Medicina da excelência

Medicina da excelência

Interiorização da pesquisa em medicina leva Goiás a se destacar como polo propulsor de descobertas. Pesquisa em oftalmologia pode fazer com que o mundo economize cerca de 2 bilhões de dólares ao ano. Médico goiano encontra solução para diabetes e centro de excelência será base para tratamentos de hemangiomas

A recente polêmica envolvendo procedimentos cirúrgicos do médico Aureo Ludovico em busca da cura do diabetes lançou luz numa situação comum na medicina: a incompreensão e o escárnio contra novas abordagens. Para não dizer preconceito com inovações que não surgem nos grandes centros irradiadores de novidades. Goiás tem tradição de doutores inventivos, que atuam com desenvoltura e criatividade. Mas muitos deles ainda hoje passam ao largo da compreensão da sociedade.

No começo da década passada, o Hospital de Queimaduras de Goiás começou a utilizar peles de rãs como coberturas temporárias da pele humana em casos graves de queimaduras. A técnica desenvolvida pelo cirurgião Nelson Piccolo correu o mundo, pois possibilitava a recuperação mais rápida do paciente: a pele de rã apresenta potentes antibióticos e analgésicos naturais.

Esta aplicação inusitada demonstra a capacidade de invenção dentro das salas de cirurgia e hospitais de Goiás – um estado que, até provado o contrário, pelo menos para os grandes centros, não pode produzir medicina de qualidade. Piccolo e vários outros profissionais abordam a medicina com um olho na tradição e outro na busca de inovações, pois sabem que o conhecimento produzido  não é suficiente para dar conta dos problemas que se impõe para a ciência. Além do desconhecimento do público, uma pitada de inveja faz com que muitas das conquistas destes cientistas fiquem inacessíveis, esquecidas ou truncadas em reportagens sensacionalistas.

A fama nacional do médico Aureo Ludovico, responsável por adaptar uma transposição do íleo que auxilia no combate do diabetes, tornou seu trabalho reconhecido entre leigos e levou seu nome para os grandes hospitais do mundo, mas causou furor entre alguns médicos que foram pegos de surpresa com o ousado procedimento que simplesmente cura determinadas diabetes.

“Temos realizado esta pesquisa há seis anos, com devida documentação de cada ato e procedimento”, diz Aureo. O médico apresenta documentos que indicam como ele chegou até sua descoberta. A partir de uma tradição de estudos executados em animais e constatações pessoais, ele resolveu adotar a transposição do íleo para pacientes com diabetes. O resultado imediato: inúmeros deles deixaram o uso de medicamentos, perderam peso e voltaram à normalidade.

O neurocirurgião Osvaldo Vilela Filho, acostumado a apresentar suas teses e pesquisas em encontros fora do Brasil, confirma que reflexões pioneiras não costumam ser aceitas de imediato. Acrescenta que existe uma tradição do ser humano em não aceitar inovações. “Trata-se de fato histórico e recrudescente. Lembre-se de como sofreram e foram criticados Copérnico e posteriormente Galileu, com a teoria heliocêntrica, e Darwin, com a teoria evolucionista”.

Vilela afirma que o conhecimento é construído no que consideramos “sólidos alicerces”. Ele diz que esta construção é lenta, podendo durar centenas de anos. É aqui que entra a nota dissonante: “Tais ‘sólidos alicerces’, todavia, podem não representar a verdade. Não obstante, eles já se encontram sedimentados, mesmo na comunidade científica. Quando surge alguém com uma nova ideia, que ameaça ruir conhecimentos até então inquestionáveis, deflagra-se uma reação em cadeia de indescritível resistência, incredulidade e criticismo. Deste modo, os pioneiros são frequentemente alvos de escárnio, verdadeiros sofredores”, diz o médico, ele próprio um inventor em neurocirurgia.

Não existe espaço em uma folha de jornal para abordar as diversas inovações protagonizadas por Vilela. Existem inúmeras delas registradas em revistas científicas, mas uma chama a atenção pelo caráter humanitário. Vilela e uma equipe de médicos conseguiram interferir numa doença que isola e produz toda sorte de preconceitos contra os portadores. A síndrome de Tourette é uma doença caracterizada pela presença de tiques motores e vocais. O doente pode, do nada, desferir palavrões e palavras agressivas contra seus interlocutores, o que gera desconforto e completo isolamento, pois grande parte da população desconhece a existência desta doença.
“Comportamento obsessivo-compulsivo e deficit da atenção-hiperatividade estão frequentemente associados. Quando persistente na vida adulta, cerca de 1/3 destes pacientes mostram-se refratários ao tratamento clínico”, explica.

 Osvaldo Vilela e Tomé de Souza, em 1996, propuseram que esta síndrome é decorrente da hiperatividade de algumas estruturas cerebrais, caso do globo pálido externo, córtex pré-frontal, córtex motor e área de Broca. Após aprovação da pesquisa, Osvaldo Vilela Filho realizou, pela primeira vez no mundo, a inativação bilateral do globo pálido externo através da técnica da estimulação cerebral profunda. Ao lado de outros pesquisadores, o médico utilizou um marca-passo cerebral no paciente. A nova técnica cirúrgica proposta por Osvaldo Vilela e colaboradores saiu de Goiás e goza hoje reconhecimento internacional.

Pacientes vindos de todo País

O médico Marcos Ávila, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita que existe um processo de interiorização da qualidade dos serviços de medicina. Daí Goiás ser referência para cirurgias e tratamentos. Mas Ávila não concentra toda a excelência do tratamento apenas para os médicos. “Goiás passa por tendência de interiorização que é fruto da qualidade do atendimento. Recebemos pacientes do Brasil inteiro em busca de inovação, mas também de atenção diferenciada. E isso começa com o taxista, com o enfermeiro, o atendimento no hospital, o custo mais barato. Não diria que existe um tratamento mais desumano nos grandes centros, mas que em Goiás é mais personalizado”, opina.

Marcos Ávila é também um inovador em seus procedimentos. Sua recente pesquisa pode incidir numa doença cujos gastos ultrapassam 2 bilhões de dólares são ano. “É um orgulho para Goiás, pois a pesquisa começou aqui e agora está em três centros mundiais”. Trata-se do tratamento para a perda da visão central em pacientes com mais de 60 anos. Uma das terapêuticas para o problema é a injeção de drogas – caras, por sinal.  O estudo coordenado por Ávila indica que o uso de um medicamento específico e mais barato diminui a necessidade de injeções para destruir os neo-vasos, que levam ao agravamento da doença. “Costuma-se usar 24 injeções e utilizamos apenas 2”, explica.
Este problema causa danos na região da mácula, local responsável por oferecer visão mais nítida. O crescimento destes vasos sob a retina forma um tecido que produz a perda irreversível da visão. O tratamento imediato, a terapia fotodinâmica, exige inúmeras sessões ao custo de R$ 7 mil cada uma. Os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) acabam apartados desta terapêutica caríssima.

As pesquisas realizadas por Ávila e Michel Farah, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), estão em fase final. A cada ano surgem 700 mil casos desta doença em todo o mundo. O Brasil tem um batalhão de 80 mil pacientes por ano. A partir destes números é possível imaginar como o estudo afetará a vida destes pacientes.
 
Vitiligo

Goiás tem inúmeros cientistas inovadores. Parte deles, apesar de falecidos, originou tratamentos ainda hoje adotados. Anuar Auad inventou o medicamento Viticromin, que tem na mamacadela (planta do Cerrado) uma das principais substâncias. O remédio combate o vitiligo e foi pioneiro na década de 1960. Shirley Rocha, diretora da Sauad Farmacêutica, afirma que a inovação de Anuar é um dos medicamentos de ponta da indústria.  
Vasco Martins Cardoso é outro médico que marcou os estudos de oncologia e patologia em Goiás — a  Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC), inclusive, tem um prêmio em homenagem ao cientista que se colocou ao lado das vítimas do Césio 137.

 

Excelência médica nas agências internacionais de notícias

Zacharias Calil, a primeira imagem que vem à mente quando se pensa no Hospital Materno Infantil, é o cirurgião-pediatra mais prestigiado do Brasil. É temerário falar que seja um dos mais populares do mundo, mas suas ações são divulgadas pelas maiores agências de notícias do planeta, caso da AFP. Calil não está apenas na TV Globo, mas na CNN ou nos canais de televisão da França. A mais recente notícia data de novembro, quando a AFP divulgou a atuação do médico com as siamesas Maria Luiza e Maria Luana.

Zacharias considera suas pesquisas para tratamento de hemangiomas ainda mais produtivas do que a intervenção cirúrgica. O espírito científico do médico poderia ser mais bem explorado: ele já teve em Goiás propostas de pesquisa rejeitadas por conselhos que avaliam projetos. Na reportagem da AFP, o último parágrafo dá conta de seu espírito: Calil fornece uma hipótese para pesquisa, a de que o número de siameses vem aumentado no Brasil e as alterações ambientais e o uso indiscriminado de agrotóxicos podem ser culpados imediatos.  

Em entrevista ao DM, Zacharias Calil prefere reafirmar que Goiás tem tudo para se transformar em referência. Elogia o atual governo e reafirma que o prognóstico de criação de um Centro de Excelência Médica tende a oficializar a tradição do Estado em produzir médicos que pensam além dos conselhos profissionais. “Goiás é o único Estado brasileiro que tem uma máquina para o tratamento de hemangiomas, sendo pioneiro na América Latina a ter esse equipamento no tratamento de pessoas carentes ”, diz. No tratamento de hemangiomas desenvolvido por Hamu já tem pedido de patente e demonstra ser eficaz para coibir alterações vasculares na pele, principalmente do rosto e pescoço.

Câncer
A médica Maria Paula Curado, pesquisadora associada da International Agency for Research on Cancer, tem atuado em pesquisas diferenciadas  sobre câncer de laringe, cabeça e pescoço, além do registro de câncer e fatores de risco.
Devido aos estudos desenvolvidos no período posterior ao episódio do Césio 137, se transformou em referência quanto aos efeitos radiotaivos.
 A profissional coordena equipes de pesquisa na França. O grupo de epidemiologia descritiva da International Agency for Research on Cancer, um dos mais sérios do mundo, é comandado pela médica goiana.