Histórias da nossa história

Data: 19 de agosto de 2015

Fonte/Veículo: O Hoje

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Dois livros lançam luz a aspectos da sociedade goiana no século 19, da escravidão legalizada ao envio de rapazes para estudarem na Europa

19-08-2015 00:00

  

JÚNIOR BUENO

Desde crianças aprendemos na escola que o Brasil aboliu a escravidão no dia 13 de maio de 1888. Mas em Goiás, mais de 40 anos depois do decreto assinado pela princesa Isabel ainda prevalecia uma lei completamente arbitrária que explorava a mão de obra de trabalhadores exigindo servidão absoluta em troca de alimentos e roupas. Este episódio lamentável da história do nosso Estado está contado no livro do professor e pesquisador Sérgio Paulo Moreyra, Relações de Trabalho no Campo: O Caso da Escravidão por Dívidas em Goiás.

O pesquisador resgata episódios assombrosos de latifundiários que, mesmo após a abolição, tinham amparo do Estado para escravizar trabalhadores até as primeiras décadas do século 20. Segundo ele, funcionava assim: o latifundiário contratava capatazes – em grande parte analfabetos, ficava em posse de seus documentos e estabelecia uma “vendinha”, onde esses colonos compravam alimentos, tecidos e utensílios para a casa, para descontar no salário. O problema é que esses produtos eram superfaturados, e claro, os trabalhadores ganhavam menos que consumi­am. “Com o fim do contrato entre as partes, a lei previa que se houvesse alguma dívida, o trabalhador deveria trabalhar de graça até quitar esta dívida,” conta Sérgio Paulo.

O professor conta que apesar de ser regulamentada, a prática contrariava todos os códigos vigentes no país. “Isso se dava,” explica ele, “porque Goiás era uma Capitania isolada, longe do mar, não havia ondas migratórias, os imigrantes estrangeiros que chegaram para substituir a mão de obra escrava, não chegaram aqui.” Logo, esse isolamento geográfico, aliado a uma lentidão nos processos judiciais permitiam certos desmandos. “Se fosse em São Paulo ou em Minas Gerais, haveria denúncias, seria um escândalo. Em Goiás, era nor­mal,” diz ele.

O livro surgiu de um texto do autor publicado em um livro da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Junto com o relato dos trabalha­dores escravizados por dívidas, o livro traz uma série de perfis de expoentes da política goiana da época, como o Coronel Caiado, Leopoldo de Bulhões e Pedro Ludovico. “Com esses perfis, é possível perceber o descaso desses políticos com a questão destes trabalhadores”, diz Sérgio Paulo.

Rumo a Portugal

E este não é o único livro do pesquisador a ser lançado pela editora UFG. Em outra minuciosa pesquisa, ele conta a história de 26 rapazes goianos que saíram do meio rural onde viviam para estudar em Coimbra, em Portugal. O livro, intitulado Vida Sertaneja: Aspirações Metropolitanas, mostra que entre a segunda metade do século 18 e a primeira metade do século 19, a elite de Goiás mandava seus filhos estudarem na capital, o Rio de Janeiro, mas os muito ricos, que pretendiam não deixar dúvidas sobre isso, enviavam seus herdeiros para concluir os estudos em Coimbra, Portugal.

“A ideia desse livro veio depois que eu tomei conhecimento de que havia uma lista de brasileiros que estudaram na renomada Universidade, e entre esses estudantes, 26 eram goianos. Eu quis entender quem eram essas famílias que enviavam esses rapazes e como isso afetava a vida deles,” diz Sérgio Paulo. A saber, quase todos estes goianos tomaram outros rumos após os estudos na terrinha. “Só uns quatro retornaram para cá,” explica. Os outros foram designados de lá mesmo para lugares como o Rio de Janeiro ou para outras colônias de Portugal.

Sérgio Paulo Moreyra é professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) onde trabalhou também como vice-reitor. Foi orientando do ilustre históriador Sérgio Buarque de Hollanda na Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou também no Ministério da Educação e hoje faz pesquisas históricas por encomenda. É a primeira vez que publica como autor titular e, por coincidência, seus dois livros (pesquisados quase concomitantemente) foram lançados pela Editora UFG ao mesmo tempo.

Livro: ‘Vida Sertaneja: Aspirações Metropolitanas – Alunos da Universidade de Coimbra Nascidos em Goiás’

Páginas: 236 páginas

Preço: R$ 60

Livro: ‘Relações de Trabalho no Campo: O Caso da Escravidão por Dívidas em Goiás’

Páginas: 237

Preço: R$ 20

Editora: UFG