Partidos antecipam reforma partidária

Jornal Opção, 21 a 27/11

Legendas governistas e oposicionistas se organizam em bloco para fazer frente ao poder o PT 

 

Andréia Bahia 

 

“Há uma movimentação partidária desencadeada pelo resultado da eleição, é natural, principalmente em um sistema político como o brasileiro que é fluido por definição.” A afirmação é do cientista político e professor emérito da UFMG Fábio Wanderley Reis. “Não temos a não ser rudimentos, como PT e PSDB, desde algum tempo, com alguma estabilidade partidária.” Um movimento que pode ser interpretado como governismo, na opinião do professor. “O empenho de partidos derrotados, por intermédio do PMDB, de se encaixarem de alguma forma no governo, tirando proveito da nova estrutura de poder que está sendo implantada.”  

Essa reestruturação ficou mais evidente a partir da movimentação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), que cogitou levar os democratas para a base da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT). A fusão com o PMDB ou PP foi descartada pela executiva nacional da legenda, que decidiu que a sigla permanece na oposição, mas o partido deve passar por mudanças e a principal é a troca no comando, que deve ser assumido por quem saiu vitorioso nas urnas. O que se discute é quando. O presidente da legenda, Rodrigo Maia, em uma manobra que pegou toda a legenda de surpresa, prorrogou seu mandato, que terminaria em dezembro deste ano, para final de 2011, mas está sendo pressionado, inclusive pelo senador Demóstenes Torres, a voltar atrás e promover eleições nas três instâncias partidárias. 

Para o deputado federal eleito Vilmar Rocha, esse debate sobre fusão ganhou fôlego porque o DEM passa por um momento de disputa interna deflagrado pela derrota nas urnas. Em 2006, os democratas elegeram 65 deputados e 17 senadores, agora, os eleitos caíram para 43 e 7, respectivamente. “Na Europa, é quase corriqueiro quando o partido perde a eleição mudar a direção para que um novo comando possa levá-lo à vitória.” Os governadores eleitos pela sigla, Raimundo Colombo (SC) e Rosalba Ciarlini (RN), querem o comando da sigla. 

Esse movimento natural de reestruturação interna no DEM se intensificou com o processo de reacomodação da legenda em São Paulo, que tem como protagonista Gilberto Kassab. O prefeito de São Paulo tem dificuldade para se relacionar com o governador eleito Gerado Alckmin (PSDB), contra quem disputou a última eleição para prefeito, e pretende, em 2014, sair candidato a governador de São Paulo, concorrendo com o tucano. “Ele está se movimentando para ocupar o espaço do PMDB. Do ponto de vista pessoal, é legítimo, mas do partido não”, avalia Vilmar Rocha. 

O PMDB de São Paulo, com o afastamento de Orestes Quércia por questões de saúde, “virou pó”, afirma Vilmar Rocha, deixando um vácuo. “De 70 deputados em São Paulo, o PMDB elegeu um. Como (Michel) Temer não tem liderança nenhuma em São Paulo, com a saída de Quércia ficou um vácuo e, em política, não existe vácuo.” Esse é o espaço que Kassab pretende ocupar, com ou sem o DEM. Mudança que possibilitaria que ele saísse candidato em 2014 e ainda lhe pouparia o constrangimento de ter que fazer oposição a Dilma Rousseff. No DEM, é ponto pacificado a saída de Kassab da legenda daqui a dois anos, quando ele concluir mandato de prefeito.  

Na opinião de Fábio Wanderley, nas condições que o DEM saiu da eleição é natural que Kassab, político de maior evidência dentro da legenda, “que está fazendo água”, procure tomar outro rumo.   

Há quem diga que Kassab não desistiu de fundir o DEM com o PMDB, mas que pretende primeiro se eleger presidente da legenda para depois dar andamento ao processo de fusão. Uma união totalmente inviável, na opinião de Vilmar Rocha. “Em Goiás, por exemplo, sempre fizemos oposição ao PMDB e essa é a realidade na maioria do País.” Ele argumenta também que os democratas não agregariam vantagens com a fusão. “O PMDB tem uma imagem pública muito ruim, não íamos agregar ganho em imagem nem em prática política. Se fosse para fundir, o coerente seria com os outros partidos da oposição, PSDB e PPS.” Mas o que também seria complicado, afirma.  

A tendência do DEM, na opinião do deputado democrata eleito, é constituir um bloco parlamentar com PSDB e PPS para formar uma bancada de mais de cem deputados de oposição.  

Na opinião da cientista política e professora do Departamento de Ciências Sociais da UFG Silvana Krause, fusão entre DEM e PMDB é uma tarefa hercúlea.  “Não há as mínimas condições conjunturais de fazer essa unificação. E nem justificativas plausíveis”, afirma. “Se a intenção for se tornar governista, o DEM cai numa ilusão. O espaço de governismo já está ocupado pelo próprio PMDB muito bem, obrigado.” Segundo ela, o PMDB assumiu a função de dar sustentação ao governo e ser o fiel da balança. “E vai ser muito difícil o DEM, em uma fusão com determinado grupo, ter espaço para isso. É inviável, politicamente.” 

“O DEM — ela observa —, infelizmente, carrega o carma de ter sido ligado a um originário de lideranças que vieram do regime militar, apesar de ter apoiado a transição da aliança liberal democrática.” Segundo ela, a legenda tem “um ranço de associação não só pelo regime militar, mas por algumas lideranças que acabaram associadas a oligarquias regionais e que se queimaram muito na opinião pública em algumas regiões.”

O PSDB também está se movimentando para se reestruturar depois da terceira derrota consecutiva para Presidência da República. A proposta de reestruturação do senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves, passa inclusive por mudanças no programa do partido. “Além de enfrentar a terceira derrota o PSDB tem problemas internos patentes de coesão, coisas que vinham latentes entre Aécio e Serra há muito tempo e terminou definitivamente mal com a derrota eleitoral para Dilma”, observa Fábio Wanderley.  

O deputado federal Leonardo Vilela (PSDB) descarta qualquer fusão partidária. “Sou contrário à fusão. Ela cria uma janela para que as pessoas que têm mandato possam sair do partido. Se houver uma fusão do PSDB com qualquer outro partido, nós poderemos perder quadros e isso é ruim.” O troca-troca de partido foi proibido em 2007 a partir da decisão o Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao mandato que passou a ser da legenda e não do parlamentar eleito.  

Na opinião de Vilmar Rocha, a fidelidade partidária está por trás dessa movimentação dos partidos. “O quadro partidário brasileiro está engessado e foi engessado de uma maneira inesperada com a decisão do Supremo.” Os parlamentares, descontentes com a situação de sua legenda no cenário político, acabam buscando alternativas “Eles vão procurar seus caminhos, como é o caso de Kassab.”  

Vilmar Rocha acredita que a eleição de 2014 vá ser disputada num quadro partidário diferente. Há boatos que a reforma política, engavetada no Congresso, possa trazer novidades em relação à fidelidade partidária. “Podemos, no bojo da reforma política, ter uma reforma partidária.”  

De acordo com Leonardo Vilela, a fusão de partidos implica a redução da oposição. “A oposição foi desidratada pela forma caudilhesca do presidente Lula fazer política. Ele não teve escrúpulos em colocar toda a máquina do governo a serviço da sua candidata.” PSDB, DM e PPS representam 20% da Câmara dos Deputados e 25% do Senado. “E poderemos ficar menores ainda e isso é inadmissível. Sou totalmente contra a fusão, acho que é inoportuno, o DEM sempre foi um partido aliado a nós, mas tem um perfil diferente, tem um espectro ideológico diferente.” 

Na opinião do deputado tucano, a fusão atende interesses pessoais de quem propõe. “Ninguém do PSDB propôs isso, é história de alguns líderes do DEM.” Ele afirma que DEM, PSDB e PPS foram colocados pelo eleitorado na oposição e, portanto, é obrigação deles fazer oposição. “Uma democracia sem oposição vira totalitarismo, vira ditadura; a oposição é fundamental e a sociedade tem que se rebelar contra essa prática de cooptação na qual para os aliados tudo e para a oposição a lei.” 

Silvana Krause também não considera viável uma fusão entre DEM e PSDB. “Não vejo o PSDB se fundindo com o DEM por causa da característica do próprio PSDB, não é um partido conservador, mas acabou pegando, nessa eleição, esse eleitorado. Isso ficou muito claro no segundo turno.” Ela observa que o partido tucano nasceu, no fim da década de 80, com um discurso social-democrata, “que não tem nada a ver com o pensamento político mais conservador”. Todavia, quando a legenda surge, o PT já ocupava o campo da social-democracia mais tradicional. “O PSDB foi empurrado mais para o espectro de centro-direita do que para a social-democracia porque este espaço havia sido ocupado antes.” 

Aliados se articulam para contrapor o PT 

Não são apenas os oposicionistas que estão se movimentando. O PMDB, na tentativa de equilibrar as forças com o PT, forjou um grande bloco parlamentar com PP, PR PSC e PTB, que contará com 202 deputados federais. O objetivo do blocão é garantir a participação das legendas que ajudaram a eleger Dilma Rousseff na divisão de cargos no governo federal. O PT, que tem 88 deputados, chiou e acabou sendo convidado para compor o blocão. 

Mas o presidente Lula da Silva está interessado em outra composição partidária que inclui o PT, o PSB e o PC do B. Segundo Aldo Arantes, integrante da Comissão Política do PC do B e secretário nacional de Meio Ambiente da legenda, o presidente tem levantado a possibilidade de se construir no Brasil uma frente de partidos de esquerda no modelo experimentado no Uruguai. “A criação da frente não está na nossa pauta, mas Lula tem levantado e é uma hipótese interessante a ser estudada.”  

Na frente de esquerda uruguaia, cada partido mantém sua identidade e o espaço da sigla é garantido dentro do grupo, mas a frente responde pelas decisões e os encaminhamentos. “Tem que ver qual é a proposta do presidente. É interessante porque é uma forma de unificar e fortalecer a esquerda, mas a posição do PC do B vai depender de que termos a frente vai ser colocada. Se o PC do B for desaparecer dentro da frente, ele não vai concordar.” 

Segundo Aldo Arantes, os partidos de esquerda que apoiaram Dilma Rousseff discutem a formação de um bloco parlamentar. “O bloco que vinha sendo formado era PSB, PC do B e PDT, agora o PT está propondo essa frente porque o PMDB fez um bloco bastante amplo.” Na opinião do secretário do PC do B, estas composições partidárias são interessantes porque fortalecem o campo da esquerda. “Mas vai depender do processo de negociação.” 

Um processo bem diferente do que experimenta o DEM, Aldo Arantes faz questão de frisar. “O PC do B não tem nenhuma proposta de unificação e nem se dispõe a fundir a outros partidos.” 

Para o presidente do PSB goiano, Barbosa Neto, há possibilidade maior em curso e que envolve a criação do bloco parlamentar com PC do B e PDT. A princípio, sem o PT. “Não acredito em uma ampla frente que envolva o PT, acredito no bloco.” O socialista considera essa articulação de blocos parlamentares uma reforma política feita em outro viés, “mas positiva porque diminui o número de interlocuções e fortalece a instituição”. De acordo com essa tese, o governo teria que dialogar com quatro grandes blocos no Congresso e não com dezenas de partidos.  

Esse seria o intuito do presidente Lula, ao promover a construção de um frente de esquerda e, com isso, facilitar o relacionamento entre Dilma e o Congresso. Com todos os partidos pulverizados a interlocução também se dá de forma pulverizada.  

Mas por trás da boa intenção do presidente Lula pode haver o objetivo implícito de fragilizar o projeto de outro partido de esquerda, observa a cientista política e professora da UFG, Silvana Krause. “O PSB se apresentou com um potencial eleitoral muito significativo nesta eleição e a proposta de criar uma frente de esquerda é um discurso para tentar englobar um partido que também se coloca à esquerda e tem um potencial eleitoral que não é o mesmo do PC do B, por exemplo.” 

Barbosa Neto argumenta que o espaço do PSB foi ditado pelas urnas. “Elegeu 34 deputados federais e 6 governadores e ninguém tira isso dele. É o partido que mais vai crescer no Planalto este ano porque foi o que mais cresceu nas urnas.” É do PSB o governador mais bem votado na eleição. Eduardo Campos recebeu 82% dos votos em Pernambuco e em segundo lugar no ranking dos mais votados está o governador eleito no Espírito Santo, Renato Casagrande, também do PSB. “Temos quantidade e qualidade”, observa Barbosa Neto. 

Condição que dificulta qualquer articulação com o PT, uma vez que Eduardo Campos desponta como um nome em condições de disputar pleitos nacionais no campo da esquerda. Na opinião de Silvana Krause, o resultado das eleições aponta para a possibilidade de construção de um novo partido à direita, com perfil mais conservador e liberal, que se contraponha ao projeto do presidente Lula. “Partidos que na sua nomenclatura se apresentam como de centro-esquerda, e que estão tendo sucesso eleitoral.” Segundo ela, existe um eleitorado claramente identificado com o comportamento conservador que não se identifica com siglas de esquerda. “O voto na Marina Silva (PV) não foi só ambientalista, foi também de um eleitorado bastante resistente a uma perspectiva de partidos de esquerda.” Silvana Krause explica, que nos últimos anos, dentro dessa conjuntura lulista, os partidos que se consideram de ordem mais conservadora, mais à direita, estão tendo enorme dificuldade de se apresentar como tal. “Por uma série de razões e uma delas é que a conjuntura não facilita, mas também a própria elite conservadora não está conseguindo achar uma atuação clara e unificada em relação à hegemonia lulista.”  

Diante desse contexto, um partido com um discurso conservador consistente teria sucesso. “Há um eleitorado para isso. Não digo a partir de uma fusão, mas de uma liderança do DEM que venha nesse projeto.”