Sou do samba

24 de janeiro de 2016

Fonte: O Popular

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Ritmo mais tradicional do Brasil completa um século de história

O samba nasceu no chão de terra batida do campo e se tornou uma manifestação da alma brasileira. Vai além de ritmo, gingado ou canto e reflete-se na cultura e na maneira de viver do povo. Fez a realeza descer do trono e dançar desengonçado, como o príncipe Charles, em 1978, quando desfilou no carnaval carioca pela escola Beija-Flor. Também transformou gente comum em majestade, como a ex-passista Pinah, que ficou conhecida após encantar o herdeiro britânico com seu requebrado. Virou hino nas vozes de grandes bambas, como Dorival Caymmi, Cartola, Paulinho da Viola, Mário Reis e Francisco Alves.

O samba como ele é hoje saiu das cordas do violão do carioca Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, apelido que carregava desde menino. É do cantor e compositor o primeiro registro fonográfico do gênero, em novembro de 1916, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com a música Pelo Telefone, gravada em 1917. A letra foi criada na casa de Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, grande fomentadora da cultura negra no Brasil, ponto de encontro de vários sambistas, como Pixinguinha e João da Baiana. A composição marcou a transição do maxixe para o samba e o reconhecimento do segundo como novo segmento.

O registro representa um marco na elaboração dos direitos autorais do País e contribuiu para a divulgação do gênero do Rio de Janeiro para outras regiões, graças ao rádio, único veículo de massa da época. Nomes como Francisco Alves, Mário Reis, Ismael Silva, Noel Rosa e Sinhô eram alguns dos grandes representantes. Até o final da década de 20, o samba tem uma estrutura apoiada na percussão do pandeiro e depois recebe inovações produzidas por compositores do Estácio, tradicional bairro de boêmios carioca, que acrescentaram tamborim e surdo, seguido na frente por outras gerações, como do Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Jorge Aragão.

Discriminação e auge

Antes da popularização, tinha o preconceito. Alguns segmentos antecessores ao samba como o lundum, uma dança de negros e mulatos, não tinha aceitação da elite branca por conta de gestos que imitavam o ato sexual. O calango, em Minas Gerais, era restrito, assim como o samba-roda da Bahia, que era malvisto pela sociedade. “Quando se entrava na casa das pessoas tinha choro e maxixe na sala. Na cozinha era samba, e no terreiro a pernada e o batuque. Da sala para a cozinha e da cozinha para o terreiro o gênero vai ficando mais negro e mais discriminado. Foi preciso passar por um processo de branqueamento”, analisa o professor de Ciências Sociais da UFG, Sebastião Rios, 52 anos.

No início dos anos 30, o gênero ganharia muitas variações como o samba-enredo, o samba-choro e o samba-canção. É desse período, também, o surgimento de ritmos criados para os grandes blocos de carnaval. Período de grandes nomes como Ary Barroso, Jacob do Bandolim, Cartola, Adoniran Barbosa, Herivelto Martins e Lupicínio Rodrigues. Não demorou muito para a batucada chegar aos EUA, com Carmen Miranda, umas das grandes responsáveis pela ponte internacional. “Você tem o Rio de Janeiro para o samba e São Paulo para a música caipira, que são quase da mesma época”, cita Rios.

Nas décadas seguintes, a fábrica de ícones não parou. São incontáveis: Elza Soares, Jair Rodrigues, Dona Ivone Lara, João Nogueira, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho, Clementina de Jesus, Leci Brandão, Sombrinha, Jovelina Pérola Negra e Demônios da Garoa. Teve sua transformação em bossa nova, a moderna apropriação pela Tropicália e a sofisticada releitura de suas origens via Paulinho da Viola. Ganhou musical com Diogo Nogueira e será tema no carnaval 2016 pela Beija-Flor. É o que Dorival Caymmi gravou no Samba da Minha Terra: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé.”

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