Uma planta para mudar o mundo

Data: 28 de junho de 2017
Fonte/Veículo: Revista Safra
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Bambu gigante_Foto Carlos Costa2

Existe um provérbio, atribuído à tradição Zen Budista, que dá conta de que o bambu que se curva é mais forte que o carvalho que resiste ao vento. A comparação oriental é uma máxima que resume uma das principais características dessa gramínea: a flexibilidade. Não é por menos que a resistência, e a maleabilidade da planta estão sempre relacionados aos conceitos incorporados pelos praticantes desta filosofia. Seu sentido está diretamente ligado às qualidades do bambu, tanto que por sua resiliência o cultivar já conquistou muitos países, que dominam suas técnicas – como China, Índia e Japão – e tem tudo para conquistar os campos brasileiros também.

Em Goiás, uma iniciativa da Universidade Federal de Goiás (UFG) tem chamado a atenção para os potenciais da planta em relação à sua utilização para o tratamento de esgoto, tanto doméstico, quanto industrial. Quem coordena o estudo é o professor da Escola de Agronomia da UFG Rogério de Araújo Almeida. Ele explica que o sistema já havia sido desenvolvido em iniciativas semelhantes espalhadas no mundo, mas que no Brasil a novidade trouxe um potencial ambiental e econômico grande para tratar rejeitos e ainda gerar renda, especialmente para pequenos produtores. “Na França, por exemplo, esse sistema é mais usado no meio rural e por agroindústrias, como vinícolas. E no Brasil, há uma possibilidade grande de ser adotado por pequenos produtores, por fornecer nutrientes e devolver ao ambiente água limpa, quer seja por evapotranspiração ou para o lençol freático”, destaca.

O sistema, segundo o professor, funciona de forma bem simples. O esgoto é tratado previamente em uma fossa séptica onde são retirados os resíduos sólidos, que podem ser tratados para se produzir fertilizantes. A parte líquida segue para um sumidouro, no qual são plantados mudas de bambu. “Como o bambu possui características que favorecem o crescimento de um sistema radicular bastante fasciculado fica parecendo uma palha de aço. Quando o esgoto passa por ali, é absorvido pela planta que transforma essas partículas em nutrientes que fazem a planta crescer. A água é eliminada por evapotranspiração, devolvida em forma de vapor que se condensa e chove e o excedente já limpo que a planta não consegue absorver vai para o lençol freático alimentando córregos e rios”, explica.

Outra vantagem apontada pelo professor é que como os bambus são irrigados com essa água, a tendência é que cresçam de maneira mais rápida que o convencional. “Para a gente essa água seria um problema, mas para a planta é alimento. O sistema é uma ótima alternativa para o produtor que pode ter uma maneira de produzir o bambu e, ainda, uma alternativa em saneamento básico. Você poderia ter um sistema desses em cada propriedade rural, evitando a contaminação de rios e córregos, com a produção de madeira, matéria-prima para vários produtos que podem complementar a renda do produtor”, reforça.

Sob este aspecto, Almeida alerta para a falta de visão do mercado brasileiro para os potenciais do bambu para a economia. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a título de exemplificação, na China, o bambu é muito utilizado para construção civil, movimentando cerca de 30 bilhões de dólares, o que representa metade do mercado mundial. Naquele país, existem hoje mais de 450 produtos e tecnologias patenteadas relacionadas ao bambu e mais de duas mil pesquisas em andamento. “Essa questão do bambu é irreversível, assim como foi o eucalipto há alguns anos. E se no mundo é tão usado, por que não podemos buscar tecnologia nacional e desenvolver uma cadeia própria no Brasil?”, questiona.

Além do tratamento de esgoto, há potencial para a produção de madeira e móveis, para a construção civil na fabricação de concreto armado, no paisagismo e na arquitetura, além da produção de utensílios fabricados tendo o bambu como matéria-prima. O professor Rogério Almeida, da UFG, cita a falta de interesse de produtores como um dos gargalos a serem superados. “Para o produtor pode ser uma cultura demorada, já que o cultivo de brotos para a alimentação pode levar de três a quatro anos, enquanto que o bambu gigante pode demorar até sete anos para estar em condições comerciais. Mas estamos estudando maneiras de integrar o cultivo junto a outras práticas. O aproveitamento no tratamento do esgoto é uma delas. É uma renda a mais em uma área em que não havia nada. Mas também estamos pesquisando a integração do bambu com outras culturas, como frutas e até pasto, dentro da integração Lavoura Pecuária e Floresta (iLPF), no qual as florestas são de bambu. O que as pessoas precisam é começar a produzir para podermos ter condições de gerar alternativas e fomentar essa cadeia”, salienta.

Hoje, em Goiás, a UFG atua no fomento dessa cadeia com a distribuição de mudas para viveiristas e produtores interessados no cultivo. Almeida explica que já são nove áreas no Estado, de pequenos produtores a pesquisadores interessados nos potenciais da planta, que têm trabalhado em rede para analisar como as diferentes espécies de bambus cultivados aqui se comportam em áreas diversas, tanto na questão de solos, altitudes e recursos hídricos. “Só a UFG possui duas florestas de bambus plantadas em épocas diferentes, com espécies variadas. Além disso, a universidade possui também um auditório construído com a planta viva, para analisar seu potencial arquitetônico e na construção civil. E as mudas que desenvolvemos, espalhamos por nove parceiros para dar início a essa produção e disseminação da cultura no Estado. Acredito que em cerca de quatro a cinco anos já teremos essa cadeia estruturada”, afirma.

Potencial flexível

A cadeia do bambu pode se estender, nesse sentido, por vários setores da economia. O professor explica que a Rede Goiana do Bambu, do qual também é coordenador, tem se empenhado para difundir e popularizar a planta e seus diversos usos. Uma das vertentes é a utilização do bambu na questão energética, como carvão. Já há estudos específicos sobre esse uso em um restaurante em Caldas Novas (GO) que deve começar a trabalhar com esse carvão de bambu durante o preparo de assados para testar a viabilidade, por exemplo.

Há, ainda, a utilização do bambu na alimentação, com a produção do broto, que pode ser comido em conserva, como um palmito, e que já está em fase de produção e de criação de receitas por uma amiga que possui um restaurante oriental. Por outro lado, há empresários goianos que desenvolvem peças feitas da madeira do bambu, como bicicletas que hoje são vendidas com um valor agregado e qualidade superior até mesmo para países como os Estados Unidos. Isso sem contar a descoberta de novas espécies brasileiras.

Segundo a Embrapa, o Brasil possui a maior biodiversidade de bambus da América e uma das maiores do mundo, com cerca de 4 milhões de hectares de florestas somente na Amazônia e mais de 230 espécies nativas do Brasil em praticamente todas as regiões. “O bambu é pouco explorado no Brasil e temos visto que há novas espécies a serem catalogadas, com um ganho científico muito grande para a comunidade brasileira. Infelizmente ainda falta dinheiro para avançarmos nas pesquisas, mas como o Brasil possui uma lei criada para o fomento da produção de bambu no País, acredito que essa barreira será superada. Em dez ou 12 anos, acredito que o bambu será tão comum no País como hoje são as plantações de eucalipto, com a diferença de que a planta depois que é cortada – ou queimada – brota novamente, ou seja, pode ser considerada muito mais eficiente se bem manejada”, completa.

A grandiosidade do Acre

Em se tratando de bambu, o Estado do Acre é hoje a maior referência no País quanto ao estudo da planta e de suas potencialidades. Segundo dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), o Estado possui 87% de seu território coberto por florestas, dos quais ao menos 36% são de gramíneas da espécie bambu, o que representa 600 mil hectares. É uma das maiores florestas nativas de bambu do mundo, o que tem despertado interesse de pesquisadores e investidores brasileiros e internacionais.

No último mês de janeiro, por exemplo, o governo do Estado aprovou e publicou no Diário Oficial (DOE) o Plano Estadual de Desenvolvimento do Bambu, construído em parceria com a Embrapa e outras instituições, para nortear o desenvolvimento tecnológico da cadeia produtiva relacionada à planta em um período de dez anos. O investimento é de cerca de R$ 27,6 milhões, sendo R$ 18,7 milhões para pesquisas, cerca de R$ 1 milhão para atividades de plantio e outros R$ 7,9 milhões para ações de promoção e capacitação de comunidades.

Em fevereiro, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre (Fapac), a Secretaria de Ciência e Tecnologia e a Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac) assinaram uma ordem de serviço para a construção do Centro Vocacional Tecnológico do Bambu (CVT), destinado à capacitação, qualificação e pesquisa na área. A Fundação também finalizou em abril inscrições de projetos científicos destinados ao desenvolvimento da cadeia produtiva do bambu no Acre. Além disso, no ano passado, um grupo de empresários americanos também anunciou investimentos de cerca R$ 80 milhões na cadeia produtiva do bambu no Acre para a construção da primeira indústria beneficiadora da planta no Brasil.

A Lei do Bambu**

Em 2011, o Governo Federal publicou a Lei 12.484/2011, que institui a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu. A criação do decreto foi viabilizada com a percepção do vasto potencial de utilização da planta e o pouco conhecimento existente no País acerca de suas características agronômicas, e que foi uma evolução de um memorando de entendimento com a China para cooperação bilateral em ciência e tecnologia na área de desenvolvimento em bambu, assinado previamente naquele mesmo ano. Em 2012, dentro das ações de fomento à pesquisa relacionada ao bambu, foi lançado um edital de pesquisa pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), para estimular grupos de pesquisa brasileiros a reunirem suas expertises em prol da cadeia produtiva da planta.

O interesse continua crescente no Brasil, tanto que o Senado Federal aprovou em 24 de agosto de 2016 um acordo que garante a participação do País na Rede Internacional do Bambu e Rattan (Inbar, na sigla em inglês). Criada pela ONU, essa iniciativa reúne 41 países para implementar uma agenda global de desenvolvimento sustentável por meio do bambu e do rattan (uma espécie de cipó). **(Com informações da Embrapa)

*Colaboração para a Revista Safra

Reportagem publicada na edição de junho da Revista Safra, a partir da página 37.