Setima arte ainda vive

Sétima arte ainda vive

Contrariando previsões pessimistas de que perderia força para novas tecnologias, cinema mantém público cativo

28/01/2010

Há alguns anos, o cenário era duvidoso para uma das expressões de arte mais populares do mundo. O advento das novas tecnologias de imagem, como o VHS, ou mesmo o DVD, mais recentemente, bem como a disseminação da pirataria, facilitando o acesso às produções, contribuíam para a previsão pessimista. O que se esperava era que, aos poucos, os amantes dos filmes deixassem de lado as filas das salas de exibição para curtirem as atrações no aconchego do lar. No entanto, a movimentação nas salas e a correria pelos ingressos de algumas produções mostram exatamente o contrário: a sétima arte ainda respira e não deve sucumbir assim tão cedo à concorrência.


Os maus presságios foram baseados em números, que confirmam que o cinema mundial está mesmo perdendo espectadores. Nos EUA, país que serve de termômetro para o resto  do mundo, as bilheterias venderam 199 milhões a menos entre 2002 e 2008. Isso fez com que Hollywood apostasse mais nas vendas de DVD. As mudanças trazidas pela nova tecnologia em relação ao cinema levaram o filósofo e especialista em cinema Lars Henrik Gass a abordar o tema em artigo da revista Humboldt. Para ele, o filme era uma experiência coletiva. Hoje, a conveniência do DVD traz a possibilidade de cada um apreciar um filme na privacidade de casa. A realidade deixou pessimista até Greg Frazier, executivo da associação que representa os grandes estúdios dos EUA. Em visita ao Brasil, no ano passado, ele chegou a afirmar que a indústria dos filmes estaria em risco.


No Brasil, porém, o cenário ainda é favorável e os números continuam ascendendo. Contando atualmente com quase 60 salas de projeção, Goiânia é um exemplo de cidade onde o cinema ainda é forte. Em 1982, quando os boatos sobre a extinção da atração começaram a pipocar, apenas 12 salas funcionavam por aqui. O gosto pelo programa também cresceu em cidades do interior, que já contam com a opção de lazer. Segundo o professor de cinema da Universidade Federal de Goiás (UFG) Lisandro Nogueira, o ato de ir ao cinema precisa ser visto como um programa mais amplo, quando a pessoa sai de casa, encontra amigos, curte o passeio. “Assitir a um filme numa sala de projeção envolve muito mais que a imagem em si”, diz.


Essas características apenas reforçam a atratividade do cinema que, para o professor, só não tem um público ainda maior por conta do alto preço dos ingressos. Além disso, as novas tecnologias não precisam, necessariamente, invalidar as que surgiram anteriormente. “A projeção tradicional só deixou de ser hegemônica, mas não perdeu espaço”, garante Lisandro. De acordo com ele, a indústria cinematográfica tem investido em produções que tornam a visita às salas ainda mais atrativa. “Os filmes em 3D, por exemplo, não são os mesmos se vistos num home theater ou TV”, explica. Para Lisandro, a qualidade de imagem na telona continua sendo insuperável.


Os avanços tecnológicos contribuem para melhorar a eficiência da indústria na distribuição dos filmes, tanto no circuito comercial de exibição como no mercado doméstico. A ideia é defendida pelo realizador audiovisual Carlos Cipriano. Segundo ele, a projeção digital é uma perspectiva que facilitará ainda mais esse processo, sem, contudo, facilitar o acesso, no sentido de abaixar o preço do ingresso. “As pessoas não deixaram de ir ao cinema, nem vão deixar”, acredita. Isso acontece porque, de acordo com Cipriano, os espectadores precisam da experiência do cinema na sala de projeção, de mergulhar na escuridão para ter a sensação de estar sonhando acordado. “Não se trata de fuga, mas de mexer com as emoções e sentí-las no próprio corpo, a partir desse exacerbado estímulo audiovisual”, ressalta.

A magia da telona
É justamente essas sensações que atraem o publicitário Bruno Cassiano Lopes, 29, aos cinemas da Capital. Apaixonado por filmes desde a adolescência, ele assiste a, ao menos, uma produção por semana e garante que não precisa de companhia. “Vou sozinho porque meus amigos não conseguem acompanhar meu ritmo”, diz. Dispensando o título de cinéfilo, Bruno não mantém o costume de somar outros atrativos à exibição da película. “Não sou atraído pela pipoca, nem pela poltrona confortável, nem pelo passeio no shopping. Apenas acho que cinema foi feito para tela grande”, resume. Para o publicitário, o cinema deixou de ser entretenimento para ser meio de conhecimento. “É uma forma de conhecer novas culturas e mais sobre essa arte que tanto aprecio.”


Adepto também da comodidade dos DVDs, Bruno ressalta que nada se compara à grandiosidade das salas de projeção. “Quando adolescente, eu assitia a cinco ou seis filmes por final de semana, em casa”, lembra. No entanto, após tomar gosto pela sétima arte, sobretudo pelas produções europeias, latinas e brasileiras, passou também a visitar com frequência as salas de cinema, locais que já fazem parte de sua rotina. Sobre o hábito de baixar filmes da internet, Bruno é enfático. “Virou mania, mas, definitivamente, não me enquadrei”, pontua.
A facilidade de acesso aos filmes na web conquistou, mas não afastou o designer gráfico Murilo Simão, 23, das salas de projeção. Apaixonado por filmes desde a adolescência, chegava a comprar ingressos para três filmes diferentes, num único dia. “Guardo esses ingressos até hoje”, completa. Segundo Simão, a experiência vivida numa sala de cinema é única. “A tecnologia, a qualidade de imagem, o isolamento acústico e a grandiosidade da tela fazem do cinema uma experiência singular”, diz.


Nem os elevados preços dos ingressos fazem com que Murilo desista de assistir a uma produção pela qual esteja interessado. “Acho caro, mas não hesito em pagar quando quero assistir”, explica. Segundo o designer, o local para apreciação é escolhido de acordo com o tipo de filme. “Filmes estrangeiros sempre são exibidos em salas menos comerciais. Outros pedem para ser vistos em salas com tecnologia avançada”, comenta. Algumas vezes, a solução é baixar filmes na internet, sobretudo aqueles que não entram para o circuito de exibição brasileiro. O hábito do download, no entanto, não interfere no gosto pela telona. “Só não gosto do barulho. Aqui deveria ser igual a França, onde é proibido comer na sala de exibição”, ressalta.