Dívidas levam Hospital das Clínicas a funcionar sucateado

O Popular/ Cidades – 09/08/2010

Problemas financeiros obrigam HC a atuar com 10% a menos de sua capacidade. Déficit mensal chega a r$ 100 mil e dívidas a R$ 3 milhões

O Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) trabalha com 10% a menos da sua capacidade. As dificuldades de receita enfrentadas pelo hospital refletem no número de leitos e nos atendimentos realizados (consultas, internações e cirurgias).

O HC hoje acumula uma dívida em torno de R$ 3 milhões e um déficit mensal de R$ 100 mil. Problemas semelhantes são comuns a outros 45 hospitais universitários espalhados pelo Brasil, onde 1.124 leitos foram fechados nos últimos anos por causa das dificuldades (no HC são cerca de 25). Decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mês passado quer resolver a questão.

No núcleo da problemática estão os funcionários terceirizados. Hoje, o HC possui cerca de 500 empregados nessa situação. A folha de pagamento varia entre R$ 900 mil e R$ 1 milhão. Mas, ao contrário dos cerca de 2 mil funcionários efetivos, o salário dos terceirizados não pode ser custeado pelo Ministério da Educação, que responde por cerca de 65% do financiamento da unidade, o que leva o HC a retirar recursos que vêm do Ministério da Saúde e que deveriam ser reinvestidos no hospital para efetuar o pagamento.

Equipamentos

O resultado? O HC fica sem recursos suficientes para investir em sua manutenção e nem chega a conseguir trabalhar com toda a sua capacidade. "O hospital enfrenta mesmo um problema sério e está cerca de 10%, em alguns casos até 15%, abaixo da sua capacidade de atendimento.

Mas a situação não é tão ruim quanto a de outros hospitais universitários no País", revela o diretor-geral do HC, José Garcia Neto.

Além de ter fechado alguns leitos, o HC está sem capacidade para investir em equipamentos novos e em fazer a quantidade de cirurgias e atendimentos (consultas e exames) que teria capacidade caso pudesse contar com os recursos que são aplicados na folha. Também não tem como comprar medicamentos e material cirúrgico.

Fornecedores têm dívidas em aberto

Conforme a situação atual, o HC não tem como melhorar seu parque tecnológico. O hospital até hoje, por exemplo, não possui um aparelho de ressonância magnética. Somente agora é que a compra está sendo providenciada pelo Ministério da Saúde.

Otimização

Dentro de uma perspectiva de déficit sanado, o cálculo da direção é que o HC possa atingir em pouco tempo 100% da sua capacidade e, mais do que isso, ampliar em 30% ou 40% acima disso. "Mas da forma como está, não temos como investir no hospital. Estamos no vermelho. Recebemos ajudas da União que são utilizadas para cobrir o déficit. Mas nunca conseguimos ficar no azul, o máximo que conseguimos é zerar a dívida. E esse problema vem se arrastando há anos", explica José Garcia.

O diretor-geral garante que não existem reclamações do público quanto ao atendimento do Hospital das Clínicas. "Não deixamos de fazer, não deixamos de atender. Mas a verdade é que poderíamos fazer com mais volume", ressalta.
José Garcia explica ainda que, na situação atual, a unidade não tem como se especializar nos atendimentos de alta complexidade, conforme é o objetivo para o futuro.

Ampliação

Atualmente está sendo realizada uma obra de ampliação do Hospital das Clínicas. Nove pavimentos já estão prontos e outros 11 ainda serão construídos. O prédio está sendo feito com base em emendas parlamentares buscadas junto à bancada goiana na Câmara Federal pelo reitor da UFG, Edward Madureira Brasil. A expansão está sendo trabalhada para tornar o HC o principal hospital da Região Centro-Oeste, diz o reitor.
Ele espera que quando a obra tiver sido finalizada, a realidade do Hospital das Clínicas e de outros hospitais universitários no País seja totalmente diferente da atual.

"Temos perspectivas reais de melhora", sintetiza o reitor da UFG, que assumiu este ano a presidência da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes).

Reitor volta a ter autonomia para contratar

O problema do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de outros 45 hospitais universitários brasileiros é histórico. Até antes da chegada de Fernando Collor à presidência, na década de 1990, as universidades tinham autonomia para substituir os servidores aposentados automaticamente. No entanto, aquele governo tirou das mãos dos reitores das universidades federais esse poder e atribuição.

Para preencher o vácuo que foi sendo criado diante da maior quantidade de aposentadorias do que de novas vagas abertas via concurso pelo Ministério da Educação (MEC), foi criado um paliativo: o professor substituto. Mas para o caso de demais funcionários, nem esse paliativo foi criado.

Para suprir as vagas que iam sendo criadas com as aposentadorias, as universidades foram abrindo espaço para terceirizados. No caso específico dos hospitais, os terceirizados foram distribuídos praticamente em todas as áreas, mas ocuparam principalmente a parte de apoio, como na segurança, lavanderia e recepção.

Ocorre que o MEC, ao qual os hospitais são vinculados, não tem autorização legal para contratar diretamente os funcionários para trabalhar na área de saúde. Com o passar dos anos, no número de terceirizados chegou a quase 500 HC e a 20 mil nas outras unidades País.

Somente em 2007 foi que o governo federal resolveu retornar o dispositivo que dava autonomia para as universidades substituírem os aposentados. Mas a autorização valia apenas para os professores. Os reitores continuaram sem poder contratar novos funcionários para substituir os aposentados. Continuariam a depender do MEC para fazer concurso ou continuariam a contratar terceirizados.

A última opção foi a mais utilizada. A situação levou a um descontrole entre receita e despesa. O dinheiro que os hospitais recebiam do Sistema Único de Saúde (SUS) pela assistência médica, tinha de ser usado para pagar a folha de funcionários. E os hospitais foram se afundando cada vez mais nas dívidas.

Somente no dia 19 de julho de 2010 foi que a União decretou a volta da autonomia aos reitores das universidades federais para substituir os servidores aposentados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decretos e medidas provisórias a respeito do assunto.

Sangria

Agora, o problema é saber o que fazer com o passivo criado ao longo dos anos. "O decreto do presidente Lula não retroagiu. Então, continuamos com um passivo. Mas pelo menos já temos a autorização para contratar quando o pessoal for aposentando a partir de agora. Isso, então, estanca a sangria", explica o reitor da UFG e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes), Edward Madureira Brasil. "Mas, de qualquer maneira, eu nem digo que vemos uma luz no fim do túnel, já podemos dizer que estamos vendo o fim do túnel", salienta.

O reitor explicou que uma saída está sendo negociada junto à União. Uma comissão foi criada reunindo Andifes, Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Ministério do Planejamento para tentar encontrar uma saída. "Já está acertado que serão feitos concursos para preencher essas vagas onde hoje estão os terceirizados e acabar com o déficit orçamentário dos hospitais", acrescenta Edward Madureira.

Programas preveem melhoria

Os decretos e medidas provisórias assinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com reitores no dia 19 têm relação com o Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), lançado no início do ano pelo governo federal. Na verdade, as assinaturas concretizaram as propostas do programa, que tem por objetivo melhorar as condições dos hospitais universitários.

Em 14 de julho de 2010, a Associação Brasileira dos Hospitais Universitários Federais (Abrauhe) divulgou carta-manifesto cobrando providências do governo federal. A entidade pedia que a União colocasse em prática as propostas do Rehuf para resolver a grave crise enfrentada pelos hospitais universitários. Foi dado um sinal de alerta que muitas unidades corriam, inclusive, o risco de fecharem as portas ou mais leitos.

"Para que, no segundo semestre, possamos continuar com as portas abertas, atendendo os pacientes do Sistema Único de Saúde e mantendo nossas atividades de ensino e pesquisa, é essencial que sejam efetivadas algumas medidas", dizia trecho da carta. Essas medidas eram autorizar contratações temporárias (substituindo os terceirizados) para resolver o déficit de pessoal e a liberação de recursos.

No dia 19 de julho foram assinados os decretos e MPs relacionados com o assunto. Além disso, a União também liberou recursos emergenciais para os hospitais. Um montante de R$ 100 milhões foi liberado como socorro imediatamente, enquanto outros R$ 200 milhões serão liberados até o fim do ano.

Além disso, a ideia é que, gradativamente, os Ministérios da Educação e Saúde compartilhem a responsabilidade de financiar os hospitais. Hoje, a Educação responde por cerca de 65% e a Saúde por 35%. A partir de 2012, para cada uma das partes arcará com 50%.

Usuário avalia bem o atendimento da equipe

O Hospital das Clínicas não atende 100% dos pacientes que tem capacidade de atender, fechou alguns leitos, e não realiza todos os atendimentos que estão à sua altura. Além disso, possui uma enorme fila de espera por cirurgias eletivas nas suas 27 especialidades médicas (o hospital não levantou a quantidade de pacientes que estão esperando atendimento). Mas nem tudo isso reflete negativamente na avaliação que os pacientes fazem dos serviços prestados pela unidade.

Nas portas do Hospital das Clínicas, diariamente juntam-se milhares de pacientes que vão à unidade em busca de consultas, exames e procedimentos cirúrgicos. Mas dificilmente é possível encontrar alguém para reclamar do atendimento prestado pelo HC, ao contrário do que ocorre em outras unidades. Das pessoas abordadas pela reportagem na manhã de sexta-feira, ninguém teve qualquer tipo de avaliação negativa.

O aposentado Antônio Martins Melo, de 58 anos, por exemplo, cravou como positivos a forma como é tratado pelos funcionários e o atendimento de qualidade do corpo médico. "Aqui o atendimento é muito melhor do que qualquer hospital público de Goiás. É claro que sei dizer dos lugares que já estive. E não foram poucos", disse.

Antônio Martins faz tratamento de leucemia no Hospital das Clínicas há sete anos e na sexta-feira estava no hospital para fazer consulta. Mais tarde já estava com os exames marcados. "Nunca tive que esperar por nada. O atendimento é sempre muito rápido. Desde que comecei a me tratar aqui eu melhorei bastante. Estou bem", avalia.

Cursos

O reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira Brasil, entende que os problemas enfrentados pelo hospital refletem na qualidade dos serviços. "A situação não é de conforto, mas o atendimento é satisfatório", salienta.

Ele explicou que os cursos da área de Saúde da UFG, cujos alunos têm o primeiro contato com a parte prática da profissão no HC, também não chegam a ser afetados pelas dificuldades. "Damos boa formação, tanto que nossos cursos são bem avaliados nos exames dos quais participam", exemplifica.