Repercussões do Facebook arco-íris em Goiânia

Data: 02 de julho de 2015

Fonte: Diário da Manhã

Link da matéria: http://www.dm.com.br/revista/2015/07/repercussoes-do-facebook-arco-iris-em-goiania.html

 

Beijaço é preparado como resposta à publicação preconceituosa de bar da capital

Uma onda de arco-íris passou a colorir o Facebook a partir da última sexta-feira, dia 26 de junho. A rede social disponibilizou um filtro para foto de perfil que remete ao colorido da popularmente conhecida ‘bandeira gay’, muito adotada em atos de manifestação coletivas do orgulho LGBT e na exigência de direitos iguais, por coletivos ou individualmente. Mark Zuckerberg, criador da rede social, alterou e coloriu sua imagem do perfil em comemoração à aprovação do casamento entre homossexuais nos Estados Unidos, pela suprema corte do país, depois de já ter declarado apoio público à causa em várias outras situações.

Nas horas seguintes, as cores se espalharam rapidamente por perfis de usuários do mundo todo. 26 milhões de pessoas coloriram suas fotos de perfil, e várias páginas coorporativas, de artistas, políticos e de humor de internet também aderiram à proposta. Foi possível perceber que a questão da ‘bandeira gay’ no perfil não se tratou apenas de uma comemoração pela aprovação de uma lei estrangeira. Essa atitude adquiriu o aspecto de manifestação de orgulho e de apoio ao amor entre as pessoas, independente das escolhas pessoais de cada um.

Da página oficial do ex-presidente Lula à página da Universidade Federal de Goiás, várias instituições utilizaram as sete cores para expressar seu apoio à liberdade. As fotografias com o filtro colorido resultaram, segundo o Facebook, em mais de 565 milhões de interações na rede, entre cliques, “curtidas” e comentários. Isso irritou algumas pessoas contrárias às manifestações de afeto entre humanos do mesmo sexo. Termos como “nojo”, “destruição da família” e inúmeras definições pejorativas usadas para denominar homossexuais foram jogadas à discussão nas sessões de comentários.

 

Woodstock

Ironicamente, um estabelecimento de Goiânia localizado no Setor Oeste, cujo nome remete ao famoso festival sessentista que pregava o amor livre, teve em sua página do Facebook demonstrações explícitas de desaprovação à comemoração/manifestação de orgulho gay que tomava conta do Facebook. Uma publicação que continha a bandeira colorida como plano de fundo trazia a frase “Botar fotinha colorida não basta, se apoia mesmo a causa tem que dar a bunda”.

A legenda da publicação também gerou revolta. “Não aguento mais tanta viadagem nessa porra de Facebook. Vão dar essa porra e parem de encher o raio do saco suas bichas”. A movimentação foi registrada em matéria do Jornal Opção, no sábado, 27 de junho. A postura do Bar Woodstock foi contestada por muitos seguidores da página, e gerou a criação de evento que propõe um beijaço (beijo simultâneo de várias pessoas), no estabelecimento em sinal de protesto à postagem. A manifestação está marcada para sexta-feira, dia 3, às 20h. No evento virtual, membros que confirmaram presença afirmaram ainda que a intenção é não consumir nada no estabelecimento, em sinal de boicote. Uma resposta da administração do bar veio no fim da noite de sábado. “Moçada, pedimos desculpas pelo post que foi compartilhado em nossa página, às vezes usamos computadores de lan house para divulgar uma promoção ou outra. O Woodstock não é e nunca foi um bar homofóbico, jamais compactuaremos com qualquer tipo de descriminação. Pedimos desculpas pelo mal-entendido. Quem frequenta o bar sabe que isso não existe aqui”.

A resposta foi recebida com desconfiança por membros do evento, que questionavam a existência de um possível invasor, devido a postagens de promoções simultâneas ao polêmico post. Anderson Ullman comentou ao DMRevista sua opinião sobre a inciativa. Ele defende que o evento coloca as pessoas em contato com uma diversidade que é real de uma forma natural. “Nossa, achei lindo e inteligente na hora já criar o evento. É por aí mesmo, que tem que rolar esse choque do beijaço pra galera perceber que estamos ali, que não gostamos de ser ofendidos, e que respeito cabe em qualquer lugar”.

O jornalista Junior Bueno defende ainda um boicote a estabelecimentos com essa postura. “Eu acho que o beijaço atrai alguma visibilidade, o que é bom. Mas uma campanha ostensiva de boicote também deveria ser feita, porque é inadmissível que um estabelecimento se porte desta maneira”. Ele ainda ressalta o sucesso econômico que boates que recebem sem condições o público gay tem conquistado. “E se for reparar, boate gay sempre dá certo, a Disel (boate) tem uns 15 anos, o The Pub outro tanto. Me fala que lugar ‘hétero’ dura tanto?”

Na página da materia do Opção, algumas pessoas confundem democracia com direito de suprimir, constranger e excluir pessoas por sua orientação sexual, justificando que a maioria das pessoas é hétero, e a maioria deve dizer o que bem quer. Comentários chorões se esquecem que não existe nenhuma intenção dos não héreros de proibir sexo entre homens e mulheres, e rebaixam a homofobia presente na postagem do bar a liberdade de opinião. “Interessante: a grande maioria, que pratica a relação sexual homem-mulher, não pode expor suas posições e defendê-las: é homonãoseioquê. Enquanto os outros…Que ‘democracia’ é esta?”

Postagem polêmica na página do Bar Woodstock

Postagem polêmica na página do Bar Woodstock

Pedido de desculpas postado na página do Woodstock

Pedido de desculpas postado na página do Woodstock

Exemplo de repercussão da campanha colorida no Facebook

Exemplo de repercussão da campanha colorida no Facebook

Mark Zukerberg, criador do Facebook, e sua foto de perfil com o filtro em comemoração à aprovação do casamento homossexual nos EUA

Mark Zukerberg, criador do Facebook, e sua foto de perfil com o filtro em comemoração à aprovação do casamento homossexual nos EUA

Levantamento do Facebook que mostra progressão da adesão de membros aos grupos com temática LGBT

Levantamento do Facebook que mostra progressão da adesão de membros aos grupos com temática LGBT

 

Outros locais

Apesar da recente ocorrência no Woodstock, o bem-estar de não héteros, seus amigos e familiares não tem sido garantido por donos de vários outros estabelecimentos em Goiânia. Jovens que preferiram não se identificar relataram atitudes preconceituosas em outros estabelecimentos, como o bar Ponto 18, no Centro; Don Guina, na Vila Redenção; o antigo Kbeça Bar, na Avenida Universitária; Soul Pub e Esquina Jatobá, no Marista; Bar Madri, em Inhumas; lojas no Banana Shopping, pizzarias, lojas de calçados e vários outros.

“Já impediram a realização de um beijaço uma vez no Kbeça Bar. Os seguranças expulsaram todo mundo”, afirma uma testemunha. “Já presenciei uma situação muito desconfortável no Don Guina, e não foi a única vez que aconteceu”, afirma outra. “Os donos se deixam levar pela imbecilidade e pelo moralismo. Quando a gente já está quase esquecendo que vivemos em um mundo hostil, chega um funcionário do bar pedindo pra nos retirar e respeitar suas famílias. Falam isso com muita naturalidade, como se não vissem o sofrimento que estão causando”.

Na página do Evento do Beijaço, alguns usuários ainda propuseram a criação de uma lista de estabelecimentos que não permitem beijo e demonstrações de afeto de não héteros, para que ela circulasse na internet e evitasse que pessoas se decepcionassem com a prisão de movimentos que alguns estabelecimentos promovem.

 

Do outro lado

Os entrevistados pelo DMRevista também fizeram questão de relatar estabelecimentos que prezam pela liberdade e bem-estar de seus clientes, independente de suas orientações sexuais. “O Assim Assado, da Rua 84, tem no cardápio a bandeira gay e embaixo está escrito: neste estabelecimento não aceitamos nenhum tipo de preconceito”. Estabelecimentos da região Norte de Goiânia, próximos ao Campus II da UFG, como o Mandala Cervejaria, o Leandro Bar e o Gurupi Restaurante, também foram citados como estabelecimentos que permitem que seus clientes não se sintam oprimidos por conservadorismo, mas lamentam ainda a falta de sensibilidade de outros clientes em alguns momentos.