Professor da UFG adverte: projeto é ilegal

Nelson Figueiredo diz que governo desrespeitará Lei de Responsabilidade Fiscal e princípios da moralidade, boa fé e razoabilidade com empréstimo

06 de Agosto de 2010

Alexandre Bittencourt
Editor de Política & Justiça

O projeto que autoriza contratação de empréstimo de R$ 3,7 bilhões para Celg polarizou o Estado. Enquanto há pessoas simpáticas à operação – a maioria ligada do governo, há quem entenda que o contrato sugerido pela Secretaria do Tesouro Nacional e pelo Palácio das Esmeraldas está eivado por vícios e lacunas. Faz parte deste segundo grupo o professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e advogado Nelson Figueiredo, que aponta graves falhas legais no projeto e – ainda pior – na insistência do governo em aprovar o contrato a toque de caixa.

O professor Nelson afirma que o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por si só, seria suficiente para derrubar o empréstimo. O artigo proíbe o chefe do poder executivo de assumir, nos dois últimos quadrimetres de seu mandato, despesas que não possam ser pagas integralmente dentro de seu mandato, ou que haja parcelas a serem pagas pelo sucessor sem que exista previsão de recursos suficientes em caixa para sanar esta dívida. A operação também não está prevista no plano plurianual do Estado.

As principais finalidades do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal são duas: a primeira é evitar a inscrição em receita a pagar de dívidas contraídas nos últimos oito anos de governo, impedindo que o sucessor execute o orçamento e promova a implantação de seu plano de governo; a segunda, é impedir que a aparelhagem da Administração Pública seja usada como instrumento político-eleitoral.

Importante lembrar que o governo deseja contrair um empréstimo de R$ 3,7 bilhões com o propalado objetivo de sanear a Celg. Este valor maior que a receita líquida da empresa e corresponde a 35% da capacidade de endividamento do Estado. “Ao ferir o artigo 42 da LRF, o governo Alcides também fere o princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal”, afirma o professor aposentado da Universidade Federal.

As irregularidades não param por aí. Parte do empréstimo será utilizado para quitar débitos de ICMS que a companhia tem com o Estado. Trata-se de um ganho extra de receita para os cofres do governo estimado entre 500 e R$ 700 milhões. Em sucessivos alertas, deputados de oposição e especialistas em contas públicas chamam atenção para o risco de o governo canalizar estes recursos para promover a candidatura de Vanderlan Cardoso (PR) a governador e de alguns postulantes a mandato na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados.

O professor considera este risco. “O governo está certo ao afirmar que a população acompanha a sua iniciativa de solucionar o endividamento da Celg em definitivo. Mas não podemos concordar com um projeto mal explicado, enviado à Assembleia no apagar das luzes, que sequer é do conhecimento dos deputados. Além de comprometer o governo seguinte, este empréstimo vai gerar uma receita vultosa, que em uma época eleitoral teria que ser muito bem administrada”, afirma.

“A Lei de Responsabilidade e a Constituição Federal, que regem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, têm o objetivo de impedir que os recursos públicos sejam utilizados eleitoralmente”, completa o professor.

Na sua opinião, os deputados estaduais deveriam se valer do artigo 17 da Constituição Estadual para promover audiência pública e discutir o projeto polêmico antes de levá-lo à votação nas comissões e no plenário. “A realização de audiências públicas está em sintonia com os princípios da moralidade, boa fé, razoabilidade e confiança que os atos da administração devem despertar no cidadão. O governo não agirá em conformidade com estes princípios se não tiver a certeza de que está agindo de acordo com o interesse público legítimo. E para saber qual o interesse, só realizando audiências ou consultas públicas.”

Nelson lembra ainda que há vários outros dispositivos legais que obrigam a realização destas audiências antes de se votar projetos importantes, seja no código de Direito do Consumidor, na legislação ambiental ou no projeto que deu origem à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Este projeto, em específico, prevê a promoção de debates públicos antes da realização de qualquer contrato que possa afetar os interesses da coletividade.

Por fim, o professor cita o artigo 39 da Lei de Licitações, que determina a realização de audiências quinze dias úteis antes da publicação de edital para contrato de valor acima de R$ 150 milhões. “Se para contratos desse valor a lei já manda fazer audiência, imagina o que seria para um empréstimo de R$ 3,7 bilhões? É um valor alto demais para o governo querer aprovar com tanta celeridade, sem detalhar o projeto e a toque de caixa”, afirma.

Adverte o entrevistado, ainda, que deve ser lembrado às autoridades competentes que a Lei 13.800, que regula todos os processos administrativos em Goiás, determina que a atuação da administração pública se dê de acordo com os padrões éticos de probidade, decoro e boa fé, princípios que não estão sendo observados nessa tramitação tumultuada e carente de melhorias para a população.

O assunto foi tema de um artigo assinado pelo próprio professor e publicado na edição da última quarta-feira no Diário da Manhã. No artigo, ele disse: “Resta perguntar: quem pagará a dívida de 4 bilhões? Marconi ou Iris? Porque o senhor Alcides, a essa altura, já está em véspera de arrumar as malas e o seu candidato, tudo indica, tem pouquíssimas chances de estar do lado de dentro da boca do caixa quando a conta for apresentada, no futuro mandato.”

Proposta está cheia de lacunas e pontos obscuros

O Diário da Manhã publicou ontem o resultado de uma pesquisa feita com especialistas e deputados que, a pedido da reportagem, listaram os principais pontos obscuros do projeto encaminhado à Assembleia Legislativa na segunda-feira (2).

O primeiro deles é ausência de explicação quanto à possibilidade de o Estado contrair dívidas com o negócio. Segundo especialista que pediu anonimato, as parcelas do empréstimo são altas e o Estado precisa comprovar se tem condições de contraí-lo e honrá-lo. O projeto não apresenta margens financeiras para provar que o Estado tem recursos para pagar prestações.

Na extensa lista de pontos obscuros do projeto, entra a omissão do governo de informações quanto à origem da instituição financeira, ao prazo e às taxas de juros que serão cobradas. Especialistas afirmam que é obrigação do governador informar essas questões, que estão ausentes no projeto. Outro problema é que o Estado não informa claramente o destino dos recursos. Alega que eles serão investidos na Celg, mas não há nada detalhado no registro, como: na hora que ingressar o capital na conta, qual será o destino dele? O governo também não informa quanto e em quais áreas o Estado pode investir o dinheiro do empréstimo. É dever do governo fazer simulação na receita de corrente líquida e informar isso à Assembleia.