Consolidação do sistema de cotas dá nova cor à UFG

Data: 29 de março de 2015

Fonte/Veículo: O Popular

Link direto para a notícia: http://www.opopular.com.br/editorias/cidades/consolida%C3%A7%C3%A3o-do-sistema-de-cotas-d%C3%A1-nova-cor-%C3%A0-ufg-1.814891 

 

A índia xavante Franca Wa´utomonhinhê´Ô Tsipiradi aprendeu português aos 19 anos com uma missionária em Barra do Garças (MT), cidade que compartilha do Rio Araguaia com a cidade goiana de Aragarças. Dezoito anos depois, ela é uma das alunas que entraram na Universidade Federal de Goiás (UFG) pelo sistema de cotas. “A cultura xavante é diferente. Até os anos 1990 a gente não podia sair. Fiquei sabendo com um primo do curso da UFG e fiz a inscrição.”

Cursando Enfermagem, ela é a única mulher xavante a sair da tribo para estudar e faz parte de um contingente de estudantes que tiveram acesso à instituição goiana após a criação do UFGInclui, em 2009, e da Lei das Cotas, sancionada em 2012. Agora, espera levar o conhecimento adquirido para a sua tribo e fazer com que outros membros da comunidade tenham acesso à faculdade. “Quando voltar, vou apresentar (para a comunidade). É bom ter um grupo de estudantes de lá fazendo enfermagem”, diz orgulhosa.

Hoje, além do sistema universal, a UFG conta com o sistema de cotas para alunos da rede pública e para negros de escolas públicas, além de quilombolas e índios, que, após a sanção da Lei 12.711 (Lei de Cotas para o Ensino Superior), se tornou o público principal do UFGInclui. Enquanto parte das vagas disponíveis é destinada a alunos da rede pública e negros, no caso do UFGInclui são abertas novas cadeiras, caso haja interesse de membros dessas comunidades em fazer cursos na universidade. São 60 alunos quilombolas e negros estudando na UFG, além de 12 que já se formaram. Há ainda o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), que há 50 anos oferece vagas para alunos vindos da América Latina e África.

O pró-reitor de graduação da UFG, Luiz Melo, aponta que a discussão sobre a entrada de alunos cotistas faz parte do passado (leia mais ao lado) e que não é mais relevante. O que se analisa agora, segundo ele, é a mudança pela qual a universidade está passando e da qual Franca é uma das expoentes. “O que mudou? A cor da universidade. Hoje você vê muito mais pretos, pardos e indígenas do que antes.” Com essa “mudança de cor” da universidade, houve uma mudança de debate, como explica Jean Baptista, responsável pela Coordenação de Inclusão e Permanência (CIP).

“Esses alunos trazem muitas coisas, um novo debate sobre o que vivem. As monografias são de pessoas da comunidade dando uma posição sobre o que vivem. É uma análise de dentro para fora, o que não acontecia antes.” Este debate, pontua o professor Jean Baptista, faz com que tanto alunos cotistas quanto os que entraram pelo sistema universal tenham novas descobertas, o que antes era mais difícil de acontecer.

Jean Baptista cita o exemplo de alunos de arquitetura, que visitaram a comunidade quilombola de Aparecida de Goiânia, devido à presença dos moradores na faculdade. “Era um mundo que os alunos de arquitetura não conheciam. Eles imaginavam uma comunidade com construções primitivas e se surpreenderam. Essa troca de experiência é o que vale a pena.” O mesmo vale para alunos das escolas públicas.

Clique para visualizar o pdf

 

Espaço para interação conta com a ajuda de monitores

Para atender aos alunos cotistas, tanto de escolas públicas quanto de quilombos e índios, a Universidade Federal de Goiás (UFG) criou um espaço para interação, com núcleos-livres de matemática inclusiva, práticas textuais, cidadania e química, que conta com a ajuda de monitores. Somente em Goiânia são 450 monitores remunerados, além de 100 em Jataí, 40 em Catalão e 8 na cidade de Goiás, fora outros 321 voluntários. Apesar de a ideia original ser dar apoio pedagógico para cotistas, os demais alunos também começaram a procurar o serviço.

As cotas

A Universidade Federal de Goiás dedicou neste ano 40% das vagas para o sistema de Reserva de Vagas. Em 2016, este índice deverá ser de 50%.

Ao todo, são definidos quatro tipos de cotistas: alunos de escolas públicas com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (atualmente R$ 1.182,00); alunos de escolas públicas com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas; alunos de escolas públicas, independentemente da renda familiar, e alunos de escolas públicas, independentemente da renda, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

 

Professores apontam evolução


Tema de acalorado debate nos últimos anos, o oferecimento de vagas pelo sistema de cotas acirrou ânimos e levantou questionamentos como sua legalidade, um possível “preconceito às avessas”, o preparo de tais alunos para cursar o ensino superior e uma possível queda na qualidade do ensino. Passados seis anos da implementação das ações afirmativas, professores da universidade argumentam que a consolidação da Lei das Cotas em 2012, decisões da Justiça sobre o assunto e a avaliação das notas dos alunos (veja quadro) fazem com que estes temas estejam ultrapassados.

Levantamento realizado por diversos cursos da Universidade Federal de Goiás (UFG), assim como outras universidades públicas, apontam que a preocupação com o rendimento dos alunos que entraram pelo sistema de cotas, assim como a possível queda na qualidade de ensino, não se confirmam. De sete cursos analisados pela reportagem, em apenas um (Arquitetura) a nota média dos alunos pelo sistema universal é superior a um ponto (1,11) do que o dos cotistas, em uma avaliação de 1 a 10 (6,19 de negros de escolas públicas no primeiro período, contra 7,3 dos não cotistas).

Em outros casos, a nota de alunos que ingressaram pelas cotas de escolas públicas é superior a dos alunos que entraram pelo sistema universal, como no caso de Economia e Publicidade. Até mesmo no curso de Medicina, considerado um dos mais difíceis, a média é muito próxima. Enquanto a nota média dos alunos do sistema universal em 2009 foi de 7,69, os alunos cotistas tiveram 7,36.