Iris ainda é a referência

Profissionais ligados à política goiana são tachativos ao considerar que Iris Rezende deve permanecer como liderança no partido. Mas alertam para a necessidade de o ex-prefeito iniciar o processo de transição interna

Iris Rezende perdeu mais uma, mas continua líder
inconteste do PMDB em Goiás
Sarah Mohn
 
A quarta derrota consecutiva sofrida pelo PMDB nas últimas eleições para o governo de Goiás reflete a urgência de reformulação interna da legenda, mas a indigência será agravada com o possível afastamento de Iris Rezende da política goiana. A análise é feita em coro por cientistas políticos e profissionais de marketing ouvidos pelo Jornal Opção. Todos são contundentes a afirmar que, caso seja imputado ostracismo político à única liderança de referência no partido, o PMDB tende a ser suprimido no cenário goiano.
 
A começar pela experiência política do ex-prefeito de Goiânia, que há 52 anos se dedica inteiramente à carreira pública, e a capacidade de articulação adquirida durante a trajetória de vida, os profissionais consultados são unânimes em concordar que seria suicídio ao PMDB ignorar ou mesmo descartar sua principal figura consolidada nas últimas décadas. Afirmam que, partindo do sofisma em torno da “morte política” de Iris Rezende, peemedebistas afoitos podem perder o que lhes resta de base sólida e propulsora para ressurgimento.
 
“Quem pensa em aposentar o Iris está completamente equivocado. Esse é o momento em que Iris tem mais a contribuir com o partido. Não é todo partido que tem a experiência e a liderança dele. Ninguém pode descartar alguém com mais de 50 anos de vida pública e que tem um relacionamento nacional como, hoje, Iris tem. Não há ninguém no PMDB de Goiás com esses requisitos”, avalia o publicitário Marcus Vinícius Queiroz, especialista em marketing político.
 
Segundo o marqueteiro, o PMDB em Goiás comete o mesmo erro que o PSDB nacional quando tentou ignorar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele acredita que, se os tucanos tivessem assumido a permanência do ex-líder tucano como voz primordial na mesa interna de debate, talvez o partido vivenciasse outra realidade. “Confundem reformulação e reoxigenação com idade. Não existe essa associação. Reformulação e reoxigenação significam mudança e abertura para novo pensamento e entendimento de uma nova realidade em que o partido se encontra e o Estado vive. Nesse sentido, sim, acredito que o PMDB precisa repensar seu posicionamento”, diz Queiroz.
 
Para Renato Monteiro, da Agência Cantagalo, falta aos agentes e militantes políticos relacionarem a necessidade de renovação partidária com as demandas que também se reciclam no Estado. “Para você apresentar o novo, não necessariamente você precisa de uma figura nova. É preciso um projeto que seja inovador, ousado, que saia da esfera da tradição, que é um partido. Os grandes partidos se renovaram. Os grandes líderes renovaram seus partidos para que se pudessem promover mudanças”, pontua.
 
O publicitário da Cantagalo lembra que o PMDB já deu largada à própria renovação interna ao firmar aliança inédita com o PT, em 2008, e iniciar a abertura de espaço na legenda para o surgimento de novos nomes, exemplificados pela safra de peemedebistas que ingressarão na Assembleia Legislativa no próximo ano. Mas Monteiro avalia que é preciso avançar no processo. “Há um campo fértil para que o PMDB se recicle e busque novas alianças e novos interlocutores da política. Mas isso precisa se traduzir em outro projeto para Goiás, numa forma de entender o que o Estado é hoje. Essas lideranças que estão surgindo têm que ter uma nova mentalidade”, sinaliza.
 
Renato Monteiro avalia que na eleição deste ano o PMDB e partidos tradicionais como PP e PR demonstraram que Goiás está preparado para receber alianças antes tidas como inconcebíveis dadas as raízes históricas das legendas. “Antes, era um escândalo dizer que PP e PMDB sentariam na mesma mesa para fazer um acordo. E isso não foi apedrejado nas urnas, pelo contrário, houve aceitação para que lideranças antigas, representando paradigmas antigos de partidos, pudessem se coligar.” Todavia, segundo o marqueteiro, faltou ousadia para que a aliança se transformasse em projeto político. “Houve o encontro de lideranças tradicionais, mas que não virou um projeto político inovador para Goiás. As práticas continuaram velhas.”
 
Dependência
 
Todo partido passa por rearticulação quando perde uma eleição majoritária. É, portanto, normal em qualquer legenda o processo de “lamber as feridas e buscar a renovação”. Mas, enquanto Iris Rezende estiver em atividade política, não deixará de ser referência no PMDB. Nas palavras de Pedro Célio, cientista político da Universidade Federal de Goiás (UFG), não é válido ao PMDB descartar a liderança de Iris, porque sempre dependeu de sua figura política. “Quando o Iris esteve em baixa eleitoral, o PMDB praticamente ficou fora do mapa político. Isso foi na eleição de 2000, logo após a derrota de 1998. Quando o Iris se recuperou, em 2004, o PMDB também se recuperou e voltou a fazer parte do jogo regional.”
 
Na avaliação do cientista político, o PMDB goiano sempre foi muito ligado à presença e à capacidade de influência de Iris. Para Pedro Célio, desfazer-se da figura emblemática do peemedebista será um desafio. “É difícil enxergarmos outro político que tenha a mesma dimensão que o Iris dentro do PMDB. Iris é uma força eleitoral poderosíssima em Goiás. É um grande nome da oposição. Isso é inquestionável.” Todavia, o cientista pondera que o partido também reúne políticos em condição de coordenar a definição de estratégias e encaminhar a presença oposicionista no Estado. “O PMDB tem bancada de deputado federal e estadual para isso.”
 
O fato de estar ligado nacionalmente ao PT e à presidente eleita Dilma Rousseff é outro fator que cobra do PMDB em Goiás a definição de posicionamento futuro. “O jogo continua. O PMDB perdeu uma eleição, assim como já perdeu outras vezes. Ele perdeu uma prefeitura importante, mas de qualquer maneira ainda tem espaços de movimentação. O PMDB participa da base de apoio da Presidência da República e isso implica ocupação do poder. Vamos ver qual será a relação da política nacional com a política regional, porque isso pode aumentar ou diminuir a própria capacidade do PMDB. São desafios, e um deles é a renovação interna”, analisa Célio.
 
Iris & Transição
 
Apesar de ressaltar a importância da figura política de Iris Rezende no cenário goiano, Renato Monteiro alerta para a necessidade de o líder peemedebista iniciar o processo, que será lento, de transferência de influência no partido a novos correligionários. “Eu chamaria o Iris, nesse processo, de liderança da transição. Iris é o nosso Tancredo Neves (primeiro presidente da República eleito após a ditadura, mas que adoeceu e faleceu sem ser diplomado para o cargo), no bom sentido. Tancredo foi o presidente eleito da transição, o homem que faria de um País com resquícios de autoritarismo um Brasil democrático. O Iris é esse elo, cabe a ele liderar esse processo de transição em Goiás.”
 
O cientista político Itami Campos, da UniEvangélica, também concorda com a necessidade de largada para o processo transferência de liderança. “Iris, como liderança do partido, tem que comandar esse processo de transição, de chamar novas lideranças, de abrir o partido. Não há outra pessoa na sigla com condição de fazer esse rearranjo partidário. Iris ainda é o único nome capaz de enfrentar o Marconi.”
 
Bancada eleita
 
Com o resultado das eleições deste ano, o PMDB perdeu duas cadeiras na Assembleia Legislativa, elegendo oito deputados estaduais, e manteve as quatro vagas que já ocupava na Câmara dos Deputados. Houve renovação, especialmente nos quadros da Assembleia, fato que confirma a força política que o PMDB mantém no Estado. “Nacionalmente e em Goiás, o PMDB tem uma enorme máquina partidária. Conseguiu eleger um número expressivo de parlamentares, o ex-prefeito Iris Rezende conseguiu disputar o segundo turno, teve uma votação expressiva, então isso não quer dizer que o partido acabou, porque perdeu as eleições”, diz a cientista política da UFG Denise Paiva.
 
A cientista acredita que o momento atual exija do partido a renovação de suas lideranças, com a saída ou não de Iris Rezende da política. “Mesmo que Iris se retire da política, que é uma decisão que cabe apenas a ele, o PMDB vai continuar sendo um partido forte. Ele tem que sobreviver a seus líderes. Por isso, é importante ao partido recrutar novas lideranças para manter esse capital eleitoral que conquistou ao longo do tempo”, considera.
 
Denise analisa que o PMDB não ocupa mais aquela posição quase hegemônica que manteve em Goiás até o final da década de 1990, mas considera que esse cenário é difícil de se repetir independentemente de que partido seja o protagonista. “Há uma pluralidade maior de disputa. Para a democracia essa oferta partidária e de lideranças políticas disputando é importante.” A cientista ressalta ainda que o fato de ter perdido a eleição não significa que o PMDB tenha saído totalmente enfraquecido da disputa. “Ele não saiu derrotado. Um partido que chega a 47% dos votos mostra que tem força. Agora cabe ao partido manter esse patamar, esse é o desafio.”
 
Aliança com o PT gera divergências
 
Se parcela de cientistas políticos e marqueteiros avaliam que o PMDB precisa lançar uma candidatura competitiva nas próximas eleições, em 2012, para se fortalecer no cenário político, outro ramo desses profissionais pondera que a legenda deve priorizar o projeto político aliançado com o Partido dos Trabalhadores há dois anos, quando Iris abriu espaço para a legenda ocupar a vaga de vice na chapa encabeçada por ele, que buscava a reeleição na Capital. Nesse caso, o PMDB optaria por seguir consonante com a disputa natural pela reeleição do prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, do PT.
 
“Se o que estão buscando para Goiás é realmente um novo eixo político, uma nova acomodação de forças políticas, um novo momento para Goiás, a tendência dessa força (PT-PMDB) é permanecer. Se essa aliança é apenas fisiológica ou uma acomodação temporária e oportuna, porque se precisava garantir a eleição da Dilma ou para tentar derrotar Marconi (Perillo, PSDB), a composição tende ao fracasso”, opina Renato Monteiro.
 
Segundo o marqueteiro da Cantagalo, existe hoje uma tendência de forças como PT e PMDB se fortalecerem alinhadas, buscando traduzir a união em projeto político diferenciado. Ele acredita que o acordo deva passar pelas eleições municipais para ser colhido nas eleições estaduais, em 2014. “Essa semente foi plantada e não houve tanta resistência do eleitorado a essa composição de forças, pelo contrário, houve aceitação. E essa teria sido a vitória política do PMDB nessa eleição”, considera Monteiro.
 
Na avaliação de Monteiro, o mais provável é que, nas eleições de 2012, dois grandes blocos políticos se enfrentem. “Ou Demóstenes (Torres, senador, DEM) liderando uma grande coligação com Marconi e outros partidos e PT junto com PMDB, PC do B, PDT e outras forças se arregimentado de outro lado.”
 
Já Denise Paiva acredita que, do ponto de vista dos interesses do partido, o mais provável é que o PMDB busque lançar um candidato próprio justamente para buscar ampliar seu espaço eleitoral. “Mas isso vai depender de vários fatores, como se haverá um candidato competitivo dentro do partido. Dependerá, inclusive, de como esse casamento entre PT e PMDB será mantido no governo federal.”
 
A cientista política lembra que o PT vai se empenhar para não perder o apoio do PMDB, pois precisa da estrutura partidária e eleitoral da legenda reforçando a chapa. “Embora tenha tido uma votação expressiva para a Presidência da República, o PT em Goiás tem tido uma votação declinante nos cargos majoritários.”
 
Itami Campos, da UniEvangélica, ressalta que a aliança entre PT e PMDB faz parte do arranjo nacional que dará suporte ao governo da Dilma. “Como o Iris tem esse ponto nacional de apoio, ele pode ter tranquilidade para se rearticular para as eleições de 2012 e ganhar base de sustentação para as eleições de 2014, ao governo do Estado. A importância da eleição de 2012 é ganhar força para pleitear espaço para a eleição de 2014.” Inconteste, o cientista político pontua que o momento é de reorganização e renovação do partido, se for o caso.
 
Cautela
 
O publicitário Marcos Vinícius Queiroz alerta para o risco de o PMDB se apressar a discutir assuntos que podem levar o partido a agir precipitada e equivocadamente. “Uma coisa é repensar o partido depois de uma derrota, outra é já projetar 2012. Antes de repensar o que o partido quer e como vai enfrentar esse cenário depois de perder uma eleição, não dá para colocar uma candidatura já na frente. Seria mais um erro estratégico.”
 
O marqueteiro lembra que é necessário avaliar qual será o papel do PMDB goiano sob o enfoque do cenário nacional. “Hoje, o presidente nacional do PMDB é o vice-presidente da República eleito. Não dá para fazer uma ação regionalizada, se há uma oportunidade nacional. O caminho mais natural e oportuno é manter aliança com o PT. Mas, em primeiro lugar, é preciso arrumar a casa e definir qual é o objetivo do partido. Aí sim fazer um plano A e um plano B.”
 
Queiroz ressalta que o PMDB deve colocar à mesa o que o partido quer e acredita que não é viável apostar numa candidatura para depois repensar o partido. Ele sugere, inclusive, uma sequência de perguntas aos peemedebistas: “Quem é o PMDB em Goiás hoje? Quem é o PMDB nacional? Quem é o PT em Goiás? Quem é o PT nacional? Dentro desse cenário, nós queremos ser protagonistas ou coadjuvantes? Quantos prefeitos, deputados estaduais e federais nós temos? Com base nessas perguntas, vamos definir a linha estratégica de atuação, somando todas as potencialidades.”
 
O marqueteiro alerta ainda que é preciso ao partido avaliar as perdas que sofreu no último processo eleitoral, como a desvinculação do deputado federal Luiz Bittencourt (PMDB), o segmento do advogado Ney Moura Teles e do grupo político de Cristianópolis, cidade natal de Iris Rezende. “Se não fizer essa análise e essa mea culpa, o partido vai continuar sendo o de sempre, ou seja, um partido dividido. Agora, o PMDB tem que se fechar para balanço.”