Com estímulo ao aprendizado, Agrinho reescreve história

Data: 27 de novembro de 2014

Veículo: Portal CBN Goiânia

Link: http://www.cbngoiania.com.br/programas/cbn-goiania/cbn-goi%C3%A2nia-1.213644/com-est%C3%ADmulo-ao-aprendizado-agrinho-reescreve-hist%C3%B3rias-1.721862

 

 

Programa incentiva a produção textual em escolas rurais e urbanas por meio da discussão de temas ligados ao meio ambiente

Gostaria que as pessoas tivessem mais música, arte, dança e esporte, mais natureza e lazer”. Foi assim, que o Josué Tiago Dias, 10 anos, começou sua redação para o Programa Agrinho, realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás) em parceria com a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg). Ele é estudante do 5º ano da Escola Municipal Professor Sebastião Rodrigues de Oliveira, em Caldazinha, a 33 km de Goiânia. Mesmo com pouca idade, o pequeno já sabe descrever como seria um mundo melhor, apontando deveres a serem cumpridos e valores a serem seguidos.

Finalista na categoria redação do concurso Agrinho 2014, que premiará os seus vencedores no dia 16 de dezembro, ele se sentiu motivado logo que viu o tema do projeto para este ano, que debate meio ambiente, cidadania, esporte e lazer. Josué adora esporte e entender que os temas estão interligados foi tarefa fácil. Na verdade, o menino diz que escrever o texto para o concurso foi uma grande satisfação, já que gosta muito de poesia.

Mas a satisfação maior veio com o resultado do trabalho. “Todos ficaram muito orgulhosos na escola e em casa também. É uma grande felicidade ser finalista desse projeto”, diz o garoto. A mudança na visão de mundo refletiu na escolha do futuro de Josué. Agora, ele quer ser veterinário. A opção deixou a família dele entusiasmada. A mãe, a dona de casa Selene Francisco Dias, 32 anos, recebeu a notícia com satisfação, já que o garoto tímido de antes passou a ter mais autoconfiança e autoestima. “O programa foi fundamental na vida do meu filho, refletiu na nossa família de forma positiva”, diz Selene.

O Agrinho surgiu em 1995, no Paraná, após uma intoxicação de trabalhadores rurais pela reutilização de embalagens com agrotóxicos. O Senar/Faep entendeu que o acidente só aconteceu porque faltava conhecimento entre os trabalhadores, já que muitos deles não sabiam sequer ler e escrever. Assim nasceu o Agrinho, que busca melhorar o aprendizado dos alunos de colégios rurais e urbanos.

Em Goiás, o projeto começou em 2008 e desde então o Agrinho só vem colhendo bons frutos, de acordo com a coordenadora do programa Maria Luiza Bretas. “No estado, o projeto é um sucesso. Estamos resgatando os valores de que foram deixados de lado. Hoje as crianças entendem que não há futuro sem preservação do meio ambiente”, diz Maria.

 

Professores

Para a conquista do Josué, o auxílio da professora Sandra Ozório, 45 anos, foi essencial. Durante todo o ano, ela trabalhou o tema do concurso Agrinho em sala de aula. Inicialmente, ela achou que teria dificuldade em mostrar como os assuntos que pautam a premiação estão interligados. “Trabalhar com alunos mais jovens é vantajoso, pois eles são multiplicadores, vão levar tudo que aprenderam para casa e comunidade”, avalia.

Veterana no projeto, Sandra leva alunos pela segunda vez às finais do concurso Agrinho. Mas as três medalhas não são as únicas conquistas. Para a professora, mais importante são os valores adquiridos com o aprendizado proporcionado pelo programa. “Misturei poesia com a importância do esporte, cidadania e meio ambiente, depois de ler vários textos em sala de aula, veio o resultado: dois finalistas do Agrinho são meus alunos, o Josué e a Mariana”, conta. Mariana Batista, 9 anos, também é aluna da Escola Municipal Professor Sebastião Rodrigues de Oliveira, porém do 4º ano. Ela é finalista na categoria redação do concurso Agrinho, com o poema intitulado “Nosso Ambiente".

A paixão de Sandra pelo projeto é visível. Entusiasmada, ela diz que o Agrinho valoriza o trabalho do professor, entendendo que a solução dos problemas sociais e ambientas passam pelo engajamento das crianças. “Só é possível mudar esse cenário, educando”, sentencia.

Para a coordenadora Maria Luiza Bretas, a consciência socioambiental move o programa Agrinho. Segundo ela, a cada ano aumentam os desafios, já que o projeto apresenta uma evolução muito grande. “A avaliação desse ano foi bem difícil. A qualidade das produções aumentou, mas superamos esses desafios com muita satisfação”, diz Maria.



Formação

O programa Agrinho trabalha com professores da educação infantil e do ensino fundamental. A formação deles é feita em Goiânia, para que, depois, eles possam ir a seus municípios disseminarem o aprendizado. “Neste ano, tivemos 878 professores inscritos e mais de 1.300 escolas participantes, distribuídas em 182 municípios de Goiás, explica a coordenadora do programa”.

A educadora e técnica do Agrinho na cidade de Caldazinha Vaneli Marques, 53, é uma professora multiplicadora. Ela recebeu uma formação de 40 horas e um kit para trabalhar em sala de aula a temática escolhida pelo Senar neste ano. “Quando vi o projeto pela primeira vez, sabia que conseguiria um trabalho maravilho só com alunos e professores. É um assunto rico”, relata.

Em 13 anos de profissão, Vaneli diz, sem titubear, que esse foi o projeto mais prazeroso de se trabalhar, principalmente com crianças de uma cidade pequena, onde a realidade é diferente dos grandes centros. “Fui a ponte entre os professores e os alunos da Escola Municipal Professor Sebastião Rodrigues de Oliveira. Vê que essa ponte está firme. É algo que me faz ter orgulho da minha profissão”, diz Vaneli.

A história dos professores e alunos de Caldazinha não foi a única a ser reescrita. No sul de Goiás, na cidade de Paraúna, o aluno da Escola Municipal Rural de Tempo Integral Ponte de Pedra Marcos Paulo Menezes, 14, teve sua rotina modificada. Morador da zona rural de Paraúna, Marcos divide a casa com o pai, a mãe e mais dois irmãos.

Meio ambiente para o jovem se resumia no trajeto da escola para casa. “Para mim as flores, arvores, plantas e animais eram a única coisa que faziam parte do meio ambiente. Hoje aprendi que tem muito mais coisa envolvida”, diz o jovem. Ele não chegou a ser um finalista do programa Agrinho, mas ganhou conhecimento.

Hoje, Marcos relata que a família e os vizinhos fazem coleta seletiva, economizam água, entre outras coisas. “Ensinei como a coleta seletiva poderia fazer a diferença na minha comunidade. Água também eles aprenderam a valorizar. Antes minha mãe ligava a torneira do tanquinho e só desligava quando terminava de lavar as roupas. Hoje é diferente, enquanto esfrega as roupas, a torneira fica caladinha”, relata o jovem com entusiasmo.



Quebrando barreiras

De acordo com a professora do curso de licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em educação rural Regina Souza, é cada vez mais difícil trabalhar em escolas da zona rural de Goiás. Ainda tem aquelas que resistem, porque são multiseriadas, ou seja, o professor tem que dar conta de várias séries juntas, o que dificulta o andamento das aulas.

Outro grande problema da educação rural é a localidade: muitos alunos têm que acordar de madrugada para chegarem à escola às 8 da manhã. “Esses estudantes chegam tarde e cansados em casa e acabam não tendo contato com a cultural, contribuindo na família e no campo”, diz Regina.

O Agrinho ajuda a modificar justamente esse cenário. “Vimos o tanto que eles ficam motivados, mas quando o tempo vai passando e mais eles vão aprendendo, é visível que o programa fez a diferença e mudou a forma deles pensarem”, diz a professora Sandra Ozório.

Dividido em quatro categorias - Redação, Desenho, Experiência Pedagógica do professor e relatório da Escola Agrinho - o concurso distribui 200 prêmios entre crianças, escola e professores. O programa ainda leva um incentivo maior aos professores, que são os disseminadores do Agrinho. O 1º lugar do estado em experiência pedagógica ganha um carro zero quilômetro e o 2º, uma motocicleta.

Com a voz embargada, a coordenadora do Agrinho Maria Luiza Bretas diz que ao lembrar os relatos da experiência pedagógica, feito pelos professores, “chega a arrepiar”, pois são tantas vidas modificadas e tocadas, que fazer parte de um projeto como o Agrinho é o maior presente que poderia receber em tantos anos como educadora. “Ser professor é uma tarefa árdua. De uma escola na zona rural é mais difícil ainda. Mudar história através de um programa é algo que me faz feliz por ser educadora”, conta Maria.