Sebastião Nogueira
O baterista Folhinha, hoje vivendo em São Paulo: “Quando estou no palco, me transformo em uma criança”
Do fundo do palco, eles dão o compasso do espetáculo. As baquetas velozes, movimentos precisos e energia de sobra podem confundir os olhos, mas o corpo do público sente cada batida, cada ataque. A poucos bateristas está reservada a condição de lenda, pois qualquer erro é percebido primeiro ali, na parte de trás da cozinha. O treinamento para chegar a esse nível de perfeição é o tema central do filme em cartazWhiplash – Em Busca da Perfeição, do diretor Damien Chazelle, que concorre ao Oscar em quatro categorias, incluindo de melhor filme e de ator coadjuvante.
O tempero goiano nessa mistura já rendeu à música nacional importantes nomes, como o músico Clemenceau de Abreu, conhecido como Folhinha, de 74 anos. Ele começou a carreira em uma casa de shows no Rio de Janeiro. Antes disso, limpava o salão e nas horas vagas assistia aos ensaios da banda local. Folhinha ainda não tocava nada. Aprendeu olhando. Quando o titular precisou se ausentar, ele fez do momento uma oportunidade. Lançou-se como instrumentista em um grupo com nomes como Dominguinhos do Acordeon e Juarez Araújo, um dos maiores saxofonistas do mundo. “Estava tremendo, era tanta gente fera”, recorda-se.
Folhinha conquistou a admiração da banda nas primeiras notas e ganhou a posição de titular. Depois de algumas temporadas, rapidamente começaram a surgir no Rio boatos de um baterista de fora. A primeira proposta de trabalho foi enviada pelo empresário de Cauby Peixoto, em 1961. Foram dois anos e meio acompanhando o artista. Ele saiu em turnê pelo País inteiro e por Portugal. “Na época falavam que tinha um índio goiano no Rio de Janeiro dando uma de músico”, brinca.
Ainda na carreira, Folhinha acompanhou grandes nomes como Cartola, Eliana Pittman, Jorge Ben Jor, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Alcione, Jamelão, Wilson Simonal, Beth Carvalho e Djavan. Em Goiânia, o baterista tocou por uma temporada em uma banda de baile tradicional na época. Morou quase 30 anos no Rio de Janeiro e há mais de duas décadas reside em São Paulo. Aos 74 anos, acompanha o músico Luiz Domingues, ex-integrante da banda paulista Língua de Trapo.
“Quando estou no palco, me transformo em uma criança. Só vou parar depois da morte”, avisa. O apelido de Folhinha ele ganhou do músico e compositor Ary Barroso, no final dos anos 50, depois de se apresentar reproduzindo músicas apenas com uma folha na boca no seu programa de calouros. Quase todo mês, o veterano vem a Goiânia, onde mora sua família. O sobrinho Elan Rúbio Borges segue seus passos na bateria, acompanhando a banda do sertanejo Thiago Brava.
FRUTOS
A trajetória de Folhinha foi fundamental para o surgimento de outros expoentes da capital. Um dos nomes de bateristas mais atuantes da cena regional é do goiano Fred Valle, 40 anos, que toca profissionalmente desde 1995. Ele já participou de mais de cem discos e acompanhou quase todos os músicos de Goiás, tanto em gravações como em shows. Ainda faz parte do grupo de instrumentistas que se apresenta com o maestro e arranjador Luiz Chaffin.
Outro respeitado artista local é o baterista Guilherme Santana, 36 anos, que começou cedo – aos seis anos já participava do grupo musical de sua igreja. Em 1996, ficou em segundo lugar em um respeitado concurso de nível nacional, promovido pela instrumentista, compositora e professora Vera Figueiredo. Em 2003, ele estudou nos EUA e conquistou reconhecimento. Na carreira, Santana já tem mais de 600 participações em discos gravados e em mais de 45 DVDs.
Na igreja foi onde também começou a tocar Jader Steter, 50 anos, que nasceu em Rondônia, mas mora há muitos anos em Goiânia. O seu primeiro grande trabalho foi acompanhando a banda de axé Coração, uma das pioneiras na noite goiana. Atualmente, ele se apresenta com Marcelo Barra e faz parte da Banda Pequi, um projeto de extensão da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. Ele já compôs o grupo de Maria Eugênia, Fernando Perillo, Nilton Rabello e Juraildes da Cruz.
Em novembro de 2014, com a Banda Pequi, Jader participou de uma apresentação com o cantor e compositor mineiro João Bosco, na UFG, substituindo o baterista titular do conjunto do artista, Kiko Freitas, que o acompanha há mais de 15 anos e que tem quase 30 anos de carreira. “Foi uma experiência maravilhosa por ser um músico que tem uma visão bem ampla da bateria, com uma linguagem própria e com uma complexidade rítmica rica. Uma grande lição”, lembra Jader. “Tocar é minha vida. Quando consigo alegrar as pessoas, isso me emociona e volta como energia.”
O aprendizado faz o instrumentista lembrar-se do início profissional quando morava em Cuiabá. “Nessa época, eu acompanhava uma cantora que veio de São Paulo, que nem lembro o nome e, tocando com ela, sempre errava no final da música. Ela terminava e eu passava do ponto. Um dia, ela me chamou a atenção e me deu uma dica para nunca tirar o olho do artista que conduz o show, porque ele sempre faz um sinal, seja com o braço ou cabeça, quando encerra uma faixa.”
Tal pai,tal filho
04 de fevereiro de 2015 (quarta-feira)
Ricardo Rafael
Aurélio Alexandre, o Mokinha, ao lado do pai, Moka, baterista veterano da cena musical da cidade: influência familiar
A batida da bateria esteve presente desde os primeiros lampejos de sua vida, na barriga da mãe. O jovem Aurélio Alexandre, o Mokinha, de 25 anos, nasceu com o destino encaminhado. Desde sempre, acompanhava o seu pai, Moacir Brito Nascimento, o Moka, de 56 anos, em shows e gravações na cena regional, na infância e na adolescência. “Não escolhi tocar esse instrumento ao acaso, já nasci com isso no sangue”, justifica Mokinha.
Assim como Folhinha, que foi um dos primeiros bateristas de Goiás, Moka também faz parte de um grupo da velha guarda. Com 40 anos de estrada, o artista integrou os melhores conjuntos de baile e bandas de rock nas décadas de 70 e 80 na cidade. Entre os principais grupos, fez parte do Akuarius Seven e Tarântulas, além de Os Matuskelas, do Distrito Federal, e Os Gorilas, de Minas Gerais. “Comecei aos 12 anos, incentivado por um vizinho, que tocava todos os dias”, se lembra Moka.
Na carreira, Moka acompanhou grandes nomes nacionais, como Odair José, Tibério Gaspar e Nasi, um dos líderes do Ira!. Ele também foi professor de bateria do ator e cantor Léo Jaime. Com os artistas regionais, integrou a banda de vários, como Fernando Perillo, Pádua e Bororó. A parte prática, ele aprendeu sozinho, já a teórica, com o maestro Geraldo Amaral na UFG. Em 2014, por ser um importante difusor da música goiana, foi homenageado no 15° Canto da Primavera. “Tocar é meu oxigênio, o que me mantém vivo”, afirma Moka.
Com o filho, Moka tocou várias vezes. Uma das últimas foi em dezembro de 2014 na gravação do seu primeiro DVD solo da carreira no Centro Cultural Municipal de Cultura Goiânia Ouro. “Foi emocionante. Cresci vendo-o tocar e, de repente, faço parte da banda. Só tinha gente fera ao meu lado. Foi emocionante, além de uma responsabilidade imensa de se apresentar com o seu pai o avaliando. Mas foi tudo bem, ele não reclamou”, brinca Mokinha.
Força em dobro
04 de fevereiro de 2015 (quarta-feira)
Quando o momento pede energia extra, as atenções se voltam para a bateria. Bandas sinfônicas muitas vezes se valem de duas no palco para executar determinadas obras, e o rock também dá uma apertadinha na cozinha e duplica o instrumento na hora de botar para quebrar. É o caso do grupo de rock Mechanics que, em situações especiais, divide o fundão com potência dobrada. A primeira apresentação ao público com essa estrutura aconteceu há dois anos no Martim Cererê.
O momento foi especial porque a banda, na época formada por Pedro Henrique (bateria), Márcio Jr. (vocal), Katú (guitarra), Little John (baixo) e Ricardo Darin (guitarra), estava há um ano parada. Júnior, de Inhumas, que já tinha atuado na batera com o Mechanics em outras oportunidades, foi integrado.
Nessa formação fizeram três shows nos dois últimos anos. “Tocamos em momentos intercalando, em outros juntos, e também separados em algumas faixas”, lembra Pedro, que na carreira acompanhou Andreas Kisser, líder do Sepultura, e o grupo Raimundos.
Algumas lendas da batera
04 de fevereiro de 2015 (quarta-feira)
Buddy Rich
Considerado o maior baterista de jazz de todos os tempos. Não seria exagero dizer que o músico americano é para a bateria o que Pelé é para o futebol e Einstein para a física. Ele começou a carreira ainda na infância de maneira autodidata e morreu aos 70 anos, em 1987.
Gene Krupa
Outra lenda da bateria. O músico americano impressionava pela técnica de improviso e é considerado o primeiro solista que tirou o instrumento da função de um mero marcador de tempo. O músico iniciou a carreira aos 11 anos e morreu aos 64, em 1973.
John Bonham
Também considerado um dos maiores bateristas de todos os tempos. O músico inglês fez parte da banda Led Zeppelin. Ele ganhou respeito pela sua velocidade, potência e pé direito rápido. Começou a tocar cedo e morreu aos 32 anos, em 1980, em decorrência do alcoolismo.
Keith John Moon
Ganhou prestígio pelo seu estilo inovador e pelo comportamento excêntrico e destrutivo. O músico inglês integrou e participou de todos os álbuns da banda de rock The Who. Também é citado como uns dos maiores de todos os tempos e morreu aos 32 anos, em 1978.
Ringo Starr
Mundialmente conhecido como baterista dos Beatles após substituir Pete Beste. O músico britânico ficou no grupo até a separação, em 1970. Sua principal virtude é o estilo seguro de tocar e seus toques de originalidade. Em 2011, foi eleito pela Rolling Stone o 4º maior baterista de todos os tempos.
Igor Cavalera
Despontou por causa de sua técnica agressiva na bateria na época que fazia parte da banda de heavy metal brasileira Sepultura. O seu estilo inovador trouxe elementos tribais, o uso constante de pedal duplo e uma grande quantidade de tons incorporados na música.