Turma do Fundão

Data: 04 de fevereiro de 2015

Fonte: O Popular

Turma do fundão

Indicado ao Oscar e em cartaz na cidade, filme Whiplash chama a atenção para a atuação do baterista no palco. O POPULAR mostra a trajetória de músicos goianos que conseguiram destaque nesta função

Bruno Félix04 de fevereiro de 2015 (quarta-feira)

 

 

Sebastião Nogueira
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O baterista Folhinha, hoje vivendo em São Paulo: “Quando estou no palco, me transformo em uma criança”

 

Do fundo do palco, eles dão o compasso do espetáculo. As baquetas velozes, movimentos precisos e energia de sobra podem confundir os olhos, mas o corpo do público sente cada batida, cada ataque. A poucos bateristas está reservada a condição de lenda, pois qualquer erro é percebido primeiro ali, na parte de trás da cozinha. O treinamento para chegar a esse nível de perfeição é o tema central do filme em cartazWhiplash – Em Busca da Perfeição, do diretor Damien Chazelle, que concorre ao Oscar em quatro categorias, incluindo de melhor filme e de ator coadjuvante.

O tempero goiano nessa mistura já rendeu à música nacional importantes nomes, como o músico Clemenceau de Abreu, conhecido como Folhinha, de 74 anos. Ele começou a carreira em uma casa de shows no Rio de Janeiro. Antes disso, limpava o salão e nas horas vagas assistia aos ensaios da banda local. Folhinha ainda não tocava nada. Aprendeu olhando. Quando o titular precisou se ausentar, ele fez do momento uma oportunidade. Lançou-se como instrumentista em um grupo com nomes como Dominguinhos do Acordeon e Juarez Araújo, um dos maiores saxofonistas do mundo. “Estava tremendo, era tanta gente fera”, recorda-se.

Folhinha conquistou a admiração da banda nas primeiras notas e ganhou a posição de titular. Depois de algumas temporadas, rapidamente começaram a surgir no Rio boatos de um baterista de fora. A primeira proposta de trabalho foi enviada pelo empresário de Cauby Peixoto, em 1961. Foram dois anos e meio acompanhando o artista. Ele saiu em turnê pelo País inteiro e por Portugal. “Na época falavam que tinha um índio goiano no Rio de Janeiro dando uma de músico”, brinca.

Ainda na carreira, Folhinha acompanhou grandes nomes como Cartola, Eliana Pittman, Jorge Ben Jor, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Alcione, Jamelão, Wilson Simonal, Beth Carvalho e Djavan. Em Goiânia, o baterista tocou por uma temporada em uma banda de baile tradicional na época. Morou quase 30 anos no Rio de Janeiro e há mais de duas décadas reside em São Paulo. Aos 74 anos, acompanha o músico Luiz Domingues, ex-integrante da banda paulista Língua de Trapo.

“Quando estou no palco, me transformo em uma criança. Só vou parar depois da morte”, avisa. O apelido de Folhinha ele ganhou do músico e compositor Ary Barroso, no final dos anos 50, depois de se apresentar reproduzindo músicas apenas com uma folha na boca no seu programa de calouros. Quase todo mês, o veterano vem a Goiânia, onde mora sua família. O sobrinho Elan Rúbio Borges segue seus passos na bateria, acompanhando a banda do sertanejo Thiago Brava.

FRUTOS

A trajetória de Folhinha foi fundamental para o surgimento de outros expoentes da capital. Um dos nomes de bateristas mais atuantes da cena regional é do goiano Fred Valle, 40 anos, que toca profissionalmente desde 1995. Ele já participou de mais de cem discos e acompanhou quase todos os músicos de Goiás, tanto em gravações como em shows. Ainda faz parte do grupo de instrumentistas que se apresenta com o maestro e arranjador Luiz Chaffin.

Outro respeitado artista local é o baterista Guilherme Santana, 36 anos, que começou cedo – aos seis anos já participava do grupo musical de sua igreja. Em 1996, ficou em segundo lugar em um respeitado concurso de nível nacional, promovido pela instrumentista, compositora e professora Vera Figueiredo. Em 2003, ele estudou nos EUA e conquistou reconhecimento. Na carreira, Santana já tem mais de 600 participações em discos gravados e em mais de 45 DVDs.

Na igreja foi onde também começou a tocar Jader Steter, 50 anos, que nasceu em Rondônia, mas mora há muitos anos em Goiânia. O seu primeiro grande trabalho foi acompanhando a banda de axé Coração, uma das pioneiras na noite goiana. Atualmente, ele se apresenta com Marcelo Barra e faz parte da Banda Pequi, um projeto de extensão da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. Ele já compôs o grupo de Maria Eugênia, Fernando Perillo, Nilton Rabello e Juraildes da Cruz.

Em novembro de 2014, com a Banda Pequi, Jader participou de uma apresentação com o cantor e compositor mineiro João Bosco, na UFG, substituindo o baterista titular do conjunto do artista, Kiko Freitas, que o acompanha há mais de 15 anos e que tem quase 30 anos de carreira. “Foi uma experiência maravilhosa por ser um músico que tem uma visão bem ampla da bateria, com uma linguagem própria e com uma complexidade rítmica rica. Uma grande lição”, lembra Jader. “Tocar é minha vida. Quando consigo alegrar as pessoas, isso me emociona e volta como energia.”

O aprendizado faz o instrumentista lembrar-se do início profissional quando morava em Cuiabá. “Nessa época, eu acompanhava uma cantora que veio de São Paulo, que nem lembro o nome e, tocando com ela, sempre errava no final da música. Ela terminava e eu passava do ponto. Um dia, ela me chamou a atenção e me deu uma dica para nunca tirar o olho do artista que conduz o show, porque ele sempre faz um sinal, seja com o braço ou cabeça, quando encerra uma faixa.”