Fuga ao tema faz média cair em redação

Data: 15 de janeiro de 2015

Veículo: O Popular

 

Professores apontam falta de leitura dos alunos e de preparo dos educadores como principais motivos para mau desempenho registrado na prova realizada no ano passado

 

O número de mais de 500 mil alunos que zeraram a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) surpreendeu especialistas e escancarou problemas na forma do ensino, na estrutura das escolas e na formação dos alunos. O tema, até certo ponto surpreendente, sobre publicidade infantil, foi o principal motivo para que fosse ampliado o número de anulações de redações. Em 2013, 106 mil redações foram anuladas, ou seja, 2,11% do total; enquanto que da prova de 2014 o porcentual chegou a 8,54% – maioria foi motivada pela fuga ao tema.

No geral, a nota média dos alunos na comparação das últimas duas edições do Enem ficou 9,7% mais baixa em redação. Enquanto mais de 10% dos alunos em 2013 conseguiram tirar nota acima de 700, considerada boa, no ano passado o número chegou a apenas 8,4%. A queda também foi registrada entre aqueles que atingiram a pontuação máxima – 481 alunos na edição de 2013 e apenas 250 nesta última. Em 2013, o tema da redação foi a Lei Seca, que estava em voga em discussões cotidianas.

O professor de redação Wendell Sullyvan, dos Colégios Visão e Olimpo, explica que o tema de 2014 foi mais complexo justamente por não ser objeto de discussão entre os jovens, o que causaria certo susto nos alunos. Ele acredita que o fato por si só não justifica o mau desempenho dos estudantes. “A Educação deve investir em reflexão e leitura, fazer com que os alunos tenham seus próprios argumentos e discursos e não só reproduzam o que veem”, diz. Um exemplo disso é que mais de 13 mil redações foram anuladas por copiar parte dos textos de apoio da prova.

 

DISCURSOS

Wendell afirma que as melhores escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, contribuem com o ensino de modo que os alunos tenham seus discursos autorais, além de ser importante o trabalho com a técnica de linguagem. “Acredito que aqueles que tiveram nota acima de 900 já tinham trabalhado com o tema antecipadamente, com tempo para discutir, e buscaram entender o caso.” O também professor Wellington Coelho, dos Colégios Millenium e WR, diz que há muitos alunos que esperam um ensino decorado, em que diga a ele quais argumentos usar e como se posicionar a cada tema.

Coelho diz que a banca do Enem agiu bem ao procurar um tema diferente, que coloca os alunos para pensar. “Eu trabalhei este tema com os meus alunos por ser uma questão instigante, que causa polêmica, que é a publicidade infantil, em que muitos são contra e outros a favor, mas é certo que muitas escolas não têm essa preocupação.” O professor afirma que muitos de seus colegas ainda adotam a prática de fazer com que o aluno decore como fabricar uma redação, afirmando até que não poderia adotar postura crítica ao governo federal, por este ser organizador do Enem, “o que não faz qualquer sentido”, determina ele.

 

LEITURA

Professora da Sofos Específica de Redação, Lorena Cançado salienta que o aluno também deve se preparar para a prova de redação e que, em geral, existe o problema de falta de leitura de temas gerais e atuais, até para que não ocorra a surpresa qualquer tema na redação. “O professor tem que instigar o aluno a sempre estar atualizado, provocar para que ele leia e não apenas aprenda az técnica.” Cançado explica que a técnica deve ser aliada ao conteúdo, o que fabrica uma boa argumentação e, consequentemente, uma boa nota na redação.

A professora também acredita que o tema ser uma surpresa não poderia justificar o mau desempenho de um aluno. Thiago Santos, professor do Colégio Integrado Jaó, concorda com a colega e diz que o tema era simples, mesmo que inesperado. “Um tema não tem de ser óbvio e o aluno tem de ser informado, ter uma visão de mundo, não se apegar a macetes.” Ele pontua, no entanto, que o Enem, por ser um exame de diagnóstico, conseguiu mostrar as falhas na educação de base no Brasil.

Santos argumenta que a maioria dos estudantes que fazem o Enem é das escolas estaduais, o que demonstraria a precariedade no ensino médio nacional. O professor lembra que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) teve nota média mais alta de 3,8, exatamente do ensino público goiano. “É necessária uma revisão da base do ensino, rever as premissas, como o próprio ministro Cid Gomes afirmou que deveria ser feito.” Thiago Santos lembra ainda que nem todos os professores têm capacidade, incentivo e estrutura para repensar as concepções de ensino e sugerir e ensinar os alunos a ter uma visão de mundo.

Melhores alunos apontam bons argumentos como dica

O veterinário Danilo Leal, de 27 anos, realizou o curso Prepara Enem específico para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com a intenção de iniciar uma graduação em medicina. Na média, sua pontuação foi de 808, sendo que a nota da redação foi de 940. Segundo ele, o segredo foi se preocupar com a estrutura do texto para basear seus argumentos. “Quando a gente viu o tema, tomou um susto, porque não era o esperado, mas depois de ler os textos de apoio fica mais fácil”, diz.

O resultado foi dentro do esperado por Danilo, que afirma ter se preocupado em fazer o texto dentro do tempo estipulado. O estudante diz que buscou dar clareza para os seus argumentos e, para isso, contou com toda a bagagem cultural e maturidade que possui. “Uma das grandes vantagens do Enem é que ele permite que o aluno use todo o seu conteúdo, de sociologia, filosofia, cinema, literatura e tudo mais.” O número de redações anuladas no Enem, para Danilo, mostra a falta de preparo dos alunos.

Já Guilherme Stival, de 20, mesmo que o tema da redação tenha sido apresentado em sala de aula por seu professor no Colégio Visão, ver a discussão sobre publicidade infantil na prova foi uma surpresa. Participando do Enem pela quarta vez, o estudante conta que para tirar 920 na redação, ficou atento ao manual da prova. Na edição anterior, por exemplo, a nota de Guilherme havia sido 840. Ele também tenta uma vaga no curso de medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) ou Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Uma das premissas do manual, por exemplo, é não poder copiar qualquer parte dos textos de apoio, o que causou a eliminação de mais de 13 mil candidatos. “O Enem não cobra que um aluno saiba tudo sobre determinado tema, mas que se saiba o básico e como ele se relaciona com o que a gente vive, com o nosso mundo”, diz.