Tornar filosófica a educação

O 13º Congresso Pensar trouxe à tona questões nevrálgicas da educação brasileira. Entre elas, o problema da diversidade regional, da interdisciplinaridade, das condições da escola pública e do salário do professor dessa escola. O primeiro problema se relaciona aos outros; o segundo está ligado a uma concepção tradicionalista da escola e o terceiro é o calcanhar de Aquiles do ensino público brasileiro (especificamente no ensino médio).

Se for verdade que não podemos exigir que as escolas de todas as regiões do País tenham o mesmo currículo, é também um erro pensar que o mesmo currículo deve ser imposto a seres humanos naturalmente diversos. E por “naturalmente diversos” estou me referindo a crianças e adolescentes com habilidades próprias e capacidades únicas. Nem todos nascem com as mesmas habilidades e vocações. E isso significa que uns nascem aptos para determinadas atividades e não devem ser forçados a realizar aquelas que são contrárias às suas inclinações. Por exemplo, não podemos exigir de todos determinadas habilidades musicais, pois muitos nascem musicalmente surdos. E assim como uns nascem naturalmente hábeis para as matemáticas ou para a química, outros têm vocação para disciplinas que nada têm a ver com uma ou com outra.

Quando criança e adolescente estudei num sistema diferente. Eram seis anos no nível primário e seis no secundário. No período que equivaleria aos três últimos anos do ensino fundamental brasileiro fui submetido a uma bateria de testes vocacionais, como todos os outros estudantes do meu colégio. Naquela época os estudantes podíamos escolher a “especialização” que nos prepararia para a universidade. Os resultados desses testes sugeriam, mas não obrigavam, qual das três “especializações” podíamos escolher no ensino médio. Podíamos querer ser “químico-biólogos”, “físico-matemáticos” ou ir para a área de humanas. Aqueles tinham um número muito maior de horas dedicadas à química e à biologia; os físico-matemáticos, às ciências exatas e à física, e os de humanas, como eu, a disciplinas como economia política, sociologia, filosofia, problemas do mundo contemporâneo etc. Algumas disciplinas, como literatura, história e geografia, eram comuns às três áreas. Não vejo em que meu desconhecimento de química, por exemplo, ou de cálculo diferencial, atrapalhou minha existência como adulto ou como profissional.

Quando falo de tornar filosófica a educação não quero dizer que essa disciplina deva ser ministrada para todos. Tenho em mente o significado original do termo que refere uma atividade de pensamento que não está restrita a esta ou àquela questão, mas a uma abordagem específica sobre qualquer problema. É a abordagem de quem procura algo que está além do que comumente se aceitaria como verdade estabelecida. Pois, efetivamente, não se faz filosofia lendo um livro de filosofia, nem se aprende filosofia tendo uma aula dessa disciplina. Faz-se filosofia procurando pelos próprios meios respostas a questões que podem e devem ser levantadas sobre qualquer assunto, em qualquer área do conhecimento e da atividade humana. Fazer isso não é fácil, mas é a única forma de tornar a educação para crianças e adolescentes interessante, frutífera, formadora e, claro, filosófica.

 

Gonzalo Armijos, professor de filosofia, é diretor do câmpus da UFG na cidade de Goiás

Fonte: O Popular