Docência atrai mal qualificados

Docência atrai mal qualificados

Carreira de professor é a última opção no vestibular. Ponto de corte para licenciatura é dos mais baixos

Adriano Marquez Leite

A falta de prestígio pela qual passa a carreira de professor no País e a falta de investimentos na infraestrutura das escolas públicas, e mesmo as privadas, provocam efeitos cada vez mais desastrosos na educação brasileira. Não há docentes para suprir a demanda em todas as áreas do conhecimento e muitos acabam dando aula de disciplinas sobre as quais não têm qualquer domínio. Para piorar a situação, o reflexo dessa conjuntura é que a carreira de professor é relegada à última opção nos vestibulares e atrai cada vez mais jovens mal qualificados e com enormes deficiências na educação que receberam desde o ensino fundamental. É esse o perfil do professor que pode vir a dar aula e formar milhares de crianças e jovens.

Questionário aplicado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado revela que quem quer ser professor no Brasil tem baixa renda familiar e tirou nota 20 na prova – em uma escala que varia entre 0 e 100 (veja quadro). Ou seja, é uma pessoa que cresceu em um ambiente com menores chances de acesso a livros e informação, por exemplo, e que possivelmente carrega inúmeros problemas de formação desde o ensino básico, com poucas chances de apreender mais conhecimento durante a faculdade e até de transmiti-lo em sala de aula. Outra pesquisa, divulgada recentemente pela Fundação Victor Civita, revela que a maioria dos futuros professores do País está entre os estudantes com pior desempenho no ensino médio.

Na semana passada, durante os dias de inscrição para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Ministério da Educação (MEC) divulgou as notas mínimas que o estudante deveria ter obtido para conseguir aprovação em uma das graduações oferecidas pelas instituições participantes do processo. Um dia antes de concluir a seleção, dos 100 cursos com os pontos de corte mais baixos, 75 eram de licenciatura.

Na sexta-feira, a divulgação do resultado do vestibular da Universidade Federal de Goiás (UFG) também revelou a mesma tendência. Enquanto cursos de bacharelado mantinham notas mínimas para aprovação em 192,5 pontos, no caso de Medicina, ou 178,5 pontos, para Direito, nenhuma licenciatura conseguiu superar a casa dos cem pontos. Ontem, reportagem do POPULAR mostrou que a situação é ainda mais crítica no interior do Estado, onde a nota de corte é mais baixa – chegou a 36,5 pontos para a licenciatura em Ciência Biológicas.

Pró-reitora de graduação da UFG, Sandramara Matias Chaves afirmou que em algumas turmas de licenciatura no interior a demanda foi menor que a oferta de vagas.

De acordo com o presidente-executivo do movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos, a tendência atual de procura pelos cursos superiores mostra que as graduações que têm maiores condições de proporcionar os salários mais altos são as mais procuradas e, geralmente, pelos estudantes melhor qualificados. “O jovem é muito pragmático com relação ao futuro e às possibilidades que se abrem com a profissão que escolhem”, afirma Mozart.

Desestímulo
Especialistas de diversas áreas ouvidos pela reportagem são unânimes em dizer que a falta de alunos qualificados nos cursos de licenciatura está diretamente relacionada com o retrato que se tem da vida docente no País. Os professores exercem uma profissão entendida como estressante, sem planos de carreira bem determinados e dependem de salários baixos. Por causa disso, são obrigados a acumular horas e mais horas de sala de aula, prejudicando até a vida familiar do docente.

Os rendimentos que, em muitos Estados, não chegam ao piso nacional, também decepcionam. Informações da presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Yeda Leal, apontam que na rede estadual, um professor com carga horária de trabalho de 40 horas semanais ganha em início de carreira 938 reais. Na rede municipal de Goiânia a situação é mais desgastante: um professor contratado para 30 horas semanais recebe o piso de 713 reais. “O professor em Goiás é desvalorizado ao extremo”, afirma Yeda.

Evasão figura entre as mais altas do ensino

Adriano Marquez Leite

Por causa do baixo nível com que entram diversos alunos nos cursos de licenciatura das universidades, a evasão nessas graduações acaba figurando entre as mais altas. E nos casos onde o déficit de professores é maior, pior a correlação entre a quantidade de estudantes que entram na universidade e não conseguem terminar o curso.

Para se ter uma ideia, cerca de 75% dos alunos que ingressaram no curso de licenciatura em Química em instituições de ensino superior do País na última década não concluíram a graduação. Nas áreas de Física e Matemática, onde a falta de professores também preocupa especialistas, as taxas de evasão são de 65% e 56%, respectivamente.

De acordo com o diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ged Guimarães, muitos estudantes não conseguem acompanhar os cursos por causa da má-formação que tiveram quando passaram pelos ensinos fundamental e médio e acabam abandonando a faculdade. Outro fator que complica ainda mais essa situação é que esses alunos não podem se dedicar inteiramente aos cursos porque, em muitos casos, como comprova o perfil apresentado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), são de classes mais baixas e precisam trabalhar para se manter.

Para suprir essa deficiência, um projeto desenvolvido pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) já tem mostrado bons resultados. O programa funciona como um reforço de matérias básicas principalmente nas graduações da área de exatas, onde os alunos entram mais “crus”. Disciplinas que fazem parte da carga horária do curso desses universitários passam por uma revisão do conteúdo que deveria ter sido apreendido durante o ensino médio.

Estudante de geografia é uma exceção

Adriano Marquez Leite

A realidade brasileira faz com que quase ninguém queira ser professor. Aos 21 anos de idade, Amanda Ferreira Borges é uma das exceções. Ela hoje faz licenciatura em Geografia porque quer, e não por falta de opção. A jovem cursou o ensino médio em escolas privadas, tirava excelentes notas e, no vestibular, poderia ter passado para qualquer curso na Universidade Federal de Goiás, com exceção de Medicina e Direito matutino.

Se por um lado a vontade de Amanda era o curso de licenciatura, por outro a família não a apoiava. “Por causa do meu bom desempenho na escola, todos queriam que eu fizesse Direito”, afirma a estudante universitária. E quem a desencorajava a fazer o curso? Tios que atuam como professores da área de Geografia e, mesmo bem sucedidos como docentes, vêem na carreira grandes barreiras para progredir e melhorar salários. “Via neles um norte de que a carreira docente é viável e legal. Hoje sei que fiz a escolha certa. Amo ser professora”, diz Amanda, que já leciona na condição de estagiária em uma escola estadual.