Sustentabilidade na agenda do planeta

Vinte anos depois da realização da Eco 92, as atenções do mundo se voltam novamente para o Rio de Janeiro. Dessa vez, a ferida aberta pelo consumo desenfreado dos recursos naturais exige não apenas curativos, mas o uso do bisturi, ou seja, soluções práticas.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que será realizada entre 13 e 22 de junho, no Rio de Janeiro, deve renovar o compromisso político com a temática ambiental.
O evento deve avaliar o progresso e as lacunas na efetivação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre sustentabilidade e debater novas questões ligadas à área. A expectativa é que Conferên­cia transforme o conceito de desenvolvimento sustentável em paradigma para todo o sistema das Nações Unidas e de­mais organismos. Estudiosos, no entanto, estão pessimistas e acreditam que a Rio+20 não irá gerar resultados práticos.
Professor da Universidade Me­todista de São Paulo (Umesp) e especialista em jornalismo científico e ambiental, Wilson da Costa Bueno acredita que a ampliação do debate e da consciência sobre a forma com que os Governos e as empresas tratam a questão ambiental devem ser as grandes contribuições da Rio+20.
“A Conferência terá um rescaldo importante em virtude da reação dos grupos organizados e da mobilização dos cidadãos conscientes”, prevê Bueno. A ausência de acordos e tratados que simbolizem avanços efetivos para solucionar os problemas ambientais também é es­pe­rada pelos professores do mes­trado em Direito, Relações In­­ternacionais e Desenvolvi­men­to da PUC Goiás,  José An­­tonio Tietzmann e Luciane Martins.
Junto com o  professor Di­mas Pereira Duarte Júnior, tam­bém da PUC, eles participaram do grupo de articulação para a Rio+20 na Universidade de Limoges, França. Para Lu­cia­­na, o Governo do Brasil a­do­ta uma posição contraditória ao realizar a Rio+20. Ao mes­mo tem­po em que fomenta os debates ambientais e investe na realização do evento, adota posturas que não contemplam os três pilares da sustentabilidade.
De acordo com Luciana, o meio ambiente recebe menos atenção do que as questões sociais e, principalmente, os fatores econômicos. “Temo que não haja um debate de fato”, alerta.

Esvaziamento
O cenário internacional, com crise econômica na Europa, eleições presidenciais nos Estados Unidos e revoluções árabes, não favorece os debates, lembra Tietzmann. De acordo com ele, o próprio enfoque, mais voltado para a sustentabilidade do que para economia, pode acarretar em resultados poucos significativos. O presidente americano, Barack Obama, envolvido na campanha de reeleição, é ausência praticamente certa.
Líderes europeus, como a chanceler alemã, Angela Mer­kel, e o primeiro-ministro bri­tâ­nico, David Cameron também não prestigiarão a Rio+20. Do velho continente, pre­senças confirmadas do no­vo presidente da França, Fran­çois Hollan­de, e do mandatário da Rússia, Vladimir Putin, convidados por telefone pela presidente Dilma Rousseff.
Mesmo com ausência de nomes de peso, pelo menos 160 chefes de Estado já confirmaram presença. Outro fator que pode provocar esvaziamento da Rio+20 é a proximidade com a reunião da cúpula do G20, grupo dos 20 países mais de­sen­volvidos do mundo. A reunião ocorre em 18 e 19 de ju­nho, no México, véspera dos dias mais importantes da conferência ambiental, 20 a 22 de junho.
Para Bueno, a crise que a Europa atravessa e seus possíveis impactos em todo o mundo não favorecem o debate amplo e profundo dos temas abordados pela Rio+20. De acordo com ele, lideranças globais ainda não estão suficientemente convencidas  de que a relação entre economia, cultura, sociedade e meio ambiente é real e precisa ser considerada.
Além do esvaziamento político, Luciane teme que a Rio+20 tenha resultados negativos, como a perda das conquistas da Eco 92. Ela destaca que a Conferência foi um instrumento fundamental para regulamentar pesquisas científicas e ainda deu origem a dois marcos na área ambiental: o Protocolo da Nagoya (2010) e o Protocolo de Kyoto (1997). Os protocolos garantem, respectivamente, a proteção do patrimônio biológico dos países, e metas para a redução da emissão de gases estufa na atmosfera.
A partir de 1992, governantes, a mídia e a sociedade de maneira geral passaram a  olhar com mais atenção as questões ambientais. “A sustentabilidade está hoje presente na agenda empresarial e política, houve um incremento importante na massa crítica a respeito da temática ambiental e o volume de cobertura sobre meio ambiente cresceu significativamente nesses 20 anos”, avalia  Bueno.

A voz da sociedade civil

Se as expectativas de especialistas em relação a programação oficial da Rio+20 é pessimista, o mesmo não ocorre em relação a Cúpula dos Po­vos, evento paralelo a Con­fe­rência. Das Nações Unidas.  Para a pesquisadoras do Ins­ti­tuto de Estudos Socioam­bien­tais da Universidade Federal de Goiás (Iesa/UFG),  Sandra de Fá­tima Oliveira, a iniciativa con­segue integrar os debates sobre meio ambiente às relações humanas, políticas e culturais.   
Sandra, que irá a Rio+20 participar da Teia da Paz, representando o Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação Am­biental e Transdisciplinaridade (Nupeat) da UFG, prevê que as discussões na Cúpula devem contemplar os anseios da sociedade civil organizada. “O foco serão a interdependência e a sustentabilidade, contemplando as múltiplas dimensões humanas e seus impactos na vida e no mundo”, destaca.
O especialista em jornalismo científico e ambiental, Wil­son da Costa Bueno, que é professor da Universidade Meto­dista de São Paulo (Umesp), também aposta mais nas contribuições dos debates da Cúpula dos Povos do que nas discussões oficiais propostas pa­ra a Rio+20. A explicação é simples: quem suja e destrói o pla­neta não está disposto nem a equacionar, nem a  limpar os es­­tragos com os quais já convivemos.
Entre eles, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar e a privatização de recursos naturais. “Faltam coragem, compromisso com a cidadania e vontade política para que go­vernos e empresas proponham e se comprometam com soluções que irão afrontar os seus interesses e privilégios”, analisa.

Eixos
A programação paralela é promovida por mais de  50 redes nacionais e internacionais que formam o Grupo de Articulação de Cúpula. Os principais temas a serem debatidos durante a conferência foram divididos em três eixos, que servirão como um ‘guia prático’ das atividades. De acordo com o Grupo, os objetivos da Cúpula são denunciar as causas da crise socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movimentos sociais do Brasil e do mundo.
O primeiro eixo deve de­nunciar as causas estruturais das crises, das falsas soluções e das novas formas de reprodução do capital. De acordo com a organização, a Cúpula pretende expor à sociedade civil as razões dos problemas de ordem social e ambiental do planeta – ao contrário da Rio+20.
Já no segundo eixo, considerado o mais importante, haverá a apresentação de soluções e novos paradigmas dos povos para os problemas mais graves enfrentados hoje no mundo. O terceiro eixo vai estimular organizações e movimentos sociais a articular processos de luta anticapitalista pós-Rio+20.

Capitalismo verde
A maior herança da Eco 92 talvez seja a própria temática debatida em 2012: a intersecção entre meio ambiente e economia.  O chamado esverdeamento econômico, entretanto, adoção de práticas sustentáveis pelo mercado, é visto com desconfiança pelos especialistas.
A principal crítica diz respeito ao mascaramento das verdadeiras soluções para as questões ambientais, muitas vezes trocadas por métodos pa­liativos ou cosméticos, o greenwashing ou “lavagem verde”.
“O discurso em geral sobre economia verde acompanha o mesmo tom do chamado 'marketing verde' que vê o meio ambiente apenas como oportunidade de negócio e mascara a realidade”, critica Bueno.
Ele cita que os bancos, as agroquímicas, as  mineradoras, as petroquímicas, a grande industria farmacêutica e até a indústria tabagista incorporaram o discurso da sustentabilidade. Entretanto, continuam prejudicando a qualidade de vida e degradando o meio ambiente.
Tietzmann lembra que o avanço da economia verde também depende de novas tecnologias e defende que haja uma troca de informações entre os países. Apesar de acreditar que o conceito de sustentabilidade foi banalizado, ele indica situações em que o greenwashing tem consequências positivas. É o caso da madeira brasileira exportada para a Europa, que precisar ter certificado que comprove os impactos de sua exploração.

Agenda da Rio+20


11 e 12 de junho: Pré-evento
* Chegada de governantes, diplomatas e da sociedade civil no Rio de Janeiro

13 a 15 de junho: PrepCom3
* Última reunião preparatória para a Rio+20, de onde sairá rascunho do documento final da Conferência

16 a 19 de junho: Negociações e consultas informais
* Dias fundamentais para o diálogo entre governos e sociedade civil, com diversos eventos paralelos

20 a 22 de junho: Rio+20
* Realização da Conferência e de eventos paralelos organizados pela sociedade civil, como a Cúpula dos Povos

23 a 26 de junho: Balanço e próximos passos
* Avaliação dos resultados por parte dos governos e por parte da sociedade civil