O veneno nosso de cada dia

Um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado com substâncias químicas usadas para combater inimigos da agricultura. Excesso desse tipo de agrotóxico já é considerado problema de saúde pública. Produtos orgânicos proliferam em Goiânia e são opção para quem deseja uma dieta saudável, saborosa e sem os riscos do dia a dia

A partir de uma reco­men­dação médica, a funcionária pública Maria Beatriz Rodri­gues (50 anos) trocou a alimentação tradicional, baseada em produtos cultivados com  agrotóxicos, pelos chamados orgânicos. Ou seja, frutas, verduras e até carnes produzidas sem a u­tilização desse tipo de substância química. Ela aboliu também enlatados e refrigerantes.  Tudo isso para melhorar a saúde.
Quatro anos depois, Maria Beatriz não arrepende da opção. Pelo contrário: se tornou uma defensora dos produtos orgânicos e tenta inseri-los no dia a dia da família, a­pesar da resistência dos filhos. “A variedade no mercado ain­da é pequena e é preciso abrir mão de algumas coisas, mas entendo que esse é um investimento a longo prazo, em especial no que diz respeito à qualidade de vida”, justifica.
Maria Beatriz não é a única a adotar uma dieta à base de orgânicos (leia correlata). Eles são  uma alternativa ao crescimento do uso dos agrotóxicos, especialmente no Brasil. Há três anos, o país ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o primeiro lugar no ranking de consumo desse tipo de substância no mundo. Um terço dos alimentos consumidos todos os dias em terras tupiniquins está contaminado.
O dado é de um dossiê divulgado neste ano pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Segundo o documento, enquanto em dez anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o brasileiro aumentou 190%. Apenas na última safra, o mercado brasileiro de venda de agrotóxicos movimentou 936 mil toneladas de produtos. 
Em 2011, 853 milhões de litros de agrotóxicos foram pulverizados nas lavouras temporárias e permanentes, principalmente herbicidas, fungicidas e inseticidas. O consumo em média por hectare é de 12 litros por hectare e exposição média ambiental de 4,5 litros de agrotóxicos por habitante, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Inimigo oculto
Os números expressivos parecem deixar claro os perigos que os agrotóxicos representam. “O uso dos defensivos é um problema de saúde pública”, sentencia a professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (Fanut/UFG), Veruska Prado, que participou da elaboração do dossiê da Abrasco. 
Porém, ela explica que relacionar o aparecimento de doenças aos agrotóxicos é o grande desafio dos pesquisadores. Mesmo assim, já existem fortes indícios que “os agrotóxicos podem causar doenças agudas, frutos de uma intoxicação momentânea, ou problemas mais graves, como o aumento da incidência de câncer e da infertilidade em adultos.”
Os impactos desses químicos sobre a saúde da população são de difícil mensuração, detalha a professora, principalmente porque há uma mistura das fórmulas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Mi­nis­tério da Agricultura e Pecuá­ria (MAPA). Assim, surge uma nova substância, cujos efeitos nocivos não foram testados.
O trabalhador rural, ao contrário do que se imagina, está muito longe de ser o vilão. Ao contrário: a população do campo, que lida diretamente com os agrotóxicos, é a principal vítima. "Falta assistência técnica, não existe política para essa área em Goiás e em grande parte de Brasil”, explica a professora da UFG. 
A situação dos homens que trabalham nas lavouras só não é mais temerária do que a das mulheres. Além de aplicar os a­grotóxicos e ingeri-los, por meio dos alimentos contaminados, em geral são elas quem higienizam as roupas e equipamentos de proteção individual (EPI’s) dos esposos e funcionários das propriedades rurais. “É uma tripla exposição”, pontua Veruska.
A gravidade da situação nem sempre é percebida pelos próprios trabalhadores, como deixa claro a tese de doutorado da professora da Univer­si­da­de Estadual de Goiás (UEG),  Sueli Martins Freitas. Ela analisou, nos anos de 2004 e 2005, a situação dos ruralistas que tiram o sustento da plantação de tomate de mesa.
Foram avaliadas lavouras nas cidades de Bonfinópolis, Corumbá de Goiás, Goianá­po­lis, Leopoldo de Bulhões, Pirenópolis e Silvânia. Re­sultado: apesar de conscientes dos riscos que envolvem a exposição aos agrotóxicos, não há uma mudança de postura: medidas para assegurar a proteção não é uma rotina.

Princípios e recomendações para evitar e reduzir o consumo de agrotóxicos nos cultivos e na alimentação do brasileiro

* Retirada imediata da isenção dos impostos sobre a produção e comercialização de agrotóxicos;
* Determinação de taxação máxima tributária, assim como ocorre com cigarros e bebidas alcoólicas,
* Destinação dos recursos ao financiamento do Sistema Único de Saúde e a políticas públicas de * fortalecimento da agroecologia;
* Proibição à pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território brasileiro; 
* Proibição das propagandas de agrotóxicos nos meios de comunicação; 
* Acesso à informação por meio de rotulagem que informe a presença de agrotóxicos nos alimentos; 
* Estruturação da política para reduzir progressivamente o uso de agrotóxicos e banir imediatamente o uso daqueles que já foram proibidos em outros países e que apresentam graves riscos à saúde humana e ao ambiente, com o fim de subsídios fiscais;
* Priorizar a aquisição de alimentos produzidos sem agrotóxicos para a alimentação escolar, por meio da implementação de políticas específicas. 
Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Abrasco


Da roça direto para a mesa

Um alimento sem agrotóxico, mais saboroso e que chega à mesa do consumidor direto do campo. Esse caminho - praticamente sem “intermediários” - faz dos produtos orgânicos uma opção para quem deseja aliar sabor e saúde. Isso porque, segundo o professor da Escola de Agronomia da UFG, Paulo Marçal,  a energia vital do alimento é preservada.
“Quase sempre o orgânico é tem sabor mais agradável e possui teor de nutrientes mais elevado”, explica Marçal, que também é membro da Associa­ção para o Desenvolvimento da Agricultura Orgânica em Goiás (ADAO-GO) e cultiva produtos orgânicos em uma propriedade rural em Hidrolândia. 
A oferta desse tipo de alimento tem crescido na capital e a experiência da funcionária pública Maria Beatriz Rodri­gues (50) comprova esse dado. No início da mudança de hábito alimentar (leia matéria nessa página), ela teve dificuldades para conseguir produtos sem agrotóxicos. Atualmente, ela a­proveita a feira realizada semanalmente pelo Empório e Res­taurante Cerrado para abastecer a geladeira. 
Segundo levantamento da Adao, em Goiânia ocorrem pelo menos dez feiras de produtos orgânicos (veja quadro). Mas também há supermercado que comercializam esses alimentos. Entre eles o Pão de Açúcar, que lançou nesse ano uma loja voltada apenas para o público que busca os alimentos livres de agrotóxicos.

Compra e venda
O austríaco Gregor Kux, radicado em Goiás, há 15 anos, administra o Restaurante Cerrado e avalia que os ganhos no âmbito da saúde são a principal vantagem dos orgânicos. É um investimento preventivo e a longo prazo, muitas vezes deixado de lado por causa do preço um pouco maior em relação aos alimentos produzidos com agrotóxico. 
O valor mais alto é resultado de um investimento em qualidade, explica a responsável pela Orgânica Alimentos, Samira Nogueira Estrela. “As pragas são controladas por meio de chás ou outros métodos naturais”, exemplifica. O esforço é para assegurar a  ausência de agrotóxicos, verificada pelo MAPA e pelo Insti­tuto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Apenas com essa certificação é possível negociar os alimentos com os supermercados e feiras. “Se investissem mais no setor, talvez conseguíssemos baixar esses custos”, reinvidica Sa­mira. A previsão é positiva. O Go­verno Federal está preparando uma política nacional de agro­ecologia e produção orgânica para ampliar para 300 mil, até 2014, o número de famílias envolvidas na produção de orgânicos. 
A meta também é incentivar o consumo. Assim, os preços devem cair. A política também quer passar de 2% para 15% a participação de produtos orgânicos nas compras governamentais, também até 2014.

Fonte: Tribuna do Planalto