Garis dão lição de superação

Data: 12 de novembro de 2015

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

Link direto para a notícia: http://www.dm.com.br/cotidiano/2015/11/garis-dao-licao-de-superacao.html

 

Companhia de Limpeza Urbana de Goiânia (Comurg) tem histórias de superação que dariam um livro

 

O gari Tales Pereira, que atua em um ponto de apoio da Companhia de Limpeza Urbana de Goiânia (Comurg), no Jardim América, em Goiânia, estudou até a quarta série e perdeu a mulher Ana Maria de Castro no dia 21 de setembro de 1998. “Lembro até hoje do dia, da data”, diz ao DM antes de declarar o que se sucedeu. A filha do casal, Aline de Castro Pereira, tinha 9 anos quando a mãe sofreu as dores de um câncer de estômago e acabou falecendo em consequência da doença.

Tales fez uma promessa para Ana Maria:  pagaria os estudos da filha na mesma escola em que a mãe sonhou vê-la matriculada.  Na época, Aline frequentava o Santo Agostinho. E permaneceu nele, sob a promessa do pai mantê-la – como a mãe queria – no caminho de uma educação de qualidade.

O resultado do esforço do pai gari é colhido agora. Depois de passar em três vestibulares, a filha Aline em breve se tornará médica, formada pela Universidade Federal de Goiás (UFG).  Qual o segredo de Tales? Dedicação aos sonhos da filha.

Tales diz que além do salário de servidor público contava também com a pensão da esposa. Se a conquista da filha revela que as dificuldades financeiras foram parcialmente superadas, a perda da mãe é algo que ainda incomoda.  Determinada a estudar a doença que tirou a vida da mãe, a jovem mantem o ritmo dos estudos em busca de outros desafios. E o pai segue em sua missão de limpar as ruas.

Tales realiza podas das árvores, informa um dos gestores da Comurg. É considerado um trabalhador dedicado, mas discreto. Apesar de tímido, é solicito para falar sobre a sua vida. Ao atender telefonema da reportagem do DM, disse que é apenas um “gari”. Chamado de “doutor” em uma provocação do repórter, recolocou o diálogo: “Ela é que vai ser doutora”.

Aline não conversou com a reportagem do DM. Conforme o pai, estava atarefada estudando para uma “residência”.  Ela sabe que o percurso é ainda longo.  Para a TV Anhanguera, disse que pretende estudar gastroenterologia e conhecer, de fato, o que tirou a vida de sua mãe.

No convite da formatura, ela faz questão de homenagear Tales: “Ao meu pai, agradeço profundamente por ter vivido cada dia comigo se desdobrando para ajudar a cumprir minhas obrigações e se preocupado com meu bem estar e me amparado com as mais diversas formas de amor. Você é meu maior exemplo de luta e determinação para vencer na vida”.

Profissionais diferenciados

Gari Negro Jobs: eleito com R$ 3 mil e muita criatividade na elaboração de marketing pessoal (Foto: Divulgação)

 

A Comurg tem inúmeros artistas, universitários e formados em seus quadros de limpeza. Criada em 1974, mas efetivada em 1979, ela guarda lembranças de figuras históricas, como o ex-vereador Gari Negro Jobs. Eleito em 2008, ele morreu inesperadamente em 2011 após um ataque cardíaco.  Designer, projetista, marqueteiro, Jobs era uma lâmpada criativa.

O gari costumava se gabar das origens pobres de “menino de rua” e da sua criatividade, quase sempre imbatível. Em um processo eleitoral que eleitos chegaram a gastar R$ 1 milhão para conseguir o cargo, ele comprovou gastos de R$ 3 mil. Andava com uma Brasília Amarela e conquistou os eleitores da capital com propostas irreverentes e inusitadas, como o banheiro público (algo comum em qualquer metrópole, mas ainda hoje não colocado em prática pela Prefeitura de Goiânia) e a reforma do Parque Mutirama, registrada em cartório e que previa o túnel, como de fato foi feto anos depois de sua morte.

Antes de morrer, Jobs aprontou: ajudou a aprovar um feriado em defesa da consciência negra, derrubou um veto do prefeito Iris Rezende (um raro momento em que a casa de leis questionou o gestor), foi tema de reportagem da revista “Veja” e da imprensa nacional, avacalhou o jornalista Boris Casoy, em um texto publicado na “Folha de S. Paulo”  a respeito de um depoimento preconceituoso contra garis e – sem querer – afastou a Copa de Goiás com um happening em que se fantasiava de Ronaldinho – o fato assustou os dirigentes da Fifa e da CBF que visitaram Goiás.

Educador José Merilho, ex-gari, propaga a arte e cultura com efeito civilizador onde quer que esteja(Foto: Divulgação)

 

Amigo de Jobs, e também gari, o artista plástico e educador José Merilho é outro caso de superação dentro  da Comurg. Intelectual refinado,  ele estuda religião, ciências sociais, direito e vários outros campos de pesquisa. Formado pela PUC, ingressou em  uma pós-graduação e tornou-se educador.

Onildes Alves dos Santos, o Billy: descoberto a partir de evento cultural da própria Comurg (Foto: Divulgação)

 

Na mesma companhia, Onildes Alves dos Santos, o Billy, revelou-se artista plástico de mão cheia. É também carpinteiro e não esconde o prazer em pintar até mesmo as paredes dos amigos. Também se envolve com a fotografia para aguçar seu olhar poético.

Não faltam na Comurg – como se percebe – histórias e narrativas de superação. Os trabalhadores de chão honram a empresa e ‘limpam’ as manchetes negativas por conta de escândalos, corrupção e decisões judiciais recentes que envolvem a companhia.