Qual será, de fato, a função das organizações sociais à frente das escolas de Goiás?

Data: 20 de dezembro de 2015

Veículo: Jornal Opção 

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Com o objetivo de alcançar padrão de excelência na qualidade de ensino nas unidades educacionais estaduais, governo deu início ao projeto de estabelecer parceria público-privada com entidades filantrópicas sem fins lucrativos

 

Governo enxerga nas OSs a oportunidade  de conseguir gestão profissional na administração de escolas públicas estaduais

Governo enxerga nas OSs a oportunidade de conseguir gestão profissional na administração de escolas públicas estaduais

Frederico Vitor

Como prometido e anunciado desde o início deste ano, o governo estadual prossegue com o ousado projeto (único do País) de firmar parceria com as organizações sociais (OSs) na gestão das unidades escolares da rede estadual de ensino. O Estado entende que a administração de escolas por entidades sem fins lucrativos, qualificadas para atuar na área educacional, pode alcançar a qualidade de ensino sonhado por pais e alunos de colégios públicos.

O objetivo é repetir nas demais unidades de educação o mesmo sucesso apresentado pelos colégios militares, cujo corpo administrativo é formado por oficiais e praças da Polícia Militar enquanto o corpo docente é preenchido por quadros da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce). O Estado entende que, atuando em conjunto com parceiros privados, os direitos dos contribuintes poderão ser atendidos com maior eficiência, efetividade e profissionalismo.

O governador Marconi Perillo (PSDB) já declarou à imprensa que deseja implantar em Goiás um sistema público de ensino que propicie ao filho do pobre o mesmo padrão de qualidade que tem a escola do filho do rico. O Executivo estadual acredita que os mesmos resultados positivos alcançados com a experiência de implantação de OSs na saúde poderá se repetir na área da educação. De acordo com a legislação, tais entidades, desde que legalmente constituídas, podem firmar convênios para exercer atividades típicas do Estado, recebendo para isso repasse de recursos públicos em forma de valores orçamentários, material, imóveis e pessoais.

Gestão por OS garantiu uma boa estrutura aos hospitais estaduais; governo agora quer repetir receita na educação

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Entretanto, como em todo processo de mudança, há muita resistência por parte de setores da sociedade. Mesmo próximo de se tornar uma realidade, o projeto tem gerado conflito com alto grau de carga ideológica. Mas, afinal, o que significa realmente uma gestão por OSs na Educação? A Seduce teria feito algum tipo de estudo que apontasse para a necessidade de organizações sociais na educação? Haverá distinção entre a direção pedagógica e administrativa das escolas?

A resposta para estas e outras perguntas será destrinchada no decorrer desta reportagem. Como se trata de uma questão complexa, que exige detalhamento administrativo e jurídico, ninguém melhor para explicá-las do que a própria Seduce.

Gestão compartilhada

O governo, por meio da Seduce, vai continuar responsável por elaborar os programas escolares e traçar diretrizes curriculares. Isso significa que a política pública pedagógica permanece no âmbito do Estado, isto é, não será transferida para a guarida das OSs. Como se trata de uma atividade de planejamento público, por lei, é algo indelegável e intransferível a terceiros. Portanto, os pais de alunos matriculados nas unidades de ensino a cargo do Estado não precisarão se preocupar com o aspecto pedagógico das escolas, pois esta responsabilidade permanecerá a cargo da administração pública, seguindo o mesmo padrão para todas os 1.160 colégios da rede estadual.

O que então será transferido para uma organização social? O parceiro privado do Estado terá a incumbência de executar o programa escolar e a política pública pedagógica elaborada por seu órgão central: a Seduce. É previsto às OSs a atuação constante nas atividades chamadas de hotelaria e copeiragem, isto é, ações auxiliares como, por exemplo, vigilância patrimonial da escola, zeladoria, serviço de reprodução de documentos, telefonia e outras atividades necessárias para o bom funcionamento de uma escola.

Na prática, isto significa que o diretor pedagógico, por exemplo, não precisará mais se preocupar com problemas secundários que nada tem a ver com as atividades curriculares. Os profissionais de educação terão suas energias totalmente canalizadas para as atividades inerentes às salas de aula, o que deverá dar, sobremaneira, mais qualidade às aulas. Assuntos como problemas hidráulicos no banheiro, vazamento de canos, infiltração de água numa parede ou a queda de uma tabela de basquete da quadra de esporte, serão questões a serem tratadas pela OS parceira do governo naquela unidade escolar.

Outra dúvida constante que paira é em relação a eventual cobrança de mensalidade nas escolas geridas administrativamente pelas OSs. Em nenhuma hipótese poderá existir qualquer tipo de taxa ou exigência de tarifa por parte do usuário do serviço público de educação. Neste quesito tudo permanecerá como está, ou seja, o aluno nada paga e a escola continua pública e gratuita. Ao transferir a gestão de uma unidade de ensino, o Estado não perde o dever constitucional de oferecer educação pública, gratuita e de qualidade.

Como a oferta do ensino de educação se dará no interior de um estabelecimento oficial, o serviço em educação ofertado deverá ser livre de qualquer cobrança, como prevê os mais sólidos princípios constitucionais. O mesmo valerá em relação ao fornecimento de material didático, como livros e apostilas, além de uniformes e demais materiais necessários ao corpo discente. Os materiais didáticos e o currículo serão os mesmos para todas as escolas do Estado, sejam elas geridas em parceria com as OS ou não.

É válido lembrar que a Consti­tuição Federal, em seu artigo 206, elenca vários princípios da educação pública no Brasil, como por exemplo, gestão democrática e gratuidade. Com as OSs em regime de parceria com o Estado, tais princípios continuarão sendo cumpridos. Esta atividade educacional continua sendo pública, a única diferença é que haverá um parceiro privado colaborando com a administração pública.

O governo defende que a vinda das OSs para a educação precisa ser encarada como uma parceria social, ou seja, é um terreno para entidades privadas filantrópicas que buscam executar uma atividade de interesse público em colaboração com a administração pública. Não se trata de um ambiente para empresas e empresários que buscam lucro nesse tipo de atividade. Até porque o Estado não se verá livre da responsabilidade de prover o ensino educacional à coletividade, cabendo a ele o importante papel de acompanhar, fiscalizar e controlar a atividade executada pelas OSs em seu nome.

Das 1.160 unidades escolares estaduais existentes em todo o Es­tado estão fora da possibilidade de receber o regime de parceria com as OSs as escolas em tempo integral, os colégios militares e os conveniados. A celebração de contrato de gestão nas unidades da rede pública estadual com as entidades sem fins lucrativos vai começar por 23 escolas subordinadas à Macrorregião de Anápolis. Atualmente, a Seduce mantém estrutura descentralizada com um total de 40 subsecretarias regionais, reunidas em 16 Macror­regiões, agrupadas geograficamente em número de alunos.

Os professores e demais servidores concursados não perdem estabilidade

Raquel Teixeira: “Professores poderão ter carreira com as OSs”

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Quando o poder público adota o modelo de gestão em parceria com as OSs, o Estado promove a divisão de bens públicos e de seu quadro de servidores, como determina a legislação. Desse modo, o governo estadual vai ceder às OSs 30% do efetivo de professores. Ressalte-se que o corpo de servidores dirigidos às OSs ainda mantém o vinculo com o governo estadual. Não está prevista nenhuma mudança ou precarização da carreira docente. O plano de cargos e carreiras continua a existir e o Estatuto dos Servidores do Magistério continuará a vigorar.

Não haverá aos professores e, aos servidores administrativos concursados, qualquer diferença ou prejuízo do direito adquirido. A característica de agente público, como a estabilidade na carreira, garantias e prerrogativas previstas na lei estadual 13.909, continuarão as mesmas.

Raquel Teixeira, titular da Seduce, afirma que a mudança mais significativa será em relação aos professores em regime de contrato temporário com o Estado. Segundo ela, o corpo docente temporário será amparado pela CLT que trará mais segurança e estabilidade. A secretária diz que estes servidores passarão a contar com benefícios como fundo de garantia, 13ª salário, férias remuneradas e obediência ao piso nacional dos professores. “Há uma possibilidade real de mais segurança, já que é possível um celetista permanecer por vários anos no serviço público e construir uma carreira, diferentemente do regime de contratado”, afirma.

Como então se dará a contratação de novos funcionários, como professores e demais profissionais pela OS? Está definido que as entidades deverão contratar quadro próprio de colaboradores em regime celetista. Por meio de regulamento de contratações, a organização social deverá abrir processo seletivo simplificado que garanta isonomia e impessoalidade, com foco em criar um am­biente republicano.

Até o momento, apenas duas OSs foram qualificadas para firmar parceria com o Estado

Até a sexta-feira, 18, apenas duas entidades obtiveram qualificação de OSs para educação: o Ins­ti­tuto Brasileiro de Cultura, Edu­ca­ção, Desporto e Saúde (Ibraceds) e Inove. Atualmente, tramitam mais de 40 pedidos de instituições para serem qualificadas a atuar na educação em parceria com o Es­tado. O­corre que esse processo exige um longo tempo em razão do procedimento padrão a ser se­guido. Além da consulta na Seduce em relação à capacidade técnica da entidade o tramite passa pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) responsável por fazer a análise de juridicidade do estatuto da entidade interessada.

Dos 27 processos que chegaram à Seduce, somente 15 foram considerados aptos e encaminhados para a Casa Civil. Em relação ao Ibraceds, no que se refere a sua procedência, quando foi iniciado o processo de parceria, o instituto já havia obtido qualificação como OS em educação. O presidente do instituto, com sede no Setor Marechal Rondon em Goiânia, é o empresário Antônio de Sousa Almeida, pro­prietário da Editora Kelps.

Quanto à Ino­ve, este instituto é presidido pe­lo servidor público municipal da capital, Relton Jerônimo Cabral.

Mas, afinal, como será a logística das OSs para gerir dezenas de uni­dades de educação ao mesmo tempo? Para tal, a ideia do governo é de transferir a gestão de escolas por determinadas subsecretarias. Por exemplo, em um primeiro mo­mento, se adotou a Macrorregião que engloba as escolas públicas es­taduais su­bordinadas a Subse­cre­taria Re­gional de Educação de Anápolis.

Em relação ao repasse de verbas para as OSs, o governo estima gastar entre R$ 250 a 350 por aluno, a mesma quantia gasta atualmente. Porém, segundo Raquel Teixeira, o cálculo que será usado não será por aluno, mas sim por turma. “Não queremos diminuir os custos que o Estado tem com a escola, esta não é uma preocupação. Quere­mos que os alunos aprendam mais e que o professor tenha mais satisfação com o trabalho que faz”, diz.

Enquanto a fiscalização da atuação das OS, a Seduce está constituindo uma equipe de acompanhamento formada por servidores da pasta, da PGE e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Além disso, a secretaria pretende solicitar à Uni­versidade Federal de Goiás (UFG) o desenvolvimento de um projeto de pesquisa relacionado à experiência. “Queremos a maior transparência e participação da sociedade possível na implantação destas mudanças”, diz Raquel Teixeira.

Colégio militar: a “OS” que está dando certo

Colégios administrados pela Polícia Militar podem dar o tom de como serão as escolas administradas pelas OSs

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Os colégios militares não deixam de ser uma espécie de OS. Atualmente, são 25 unidades em todo o Estado, administradas pela Polícia Militar de Goiás, com 39 mil alunos matriculados. Esses colégios usam os mesmos currículos, a mesma orientação pedagógica e os mesmos professores das demais unidades de ensino do Estado. Cabe aos militares o trabalho administrativo e a aplicação da disciplina inerente a um ambiente militar.

Os pontos positivos destes colégios são muitos, dentre eles a valorização de todos os profissionais envolvidos e o aprofundamento do civismo e nos valores humanos. Não por acaso que, dezenas de prefeituras do interior tem requisitado à Seduce a abertura de um colégio militar. Outro ponto positivo desses colégios administrados pela Polícia Militar é a matriz curricular melhorada, com o aumento da carga horária e com mais disciplinas. Assim, as aulas têm 50 minutos de duração e o professor não precisa se preocupar em fazer chamada ou colocar os alunos sentados para começar a ministrar o conteúdo.

Para a secretária Raquel Teixeira, a prestação de contas e de garantia da presença de professores em sala de aula todos os dias, além de uma série de outros fatores positivos dos colégios militares poderão se estender para as escolas administradas pelas OSs. “A gestão profissional vai ajudar a unidade de ensino a obter resultados melhores como tem mostrado os colégios militares.”