Indígenas terão ensino adaptado

Os primeiros índios formados em Licenciatura Intercultural Indígena darão aula às tribos a partir de 2012

O Estado de São Paulo, 31 de outubro de 2010

João Domingos / TEXTOS


A partir de 2012, as escolas em aldeias das etnias apinajé, canela, carajá, javaé, krahô, tapirapé, tapuia, xambioá e xerente dos Vales do Araguaia e Tocantins (em Goiás, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins) darão um salto de qualidade. Elas começarão a receber os primeiros professores índios graduados em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

A proposta de ensino da UFG foi construída de forma coletiva, partindo da experiência com cursos de formação de professores indígenas e com revitalização de línguas e culturas indígenas, explicaram os professores Maria do Socorro Pimentel da Silva e Leandro Mendes Rocha, idealizadores do curso. Ambos são doutores em educação indígena e têm experiência de atuação em aldeias. Maria do Socorro foi professora do ensino fundamental na Ilha do Bananal (TO) e Leandro Rocha formou professores entre os macuxi de Roraima.

Atualmente, de acordo com o governo federal, a educação indígena vive o desafio de formar pelo menos 4 mil professores até 2012. Assim como a UFG, também têm cursos exclusivos para índios universidades federais e estaduais do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Minas, Roraima, São Paulo e Tocantins - esta última em convênio com a universidade goiana.

As escolas nas aldeias têm estatuto diferente das demais. Devem ser municipais, bilíngues e com calendário diferenciado. De preferência, os professores têm de ser indígenas e da própria aldeia. Com o crescimento populacional e o aumento do interesse dos índios por frequentar as salas de aula até a fase adulta, tornou-se necessário formar também os professores para o ensino médio.

Em Goiás, segundo Maria do Socorro e Rocha, apenas uma professora que atua em aldeia cursou o ensino superior, sendo que os demais têm ensino médio ou fundamental. Boa parte não tem formação para desenvolver um ensino de acordo com a especificidade de seus povos.

Falta luz em aldeia Krahô

Na maioria das escolas indígenas brasileiras, contrariando orientação do Ministério da Educação, o ensino da 5.ª a 8.ª séries está sob responsabilidade de professores não índios. Muitos deles, se não todos, não têm formação para exercer o magistério de acordo com a realidade sociolinguística e cultural desses povos. Normalmente, nessas séries, a atuação dos indígenas tem se dado somente como professores de línguas maternas.

Daí o corre-corre para a formação de professores com curso superior. Quando a primeira turma de alunos da UFG se graduar, em 2012, cada um dos cerca de 40 formandos poderá optar por se especializar em Ciência da Cultura, Ciência da Linguagem e Ciência da Natureza. Encerrada essa fase, eles deverão ir para as suas aldeias, para liderar um novo ciclo no ensino fundamental e médio das escolas indígenas.

Durante os cinco anos de curso universitário, eles terão adquirido conhecimentos teórico e metodológico necessários para o desenvolvimento de pesquisas nas aldeias, levando-se em conta que devem ser tratados no mesmo nível as questões culturais relativas aos índios e não índios, lembrou Rocha.

Nas duas últimas décadas, a população indígena tem passado por uma explosão demográfica, o que aumentou muito a demanda por professores, disse Rocha. Isso, segundo ele, deveu-se principalmente à mudança na política oficial de proteção aos índios, a começar pela Constituição de 1988. Os governos seguintes garantiram terras e paz aos índios e eles puderam voltar a ter filhos sem maiores problemas. Hoje as aldeias contam com uma grande população infantil e adolescente.

No curso universitário, os alunos são submetidos a debates teóricos e políticos, que buscam contribuir com a construção de propostas educacionais que respeitem e incluam projetos tocados pelas comunidades indígenas. Eles são incentivados a produzir materiais didáticos que contemplem os conhecimentos elaborados pelos indígenas e a diversidade linguística em que eles estão envolvidos.

Atualmente, por exemplo, os professores da UFG e os alunos indígenas estão envolvidos na elaboração de dicionários bilíngues da língua das diversas etnias e do português. Eles também aprendem a buscar condições para o desenvolvimento de projetos de sustentabilidade econômica e de políticas de revitalização e manutenção das línguas e culturas indígenas.

Carga horária. O curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFG tem 3,6 mil horas. Destas, 2,1 mil são de estudos presenciais, 500 de ensino a distância em terras indígenas, 200 de pesquisas e seminários, 400 de estágio supervisionado e 400 para a prática do ensino.

Durante o período em que ficam em Goiânia para as aulas presenciais, os alunos residem em alojamentos bancados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Esse período acontece durante o recesso do calendário das escolas indígenas, normalmente entre os meses de janeiro, fevereiro, julho e agosto. Eles passam também por cursos especiais de língua portuguesa, de línguas maternas e de informática.

Até o fim do ano, deve ficar pronto o prédio especialmente construído para o ensino dos indígenas. Terá a forma de uma oca e ficará perto de uma pequena mata frequentada por animais silvestres, como macacos-prego (Cebus libidinosus), no câmpus da UFG, na saída para Nova Veneza.