PROFESSOR BRASILEIRO CRIA FERRAMENTA PARA MELHORAR A QUALIDADE DO ENSINO

O NOVO SOFTWARE DIZ QUANTO CADA MUNICÍPIO PRECISA INVESTIR PARA ATINGIR SUAS METAS EM EDUCAÇÃO

Pensando em uma possível solução para melhorar os péssimos índices do ensino público no Brasil, pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um software que, por meio de análises contextuais, mostra o real custo da educação básica no Brasil e ajuda na gestão dos recursos destinados a ela.

O nome é grande, Simulador de Custos para Planejamento de Sistemas Públicos de Educação Básica em Condições de Qualidade (SIMCAQ). Em compensação, a facilidade de operação e o nível de detalhe apresentado em seus relatórios fazem da ferramenta um artifício promissor para melhorar o investimento em ensino.

Funciona assim: o gestor responsável pela educação estabelece metas para o ensino municipal ou estadual, por exemplo, quantidade de alunos por sala e salário de professores. Depois os dados da situação real são consultados em fontes confiáveis como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). As duas informações são processadas pelo sistema, que compara os dados e determina os investimentos necessários para atingir o objetivo traçado.

O idealizador e desenvolvedor do projeto, Thiago Alves, professor de administração da Universidade Federal de Goiás (UFG), conversou com a NEGÓCIOS sobre como esse novo sistema pode ser um passo importante para educação e como a gestão de recursos pode elevar o padrão do ensino público brasileiro.

De onde surgiu a ideia de criar esse sistema?
Eu trabalhei durante cinco anos na gerência financeira da secretaria da educação de Goiás. Lá, como passava todo o orçamento da rede estadual, eu via o desafio que era ter pouco dinheiro e gerir uma rede com mais de mil escolas, como é a de Goiás. A partir daí surgiu a ideia de criar uma ferramenta para facilitar o planejamento do orçamento.

Você teve algum patrocínio para a pesquisa? 
Sim. O projeto, que foi minha pesquisa de doutorado, só se viabilizou porque em 2008 houve um esforço para fomentar pesquisas no âmbito da educação básica por parte do Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e do Inep. Nosso projeto foi aprovado e esses institutos financiaram todo o desenvolvimento da pesquisa.

De que maneira a informação sobre o custo da educação básica de qualidade pode ser útil para melhorar o sistema de ensino como todo?
Atualmente os governos não têm ferramentas para fazer projeções mais seguras, medindo contextos e realidade de cada escola, tanto em relação à infraestrutura como em formação dos professores. Em muitos lugares do Brasil, há crianças e adolescentes que deveriam estar na escola e não estão. Essa falta de planejamento não é exclusividade da educação, ela acontece em quase todos os setores. Porém, como a educação é um direito fundamental, o prejuízo é muito grande, gerações inteiras sofrem consequências.
Então, a maior importância do SIMCAQ é fornecer clareza ao gestor da educação. Um planejamento orçamentário bem feito, que mostre com precisão o quadro de cada município e o valor que precisará ser investido para que a educação da região analisada atinja melhores níveis de qualidade pode constituir num avanço para todo o sistema de ensino público.

Por enquanto, então, esse software será implantado somente em municípios?
A ferramenta se faz útil em um projeto macro, para ser utilizada num município, num conjunto de municípios ou em todo o Estado. A ideia é que os gestores remontem a análise de uma localidade considerando a população, as unidades escolares e creches disponíveis, o número de alunos dentro da escola e os potenciais estudantes que por algum motivo estão fora da escola.

A aplicação desse software, porém, esbarraria numa questão maior ligada à insuficiência orçamentária prevista em lei para a educação. Você não acha que gera num problema para os gestores, que ficam sabendo o que deve ser feito, mas não têm como aplicar as mudanças sugeridas?
Sim, claro. O embate entre os secretários da Fazenda e da Educação pode existir e ele precisa acontecer para que se chegue em um modelo ideal. A ideia é que a partir dos resultados apresentados pela ferramenta haja uma reflexão do tipo: se o município não tem recursos suficientes para implantar melhorias, será que o Estado pode ajudar? Se ambos não conseguem, então vamos olhar para as leis e levar o debate até o Governo Federal para que talvez os orçamentos municipais e estaduais destinados à educação sejam revistos. Então, ainda que num primeiro momento os gestores não consigam fazem muita coisa com a informação trazida pela ferramenta, é importante fomentar o debate sobre como o dinheiro está sendo investido e se essa quantidade é suficiente.

Quais são os parâmetros considerados necessários para se atingir uma educação básica de qualidade. Eles variam de acordo com a região? 
Quando falamos de qualidade em educação, a literatura nos mostra dois aspectos fundamentais e complementares para definir esses parâmetros: os insumos monetários e os não monetários. Os não-monetários têm a ver com o apoio que o aluno tem da família, com didática do professor, acesso a ferramentas, habilidades e aptidões naturais. Esses são aspectos variáveis sob os quais o Estado não pode influir.
Já os insumos monetários envolvem tudo aquilo que o Estado pode investir para melhorar, por exemplo, formação de professor, treinamentos, jornada escolar, quantidade de alunos por turma, quantidade de professores, salários, salas equipadas. Obviamente o simulador consegue ajudar apenas nesse aspecto, que também é variável de acordo com as necessidades de cada município.

A ferramenta já foi testada por você e sua equipe em três municípios de Goiás. Quais foram os resultados apresentados?
Nós escolhemos testar a funcionalidade do sistema em municípios de tamanhos diferenciados, por isso, usamos Cezarina (7 mil habitantes), Goiatuba (30 mil habitantes) e Águas Lindas (150 mil habitantes). Do ponto de vista técnico da ferramenta, tudo correu bem. Já o resltado da pesquisa revelou que os três municípios precisam investir em educação um percentual muito maior do que é destinado atualmente.
Atualmente, 25% das receitas líquidas de impostos de estados e municípios são investidas na educação, só que analisando o contexto atual e almejando os parâmetros básicos para qualidade, descobrimos que precisamos sair desse patamar. No municípo de Goiatuba, por exemplo, o ideal era que esse número chegasse a 40% em 10 anos. 

Esse número também é alto no município de Águas Lindas, cujo o indicador de educação é um dos piores de Goiás.  Mas, cada município tem o seu contexto e a vantagem da calculadora é que ela permite analisar cada um deles e calcular o esforço necessário.

A partir da constatação da funcionalidade do SIMCAQ, qual será o próximo passo? Quando a ferramenta estará disponível para os gestores dos municípios brasileiros? 
Nossa ideia é aproveitar o início das novas gestões municipais para começar a fornecer a ferramenta, de forma gratuita, aos responsáveis pela educação. Até o final de janeiro de 2013 tudo deve estar pronto, porém, ainda estamos testando a melhor maneira de disponibilizar o SIMCAQ para os gestores, se é por meio de um sistema de internet ou através de um programa que precise de download.