meio dos versos”, define Goiandira.
O primeiro livro de Cora, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965), foi publicado quando ela tinha 76 anos. “A obra dela é uma obra real, ela toca as pessoas, não é uma obra voltada ao sentimentalismo, mas ela não usa palavras negativas em sua obra. ‘Não posso, nunca, jamais’ são expressões que não aparecem, mas aparecem as palavras dureza, pedra. A pedra é uma palavra recorrente na sua obra, no sentido de dureza, de enfrentamento da vida”, explicou a diretora do museu Casa de Cora Coralina, Marlene Vellasco.
A poetisa, que viveu até os 95 anos, ainda publica mais dois livros em vida: Meu Livro de Cordel, em 1976, e Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha, em 1983.
Para a professora de literatura da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Ebe Maria de Lima Siqueira, Cora Coralina fez uma escolha pela simplicidade. “Ela escreveu sobre gente simples, sobre as mulheres que ela via passar pela janela, a lavadeira, a mulher roceira, a proletária, a linguaruda.”
 

Vida e obra da poetisa são marcadas por ideais feministas e libertários

A poetisa Cora Coralina é considerada por estudiosos e especialistas em sua obra como uma mulher forte e libertária. Embora não tenha incorporado o discurso feminista, a forma como ela se impôs na sociedade machista e conservadora em que vivia fez com que também pudesse ser estudada sob a perspectiva de gênero.
Nascida e criada na cidade de Goiás, Cora saiu de lá em 1911 para poder viver ao lado do advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, que era casado. Criou quatro filhos trabalhando no interior de São Paulo, após a morte do marido. E, 45 anos depois, teve a coragem de voltar para buscar suas memórias e escrever sobre aquele espaço. “Na cidade de Goiás, como antiga capital do estado, havia uma agitação cultural forte e mulheres inscritas no tradicionalismo, no conservadorismo da cidade, mas que também atuavam”, disse a professora de literatura da Universidade Federal de Goiás (UFG) Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo.
Cora publica seus primeiros textos no semanário A Rosa, dirigido por ela própria e outras poetisas. De acordo com Goiandira, a poetisa, que viveu até os 95 anos, não se inspira apenas nas mulheres, mas lia poetas como Almeida Garrett e textos que vinham do exterior. “Ela estava alguns passos à frente dessas mulheres que escreviam nos moldes tradicionais, sonetos, poesia metrificada, ou simbolista ou parnasiana. Elas tinham medidas. Cora não, Cora era da desmedida. Seus primeiros versos assustaram tanto as pessoas que os imputaram ao primo dela Luiz do Couto”, contou Goiandira.
“Eu vejo a Cora como uma feminista de vanguarda”, explicou a professora da UFG Maria Meire de Carvalho.
Doutora em gênero e estudos feministas pela Universidade de Brasília (UnB), a especialista diz que Cora atuou ativamente, mas não se reconhecia como feminista, assim como outras mulheres que romperam padrões a seu tempo.
“Às vezes as mulheres têm medo de dizer que são feministas porque pega mal. Mas esse pegar mal na sociedade já mostra a cultura machista. Uma feminista é aquela que tem metas que ultrapassam as impostas. E as ações de Cora estavam totalmente envolvidas no processo de emancipação das mulheres”, explica Maria Meire.
Para a professora de literatura da Universidade Estadual de Goiás Ebe Maria de Lima Siqueira, essa face de Cora, como uma mulher que estava rompendo limites, estava muito clara na cabeça dela, embora o conservadorismo da formação que recebeu também fosse muito presente.
Para a pesquisadora, Cora tinha essa consciência de gênero, mas não no sentido de uma liberação sexual. Embora tenha sido ousada para o tempo dela, pelos registros históricos e depoimentos, ela foi fiel ao marido e a essa memória até a morte. “Para romper isso ainda precisaria de mais 50 anos de vida de Cora, tanto que voltar para a cidade de Goiás tinha esse papel [de rompimento]. Quando ela diz que está escrevendo para gerações futuras, ela sabia que não ia encontrar eco na sua geração”, disse Ebe.

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