Temos Opções?

Data: 24 de julho de 2015

Veículo: Tribuna do Planalto

Link direto para a notícia: http://tribunadoplanalto.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20432:2015-07-25-00-36-12&catid=64:comunidades&Itemid=6

 

Para especialistas, apesar de um direito, alimentação adequada não depende apenas da escolha. Reformulação do modelo agroalimentar deveria ser prioridade das políticas públicas do setor agrícola

 

“Ter uma alimentação balanceada e equilibrada é totalmente questão de escolha. Você é o que você come. Então, você quem vai escolher viver bem, saudável e com um corpo bacana comendo alimentos ricos em vitaminas e minerais”. Esta é a opinião de Juliana Fernandes dos Santos Rangel, 30 anos, nutricionista. Na casa dela, só é servida comida caseira preparada a base de ingredientes saudáveis. Juliana acredita que comer bem, depende inteiramente da opção de cada um. Mas, para alguns especialistas, não é bem assim.

 

A pesquisadora Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro, doutora em Política Social e mestre em Saúde Pública, defende que nem sempre a alimentação saudável é apenas uma questão de escolha. De acordo com ela, existe um sistema que condiciona não só o comportamento do consumidor, mas também o limita em suas escolhas, vez que oferece apenas aquilo que faz parte dessa estrutura. “É muito difícil você estimular uma alimentação saudável quando a maior parte dos supermercados não oferta esses alimentos”, explica a docente.

 

Para ela, a ideia de liberdade de escolha, relatada por Juliana, é apenas uma impressão. “Existe uma falsa sensação nas pessoas que elas sozinhas conseguem resolver o problema alimentar delas. Alguns conseguem se alimentar, mas isso não é geral”, afirma. Em 2010, o direito humano à alimentação adequada (DHAA) foi incluído entre os direitos sociais no artigo 6º da Constituição Federal, por isso, para Rizzolo, o Estado deve participar. “Tem que existir políticas públicas que colaborem para esse acesso e promoção da segurança alimentar”, diz.

 

Os supermercados, neste caso, são apenas a ponta do iceberg, que começa no campo. No Brasil, o modelo agroalimentar vigente privilegia a atividade empresarial, caracterizada pelas monoculturas e pela produção em larga escala, cujo resultado vai para fora do país. “O modelo atual é muito centrado no agronegócio, e o produto não vira comida na mesa do brasileiro, mas vai para exportação, ou seja, vira ou commodity ou ração”, comenta Rizzolo. Ela explica que cerca de 86% do crédito agrícola vai para o agronegócio, atualmente.

 

“70% do alimento que a gente come vem da agricultura familiar, e não da agricultura empresarial. Então, usa-se um crédito para alimentos que não serão consumidos pela população, para uma produção empresarial. Isso fere direitos importantes para nós, como cidadãos”, assevera. Para a pesquisadora, o crédito rural deveria ser repensado a fim de criar um novo modelo agrícola para o país. “Essa é a questão central: que tipo de modelo de desenvolvimento que o Brasil quer para si?”, questiona.

 

Como exemplo, a pesquisadora coloca as nações mais desenvolvidas, onde houve uma mudança da percepção da população com relação a esse direito. “A Coca-Cola é consumida em todo o mundo. Mas, nos EUA o produto que é co­mercializado possui bem menos substâncias tóxicas, aditivos cancerígenos, e açúcares do que aquele que é vendido aqui no Brasil”, comenta. “Co­mer também é um direito. Quan­do a gente passa a ter essa percepção, nos organizamos enquanto sociedade para não aceitar menos do que o certo”, instrui.

 

Anelise Rizzolo acredita que, para assegurar o direito à alimentação adequada, os produtores familiares devem ser priorizados. Isso porque, uma das maiores críticas ao agronegócio é uso extensivo de agrotóxicos no campo. Em sua opinião, a descontinuação desse uso seria até mesmo uma porta aberta para a economia brasileira, vez que muitos países poderiam passar a importar produtos agrícolas do Brasil. “O mundo inteiro não usa mais agrotóxicos. Se houvesse uma política nesse sentido, abriria mercado para o país e preservaria essa dimensão”, expõe.

 

“A globalização socializou um monte de questões. O sistema alimentar do Brasil não é desconectado do resto do mundo”, argumenta. Para Rizzolo, há estratégias que o Governo Federal pode adotar para mudar o quadro atual do país, fornecendo opções saudáveis de verdade à população e ainda expandindo seu mercado internacional. “O argumento que utilizo não o exclui o agronegócio. A ideia é aprimorar o modelo para privilegiar culturas que não contaminem nem o meio ambiente, nem os produtos alimentícios”, elucida.

 

Para Wil­son Mo­zena Leandro, doutor em Pro­dução Vegetal e mestre em Solos e Nutrição de Plantas, o problema começou há muitos anos, quando houve uma ruptura na produção agrícola.

“No Brasil, principalmente depois do processo de modernização na agricultura brasileira, houve uma divisão da agricultura em duas formas, a empresarial e outra tradicional, que é a agricultura familiar”. De acordo com o docente, professor da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG), a agricultura familiar foi marginalizada.

 

“Ela ficou marginal por uma série de processos decorrentes de financiamento e acesso a crédito rural, acesso a tecnologias, apesar de ter sustentado e sustentar, ainda hoje, a maior parte da população rural”, explica. “Ela é responsável por uma produção de alimentos que tem uma importância significativa na cesta básica do brasileiro”, co­menta. Para Mozena, o desafio é criar políticas públicas que atendam efetivamente e incentivem a produção e abasteçam o mercado.

 

“Do ponto de vista econômico, o agronegócio tem uma importância, porque gera o saldo positivo da balança comercial brasileira, e meio que é a âncora da política macroeconômica do país”, pontua o docente. “Mas, por outro lado, trouxe consequências. Pois, a forma de se produzir é muito dependente de insumos externos à propriedade, como: fertilizantes, agrotóxicos e mecanização agrícola”, enumera. Logo, do ponto de vista de Mozena, o agronegócio traz impactos ambientais e sociais.

 

“Esse modelo agrícola é muito criticado, principalmente pelos ambientalistas, porque trouxe muitas coisas negativas, como erosão, além da contaminação do solo e dos alimentos, devido ao uso desregrado de agrotóxicos”, comenta. De acordo com o pesquisador, o Brasil hoje é um dos maiores consumidores dos pesticidas, ultrapassando 300 mil litros anualmente, o que deixa o país no primeiro lugar do ranking mundial de consumo de agrotóxicos. “Isso tem melhorador muito ano após ano, mas ainda é um grande desafio para nós”, considera.

 

A perpetuação do uso dessas substâncias na lavoura está muito relacionada não apenas com a produção empresarial, mas também com os compradores dos produtos brasileiros. Mozena explica que, atualmente, os maiores importadores de produtos agropecuários do Brasil são China e Rússia, que representam mercados não muito exigentes, devido à alta demanda. De acordo com o docente, somente a partir do momento que o Brasil focar em mercados mais exigentes, a mudança

nas legislações poderá ocorrer.

 

“Enquanto nossos principais compradores forem China, Rússia, e outros países em que o grau de exigência fica em segunda plano, em função da necessidade de alimentar a população deles, o impacto não é tão grande. Mas, a partir do momento em que partirmos para mercados mais exigentes, como é o caso do europeu, vamos ter situações diferentes, inclusive economicamente”, assegura. Mozena acredita que mercado, em si, não seja o problema, mas sim o impacto passivo ambiental a que o país está submetido.

 

“É importante se pensar a longo prazo. Pois, o uso excessivo de agrotóxicos no campo, vai ter consequências no futuro. Os custos da saúde pública, para tratar pessoas com câncer, vai aumentar”, alerta o pesquisador.