Dilma sanciona lei das cotas

Ensino superior

Dilma sanciona lei das cotas

UFG diz que vai analisar se adere já em 2013, enquanto o IFG afirma que já adotou sistema desde 2009

Cleomar Almeida

30 de agosto de 2012 (quinta-feira)



A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem, com apenas um veto, o projeto de lei que reserva metade das vagas das instituições federais de ensino a estudantes oriundos de escolas públicas (veja quadro). Mas a Universidade Federal de Goiás (UFG) informa que ainda precisa analisar se vai aderir à nova regra em 2013. O Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Estado (IFG) diz que adotou esse critério de ingresso desde 2009.

Desde que foi aprovado no dia 7 pelo Senado Federal, o projeto de lei, de autoria da deputada federal Nice Lobão (PSD-MA), acendeu uma briga de classes em Goiânia e fez alunos das principais escolas particulares realizarem, no Centro da capital, uma manifestação contra a política de cotas. Quatro dias depois, na quinta-feira da semana passada, os estudantes da rede pública reagiram e organizaram uma passeata a favor da sanção do projeto.

Ao analisar os nove artigos da lei, Dilma fez apenas uma alteração no texto aprovado pelo Senado e decidiu que a seleção dos estudantes dentro do sistema de cotas será feita com base no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A presidente vetou o artigo 2º do texto, segundo o qual a seleção dos estudantes pelo sistema de cotas consideraria o Coeficiente de Rendimento (CR), obtido a partir da média aritmética das notas do aluno no ensino médio.

ADOÇÃO PELA UFG

Reitor da UFG e vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Madureira Brasil diz que a universidade vai aderir à nova regra, mas ainda precisa se reunir com uma comissão para definir o cronograma. A instituição de ensino terá quatro anos para destinar 50% de suas vagas a estudantes de escola pública, conforme determina a lei.

Edward lembra que a universidade já conta com o programa UFGInclui, que adota cotas sociais e raciais desde 2009, mas com critérios diferentes da lei. O reitor diz que essa política da universidade exige, por exemplo, que o interessado tenha cursado pelo menos os últimos cinco anos na escola pública, enquanto a nova regra estabelece apenas o ensino médio, para ingresso numa instituição federal de ensino superior.

Para o reitor da UFG, “a lei fere a autonomia universitária e o governo federal vai ter de investir em mais assistência estudantil”, área que, segundo ele, só na UFG, atrai R$ 11 milhões por ano. “Mesmo assim, esse recurso é hoje insuficiente. Para atender a atual demanda de alunos, seriam necessários pelo menos R$ 22 milhões. Com a lei de cotas, o valor da assistência estudantil vai ficar em torno de R$ 33 milhões”, afirma.

Na avaliação do reitor do IFG, Paulo César Pereira, a sanção da lei representa uma oportunidade de tornar as vagas mais viáveis à população pobre e que não teve condição financeira para pagar uma escola particular. “É inegável que as escolas da rede privada preparam melhor os seus alunos para a seleção das instituições federais”, diz.

Segundo Pereira, os alunos de escolas públicas podem ter o mesmo aproveitamento das aulas. “O aluno de escola pública provavelmente vai ter dificuldade no início do curso, mas, ao mesmo tempo, ele agarra a vaga como a oportunidade da vida dele”, acredita o reitor do IFG, acrescentando que a reserva de vagas para alunos de escola pública no instituto não provocou queda de qualidade no processo de ensino aprendizagem. “Discordo frontalmente de quem argumenta que essa lei vai nivelar o ensino por baixo”, frisa.

RETROCESSO

Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino em Goiás (Sinepe-GO), Krishnaaor Ávila Sréglio, vê como retrocesso a aprovação da lei. “O caminho é melhorar os ensinos fundamental e médio, na rede pública”, aposta. “A lei é discriminatória, malfeita e mal redigida”, critica.

De acordo com Krishnaaor, o estudante tem de ascender na carreira pelo seu mérito, em vez de usar cotas do governo. “O aluno quer qualidade no ensino para competir de igual para igual. Se houver um bom ensino, não é preciso haver cotas”, ressalta, enfatizando que o prazo para a lei vigorar - dez anos, contados a partir de sua publicação - será estendido por não alcançar o resultado esperado.

O gerente de Projetos da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas, Luiz Barcelos, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, entende que a nova regra “é um passo importante para democratizar o acesso a universidades federais e qualificar a seleção em favor do aluno de escolas públicas.” Para ele, os critérios definidos pela lei para ingressar pelo sistema de cotas vai exigir dos interessados uma boa trajetória no processo de ensino-aprendizagem, o que, ressalta, serão baseados na média do Enem. “Essa política pública deve diminuir os impactos de um histórico nacional carregado de exclusão”, acredita Barcelos.

Em nota, a Andifes reforçou o argumento de que a lei fere o princípio constitucional da autonomia universitária, mas será cumprida. “Caberá agora cada universidade federal discutir individualmente a forma de implantação da lei”, adiantou.

A associação divulgou, ainda, que espera apoio do Congresso Nacional e da sociedade como um todo para que seja dado suporte orçamentário necessário para manutenção de alunos com dificuldades econômicas, que venham a ingressar nas universidades federais em decorrência da nova lei.

REGULAMENTAÇÃO

As regras e o cronograma para a transição serão estabelecidos pela regulamentação da lei, que deve sair ainda neste ano. A previsão é de que a lei entre em vigor no ano que vem. A regulamentação deverá criar medidas para compensar eventuais diferenças entre alunos que ingressaram pelas cotas e os egressos do sistema universal. A lei prevê que, no primeiro ano, sejam aplicados 25% do total de cotas previstas. Os 50% devem ser adotados em quatro anos.