Governo de juízes?

No julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal não protagoniza o governo de juízes, como afirmou o jurista francês Lambert, em 1911, a propósito da doutrina da supremacia judicial no sistema político norte-americano que, em 1803, em julgamento histórico cujo relator foi o juiz John Marshall, decidiu que a Suprema Corte poderia exercer o controle da constitucionalidade das leis e declarar nulos os atos dos outros Poderes. O governo de juízes, a judicialização da política e, até mesmo, a existência de um direito judicial como contraponto ao direito legal tornaram-se afirmações recorrentes, utilizadas por todos aqueles que rejeitam a atribuição constitucional do STF na defesa do fortalecimento da democracia.

Ao contrário, o STF tem buscado identificar a jurisdição constitucional com o Estado Democrático de Direito, consagrado no texto constitucional de 1988 e, além do mais, como legislador negativo, em matéria de controle de constitucionalidade das leis, tem tido a consciência clara, democrática e republicana de ser um Tribunal composto de 11 juízes que não são eleitos pela vontade popular. Por isso em seus julgamentos há uma preocupação constante em respeitar os limites constitucionais.

É oportuno ressaltar, como afirma o professor Luís Roberto Barroso no artigo Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, publicado na Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, que em quase todos os países do mundo está havendo uma transferência de poder para as instituições judiciais em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. E enumera três causas para isso: 1. reconhecimento de um Judiciário forte e independente, como um elemento essencial para as democracias modernas; 2. certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral; 3. a preferência de muitos políticos de que o Judiciário seja a instância decisória para certas questões polêmicas.

O STF tem tido sabedoria e equilíbrio de administrar “dificuldade contramajoritária”, que se configura em virtude de sua menor legitimidade democrática, no contexto da divisão e independência de Poderes, ao impor a sua autoridade por determinação constitucional aos outros dois, cujos agentes políticos são eleitos pelo voto popular. Daí por que o Supremo, ao julgar “o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção” no País, tem tido a preocupação de observar rigorosamente todos os princípios processuais constitucionais e, ainda, os que devem obrigatoriamente ser acatados pela administração pública, a fim de que o exercício da jurisdição constitucional, com vistas à criminalização da responsabilidade de agentes políticos, seja um processo de dialética complementar entre o constitucionalismo e a democracia.

O STF, ao julgar o mensalão, tem deixado claro que o povo tem direito a um governo honesto. E tal governo não tolera corruptos, tampouco corruptores. Nem agentes públicos que se deixam corromper nem particulares que corrompem. Ambos são profanadores da República, subversivos da ordem institucional, delinquentes e marginais da ética do poder, como se depreende do voto do ministro Celso de Mello.

Não se pode ignorar que o STF desempenha um papel político. Todavia, é incompatível com a imparcialidade do Poder Judiciário, alguém afirmar levianamente que o julgamento do mensalão é político, no sentido partidário, e, além do mais, que é um conluio entre a “aristocracia da toga” e a elite, com vistas a dar um golpe de Estado em um governo democrático que, a princípio foi chefiado por um operário e líder sindical e, atualmente, por sua sucessora, a primeira mulher presidente do País.

 

Jônathas Silva é advogado e professor da Faculdade de Direito da UFG