Queremos isenção

‘Queremos isenção’

Deputado Ronaldo Caiado elogia revisão da história de sua família e admite que a fama de seu sobrenome já lhe causou situações embaraçosas

Rogério Borges

Membro da família Caiado de maior expressão política na atualidade, o deputado federal Ronaldo Caiado elogia a iniciativa do histórico que a professora Lena Castello Branco realizou por meio dos dois volumes do livro Poder e Paixão – A Saga dos Caiado. No trabalho, após uma exaustiva pesquisa em documentos e cartas pessoais no Brasil e no exterior, a autora desmonta alguns mitos que sempre cercaram a atuação dos Caiado, na política goiana há um século e meio.

“A historiadora goza de grande respeito e está acima de qualquer suspeita”, avalia o deputado. “O que ela faz é o que sempre pedimos, que os fatos fossem apresentados na vertente da verdade.”

Neto do ex-governador Totó Caiado, figura central na obra da professora Lena, Ronaldo Caiado acredita que a obra é importante para que as gerações futuras conheçam melhor o passado. “Não devemos satanizar ou tomar ninguém por anjos. O que a minha família sempre pediu foi a isenção dos relatos.”

Segundo o parlamentar, há a tendência de avaliar com os olhos de hoje os fatos ocorridos em 1908 ou 1930, o que gera distorções. “Totó Caiado poderia ter aderido ao governo Vargas e não o fez. Ele tinha gestos de coragem e não de truculência. Decidiu manter sua posição naquele momento porque era uma questão de princípios.”

Enfrentamento
Essa postura, de acordo com o deputado, é uma característica dos Caiado. “Nós sempre preferimos ter o enfrentamento cara a cara e não fazer o jogo político por trás. Nossa família tem erros e tem méritos por conta disso. Cada tempo pede um estilo de fazer política. O que nunca mudou é o fato de os Caiado terem sempre criado seus filhos para enfrentar adversidades, com fortes ligações com Goiás.”

Em sua avaliação, os relatos históricos tentaram associar sua família à violência. “Nunca fomos flores, mas também nunca nos acovardamos diante das situações e nunca tivemos atos de covardia com quem quer que seja”, assegura.

Caiado revela que já teve problemas em razão das histórias que cercam seu sobrenome. “Certa vez, estava jantando na residência de uma família, no Norte de Goiás, depois de um comício, quando percebi que a dona da casa queria me dizer alguma coisa. Disse que ela podia falar e a senhora me revelou que já havia falado muito mal de mim e que achava que eu era um demônio em forma de gente.”

Em outra ocasião, na época da fundação da União Democrática Ruralista (UDR), Caiado retirou seus filhos mais velhos de um colégio de Goiânia por conta de hostilidades. Perguntado se as pessoas costumam temê-lo por conta de seu sobrenome, por ser um homem contundente com as palavras e de voz possante, o deputado ri e diz que não. “O que há é respeito.”

O historiador e professor Nasr Chaul, que assina a orelha do livro de Lena Castello Branco, afirma que o livro Poder e Paixão vem preencher uma lacuna importante da historiografia do Estado. “É um contraponto ao que já foi escrito sobre a era Pedro Ludovico”, aponta. “A história dos Caiado nunca havia sido contada de maneira satisfatória. Muitas das análises feitas a respeito da atuação da família apareceram no calor da hora, no momento do debate político. Essa pesquisa é mais ampla e não se trata de uma defesa dos Caiado.”

Para Chaul, Lena conseguiu inovar na abordagem. “Ela mostra um outro lado dos Caiado ainda pouco conhecido. É uma visão mais familiar do processo histórico em que estiveram envolvidos e isso nos faz refletir melhor sobre o tema.”

Episódio sangrento

Rogério Borges

Na literatura, a família Caiadojá foi objeto de narrativas. O livro que melhor representa essa apropriação da realidade por parte da ficção quanto a episódios ocorridos na era de maior poderio dos Caiado em Goiás, entre 1908 e 1930, é O Tronco, de Bernardo Élis. O autor, aliás, era primo de um dos ramos da família Caiado. O Tronco romanceia um combate que aconteceu no arraial de São José do Duro, hoje Dianópolis, então Norte Goiano e hoje em Tocantins, em 1919, auge da influência de Totó Caiado. Trata-se de uma sequência de violências em que várias pessoas foram brutalmente assassinadas, tendo como pano de fundo disputas por heranças e poder político.

Na primeira parte do segundo volume de Poder e Paixão – A Saga dos Caiado, Lena Castello Branco trata do tema. De acordo com ela, quando, em 1909, as famílias Caiado e Jardim voltam ao poder, rearticulando o Partido Democrata, o clã dos Wolney, comandado pelo coronel Joaquim Wolney, permanece como aliado no Norte Goiano.

Os desgastes, porém, não demoraram a aparecer. A ruptura vem em 1912, quando os Wolney perdem espaço na administração estadual. O coronel Wolney era um homem temido por seu poder financeiro e pelos homens que comandava, mas coube ao seu filho Abílio partir para o ataque.

Ele publicou vários artigos na imprensa em que o alvo principal era Totó Caiado. Ações truculentas dos Wolney deixaram de ser toleradas e passaram a ser combatidas. Totó Caiado, como deputado federal, empenhou-se em denunciar as ações dos ex-aliados. A professora Lena não exime os Caiado de certa insuflação do governo federal contra os Wolney, mas salienta que os pedidos feitos por Totó contra os Wolney estavam no âmbito legalista.

No final de 1918, depois de uma ação truculenta do coronel Joaquim Wolney, que ameaçou, com arma em punho, várias autoridades municipais, tendo, na oportunidade, admitido que cometera um assassinato, o então presidente do Estado, Alves de Castro, enviou um juiz para dirimir a desordem em São José do Duro. O magistrado escolhido foi Celso Calmon da Gama, homem de confiança de Totó Caiado.

A investigação foi desfavorável aos Wolney, que viram nela uma forma de perseguição. Oswaldo Rodrigues Póvoa, 84 anos, é um dos que acreditam nessa possibilidade. “Os Caiado foram figuras básicas no que aconteceu no Duro. O juiz Calmon foi escolhido a dedo para causar prejuízos aos Wolney”, diz ele, que escreveu o livro Quinta-Feira Sangrenta, sobre aquelas batalhas.

Nada menos que cinco parentes de Oswaldo, cuja família era correligionária dos Wolney, foram mortas nos confrontos. Ele ainda mora no local. “Construímos uma capelinha sobre a sepultura comum em que as nove pessoas que foram massacradas pela polícia estadual estão enterradas, incluindo meus dois avôs e dois de meus tios.” Ele se refere àquele que ficou conhecido como Massacre dos Nove.

O coronel Wolney chegou a receber o juiz Calmon em sua casa, mas há duas versões para o confronto que terminou com a morte do patriarca. Na narrativa de Lena, os policiais teriam ido à Fazenda Buracão, a cerca de 6 quilômetros da Vila do Duro, e teriam sido recebidos à bala pelos jagunços dos Wolney. Oswaldo defende que as tropas armaram uma emboscada.

Ambos, porém, concordam que Joaquim Wolney foi massacrado covardemente. Ferido, ele foi perseguido por soldados, que o mataram. O filho Abílio inicia sua vingança no início de 1919. O juiz Calmon foge da cidade e deixa cerca de 40 soldados. Estes fazem nove reféns entre parentes e correligionários dos Wolney.

Durante três dias, há intensos combates entre as duas partes. A maior parte dos soldados consegue fugir, mas antes promovem o pior massacre do episódio. Eles fuzilam e sangram à faca todos os reféns, que estavam amarrados e indefesos. Um dos mortos é Joaquim Ayres Cavalcante Filho, o caçula da família Wolney, que tinha 17 anos de idade. É o Massacre dos Nove.

O julgamento dos responsáveis pelo massacre foi contestado. Muitos diziam que os Caiado haviam atuado para proteger os assassinos. Muitos foram condenados, mas depois absolvidos. O único a cumprir pena foi o alferes Catulino Viegas, que matou o caçula dos Wolney.