Senhoras do destino

Data: 14 de janeiro de 2016

Fonte/Veículo: O Hoje

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Em um pequeno vilarejo perdido no mundo em um país qualquer, todos os homens foram embora. Uma guerra estourou em algum lugar e todos eles foram convocados, deixando para trás suas mulheres preocupadas. Mas mesmo assim, elas não estão sozinhas, nem seguras: soldados anônimos e sem rosto vagam pelo matagal, circulam a cidade pela noite, cada vez fechando mais o cerco. Esta é a peça As Mulheres que Não Vestiam Calças, da Companhia d’Os Palimpsestos, de São Paulo. A peça usa a guerra, a solidão e a distância como pano de fundo para esmiuçar alegorias sobre os papéis de gênero na sociedade.

A montagem foca em apenas uma casa onde estão as irmãs Francisca (Janaína D’Freitas, também autora da peça) e Joaquina (Marina Regis), que lidam com as situações causadas pela ausência masculina e com a mãe das duas que se trancou no quarto. Ora com metáforas sutis, ora com construções cênicas explícitas, a peça fala sobre a submissão feminina e do machismo tão enraizado, que muitas mulheres se recusam a ser donas do próprio nariz. É isso que as calças do título representam: essa figura rígida e poderosa do masculino, dominante ao longo dos anos, mas que a cada dia pas­sa a ter sua hegemonia ameaçada.

“As mulheres não vestiam calças. Elas só foram vestir calças quando foram para as fábricas de bombas na Primeira Guerra Mundial assumir o lugar dos operários que foram para a guerra”, conta Michel Mauch, diretor do espetáculo, “e quando a guerra acabou, elas foram obrigadas a voltar para casa, para sua posição, e muitas não se adaptaram, entraram em depressão”. O diretor contou que essa dupla relação de poder entre masculino e feminino é representado na peça pelas duas personagens; uma é mais aberta a mudanças enquanto outra é mais resignada.

Ele disse: “As personagens são alegorias e isso é visto de forma cênica mesmo. A Francisca não tem medo, abre portas e janelas, ela está aberta a novidades e a novas ideias. A Joaquina tem medo, passa a peça inteira preocupada com a mãe e busca o pai, uma figura que não existe mais”. Aliás, Mauch destaca que não é uma peça sobre feminismo ou machismo propriamente ditos, mas sobre os papéis de gênero que criamos e que a sociedade impôs ao longo dos anos sobre homens e especialmente sobre mulheres, dando destaque para essa relação de poder injusta. Na peça, ele julga esse desequilíbrio insustentável e a personagem de Francisca representa a mulher moderna que, aos poucos, luta pelos seus direitos e tenta mudar a sua realidade.

“Esses papéis de homens e mulheres de que falamos não têm mais espaço na sociedade”, disse Mauch, “Temos os soldados, eles vestem calças, são rígidos, e os coloquei rondando a cidade. Eles, antiquados, são uma ameaça, uma denúncia desse masculino que sufoca o feminino que estão sempre rondando e não querem que as mulheres vistam calças, não querem que elas assumam sua posição no mundo”.

A companhia paulistana estreou a peça originalmente em 2014, mas nunca a exibiu em Goiânia. O espetáculo dessa semana, contemplado pela Funarte, abre a terceira temporada da montagem. Mauch conta que é uma estreia muito especial, porque a companhia possui uma relação muito especial com a capital: “Eu sou de São Paulo, mas fiz a graduação em Goiânia, na UFG, jun­to com a Janaína, que é goiana. Depois fiz o mestrado na USP. Morei cinco anos em Goiânia. Temos o pezinho e o coração nessa cidade”, contou Mauch.

O texto, escrito por Janaína, teve uma origem interessante: “Ele era assinado por Veruska Caron, não queríamos que as atrizes conhecessem a autora para poderem opinar e criticar livremente. Elas ficaram sem saber até o final dos ensaios”, disse Mauch. Ele disse que a Janaína já usou o pseudônimo antes, com ele, para que ele desse uma opinião sincera sobre o texto. Gostaram da ideia e resolveram empregá-la no desenvolvimento da peça. “Falamos para as atrizes que a autora era uma senhorinha filósofa do interior de Goiás, exatamente para que fosse difícil de encontrar caso elas resolvessem procurar. Funcionou: elas criticaram e contribuíram bastante”, disse Mauch.

O diretor comentou também que acha um momento muito auspicioso para falar sobre papéis de gênero. “Conforme fomos trabalhando o texto, passamos a ver mais e mais o tema surgindo nas notícias, nas redes sociais, em discussões. Especialmente no meio acadêmico: sinto que as estudantes começaram a perceber estes papéis e pararam de aceitar as imposições da sociedade. É a peça é isso. É um olhar ao mesmo tempo sobre o passado e sobre o contemporâneo da sociedade. Podia ser em qualquer país”.

Além das apresentações, a companhia também vai fazer duas oficinas. A primeira se chama Como se Faz um Elefante?, ministrada por Mauch e focada em elementos construtivos da interpretação teatral. Para 20 alunos, ele usa grandes teóricos das artes cênicas para trabalhar elementos narrativos não verbais. A outra oficina é ministrada pelas atrizes, Teatro Como Experiência Sensorial, e trabalha a construção das personagens Francisca e Joaquina a partir do figurino da peça, criado por Rafael Rios.

“Ficamos muito felizes com essas oficinas, teve muita procura, até tive que abrir uma exceção e aceitar dar uma delas para 24 pessoas para ninguém ficar de fora” disse Mauch. Ele dá destaque para o estudo de figurinos: “É muito interessante, porque ao invés de trabalhar o figurino no final dos ensaios, as atrizes já montaram o figurino antes, eles ajudaram a compor os personagens. Começaram a montar tudo escolhendo os tecidos, as pedrarias... Acabou que Francisca veste muita renda, é suave, macio, enquanto Joaquina tem um figurino cheio de nós, tenso, rígido”.

Serviço

‘As Mulheres que Não Vestiam Calças’, da Companhia 

d’Os Palimpsestos

Dias: 14,15 e 16 de janeiro.

Horários: Dia 14 de janeiro 

(Oficinas das 9h às 12h e das 13h às 16h)

Horários: Dia 15 e 16 de Janeiro às 20h

Local: Avenida Universitária – Setor Leste Universitário – Goiânia 

Duração: 60 minutos.

Classificação indicativa: Livre

Ingressos: R$10