Em novas dimensões

Em novas dimensões

Sucesso De Avatar faz com que o cinema aposte na velha conhecida tecnologia do 3D, que seduz plateias e divide opiniões há décadas

Renato Queiroz e Rodrigo Alves

Um leão no seu colo e uma namorada nos seus braços. Foi com este slogan de gosto duvidoso que foi lançado em 1952 Bwana Devil, considerado o primeiro filme em 3D da história. Na época, a produção – que contava a história de leões que devoravam homens – foi uma resposta dos estúdios norte-americanos para combater a ameaça que a TV representava. O tempo passou, o inimigo é outro, mas a aposta é a mesma. Com o sucesso de Avatar, de James Cameron, Hollywood volta a ver na tecnologia 3D a tábua de salvação de uma indústria fragilizada pelo avanço dos downloads piratas de filmes e pela compra de DVDs ilegais.

Desde o início de sua produção, Avatar – que rendeu US$ 1,86 bilhão em suas seis primeiras semanas de exibição – é tratado como uma espécie de terceira grande revolução do cinema, tão importante quanto foi a inclusão do som e das cores. O longa de Cameron, o homem por trás do blockbuster Titanic, é o primeiro (sem contar as animações) todo rodado em 3D com atores de carne e osso e com uma tecnologia inteiramente nova. O frisson causado e as enormes filas nas poucas salas que exibem a versão em 3D – em Goiânia são apenas duas – do filme são um termômetro da nova onda que pode mudar os rumos da indústria.

Para os mais otimistas, o sucesso de Avatar pode ressuscitar velhas experiências quase esquecidas do cinema como assentos com movimento e aparelhos que soltam líquidos e aromas. Dependendo do filme, o espectador teria de ir ao cinema preparado com um verdadeiro arsenal de equipamentos para se proteger.

O desafio atual é atrair uma geração que cresceu na frente do computador e não está acostumada a pagar por um ingresso de cinema. Baixar arquivos de filmes de boa qualidade da internet é hoje questão de horas. O 3D é visto também como isca para levar aqueles que se renderam ao home theater de volta ao cinema.

Na luta contra a pirataria

Tecnologia difícil de ser copiada, o 3D é visto como chamatriz do público jovem e salvação contra o esvaziamento das salas

Renato Queiroz e Rodrigo Alves

A retomada da tecnologia 3D é uma evolução feita de olho principalmente em um nicho: os jovens. Integrantes de geração que cresceu na frente do computador e se acostumou a ver filmes na telinha, eles são o alvo preferencial do 3D, que é visto como ferramenta para combater a pirataria devido à sua tecnologia complexa. Qualquer espectador que tentar filmar a tela e jogar a gravação na internet ficará a ver navios. Sem os óculos especiais, as imagens não passam de um borrão.

Além disso, há a apelação do conteúdo fácil dos filmes que têm sido produzidos em 3D atualmente. Tudo sempre voltado para encher os olhos do espectador. “Os enredos são simples, com história palatáveis, do bem contra o mal”, analisa o crítico e professor de cinema Lisandro Nogueira. “É com certeza uma arma contra a pirataria”, completa. Mas ele é ponderado ao analisar a nova ascensão do 3D como uma “revolução”.

“Trata-se de uma continuidade de um processo que sempre pretendeu levar ao cinema um hiperrealismo”, observa ele, que não crê que a tecnologia possa ameaçar o cinema autoral, mas ao mesmo tempo não o vê, a curto prazo, como um utilizador dela. “O 3D é voltado para o cinema de massa, para um público jovem. Sua intenção é trazer o público de volta e, sem dúvida, está conseguindo.”
Diretor do Filme B, site que monitora o mercado cinematográfico no País, Paulo Sérgio Almeida fala sim em revolução. “O 3D já está revolucionando a maneira de se ver cinema. Ele mostra que o cinema sempre pode se reinventar, mesmo quando tudo parece mostrar o contrário. A grande dúvida que os especialistas discutem no momento é a seguinte: será que todos os filmes terão que, de agora em diante, ser filmados em 3D ?”, questiona.

Maioria
Segundo um levantamento da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), o público de cinema hoje é formado em 71% por jovens de 12 a 29 anos. Graças as eles, o balanço das exibições já dá mostras de crescimento depois de um período crítico. Segundo o Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro, mais de 112 milhões de pessoas foram aos cinemas em todo o Brasil em 2009, aumento de mais de 25% em relação a 2008.

Enquanto isso, o aumento do número de salas foi pequeno, de 2%, mas o impulso nas salas de projeção digital em 3D foi grande: 2009 começou com 23 espaços e terminou com 96. No mês passado, pelo menos outras cinco salas 3D foram equipadas, somando 101 no total. De acordo com o levantamento do sindicato, os filmes em 3D têm mostrado força e representaram 8% da bilheteria total e 5,5% do público. Só no passado rendeu uma bilheteria de R$ 79 milhões no Brasil, segundo a entidade.

Mas um fator ainda é visto com um grande vilão: o preço. Motivo de constantes discórdias entre exibidores e distribuidoras, o preço (que em 3D é cerca de R$ 7 mais caro) ainda é proibitivo fora das classes A e B. Proprietário do Cine Ritz, único cinema comercial não instalado em shopping em Goiânia, Edson Randal sabe bem disso. Atento ao mercado, Randal não visualiza uma expansão rápida do 3D nas salas de exibição. “Antes do 3D, acho que a grande questão é o cinema digital”, diz, referindo-se ao processo de fim do uso de películas.

Para ele, cinema em três dimensões deve demorar a ser opção democrática. “Para quem trabalha com públicos fora das classes A e B, o investimento ainda é alto e o retorno incerto”, afirma. Além disso, ele acredita que pequenas adequações são necessárias, como o desconforto causado pelos óculos e o mal-estar eventualmente relatado por espectadores (veja mais no quadro). “O momento é de adaptação. Mas nosso interesse, claro, é sempre a melhoria e aumento do público”, enfatiza.

Fique de olho!

Alguns efeitos colaterais indesejáveis têm sido relatados por espectadores que não se adaptam bem ao 3D. Relatos mais comuns são dores de cabeça, tonturas e enjoo, mas há até o caso de um tailandês que morreu após assistir a Avatar e sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), provavelmente desencadeado pela experiência. O problema, segundo um estudo, é que o filme causa movimentos oculares não naturais. Um objeto em 3D voando para fora da tela causa conflito sensorial. Para evitar contratempos, atitudes como achar uma posição confortável para as vistas, se mexer pouco, piscar bastante e evitar olhar para os objetos desfocados em cena podem ajudar.