Cinco perdidos numa noite suja

Data: 21 de agosto de 2015

Veículo: O Hoje

Link direto para a notícia: http://ohoje.com/jornal/ler/noticia/22977/titulo/cinco-perdidos-numa-noite-suja 

 

JÚNIOR BUENO

Corre à boca miúda um pequeno alvoroço em torno da montagem que o grupo Teatro Destinatário fez para O Abajur Lilás, de Plínio Marcos. Escrita em 1969, a peça foi censurada e só pode ser encenada em 1980. Com uma trama que versa sobre marginalidade, prostituição e homossexualidade, num contexto que remete à ditadura militar, O Abajur Lilás já teve, desde então, inúmeras montagens. Mas é provável que poucas vezes o universo marginal do autor tenha sido tão fielmente retratado. E é esse o principal atrativo desta versão. 

Após estrear no festival Aldeia Diabo Velho, atraindo o público à meia-noite para o Grande Hotel, no Centro da cidade, o espetáculo voltou para uma temporada que se encerra neste fim de semana. Com lotação esgotada todas as noites, a peça não teve subsídio de nenhum fundo oficial ou patrocínio empresarial. O sucesso da montagem se deve à propaganda boca a boca. O local escolhido para es­ta temporada não poderia ser mais propício para um texto de Plínio Marcos: um pequeno galpão próximo à Marginal Botafogo, no prédio da Casa Corpo.

Os atores, caracterizados como prostitutas e cafetões, recebem o público na rua e o encaminha para o estabelecimento, estrategica­mente adornado com uma lâmpada vermelha. “Eu penso que a qualquer momento os vizinhos vão achar que é um prostíbulo de verdade ali”, brinca a diretora, Natássia Garcia. O público se acomoda como pode no local, caracterizado como um apartamento fétido e claustrofóbico, usado como ponto de encontro das prostitutas. E acaba fazendo parte da cena, não como simples espectadores, mas como testemunha da ação.

A escolha pelo texto de Plínio partiu de uma busca por algo que fosse também político. “Antes de chegar a esta peça, nós decidimos que ia ser algo que falasse de repressão, de ditadura. Vimos vários tex­tos, mas este tinha algo que chamou atenção de todos nós,” diz o ator Luciano Di Freitas. Seu colega de trupe, Thiago Santana completa: “Mesmo nos espetáculos infantis ou regionais, o Destinatário sempre traz esse olhar político.”

Autor de peças renomadas como Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja, Plínio Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos de São Paulo. Poucos escreveram sobre marginalidade com tanta autenticidade quanto o autor, morto em 1999. Em O Abajur Lilás, a referência aos órgãos repressores está explícita na figura de Giro (papel de Luciano Di Freitas), o cafetão homossexual que explora três prostitutas em um pardieiro. São elas a batalhadora Dilma (Ludmyla Marques), a revoltada Célia (Jéssika Hander) e a dissimulada Leninha (Renata Grizzi). Completa o conflito Thiago Santana, como o abrutalhado Osvaldo, amante de Giro.

Um abajur quebrado deflagra a ira de Giro e expõe a miséria à qual todos, inclusive ele, estão submetidos. As metáforas políticas e sociais propostas continuam atuais, ainda mais quando se discute a militarização das escolas e alguns vão às ruas para pedir a volta da ditadura. “O texto levanta tabus ainda vigentes,” define Natássia, que optou por um tom mais naturalista na montagem. Assim, as cenas são cruas e não se furtam da violência, do escárnio e da nudez do elenco, que se despe metafórica e literalmente, em nome da verdade contida no texto. Em cena, os cinco atores entregam desempenhos que variam de bons a excelentes.

O trabalho de ambientação, que reproduz um “mocó” no Rio de Janeiro dos anos 70 é um achado, e o figurino, garimpado em brechós, enriquecem a experiência de se assistir o espetáculo. “Muito do que nós trouxemos para a peça vem de lembranças, de memória afetiva,” explica Natássia. Renata Ghizzi acredita que isso é fundamental para encontrar e compreender sua personagem. “Entrar na roupa, sentir o cheiro do espaço, olhar para o outro, isso modifica o corpo, a minha postura como atriz,” diz.

O Teatro Destinatário existe há quatro anos e meio, da iniciativa de Ludmyla e Jéssica, na época alunas de Artes Cênicas da UFG. “A gente já queria praticar, então começamos a encenar cenas só com a gente, e a coisa foi tomando forma,” conta Ludmyla. Para bancar o projeto de estarem sempre com alguma peça em cartaz, os atores também fazem teatro nas escolas, contação de histórias nas livrarias da cidade e o que mais pintar. O repertório do grupo conta com sete peças, algumas infantis e outras regionais. O Abajur Lilás chega para mudar de alguma forma os rumos do grupo, que pretende ser mais ousado e universal em suas empreitadas. Para o jovem elenco é um desafio, para o teatro goiano, tão arraigado em caricaturas caipiras, é uma grata surpresa.  

 

Serviço:

Local: Casa Corpo, Setor Universitário

Dias: 15,16,22 e 23 de agosto

Horário: 20h

Ingressos: R$20,00 reais (inteira) e R$10,00 reais (meia)

Classificação: 18 anos