O Ideb e o Pacto pela Educação

Uma característica da maioria dos discursos políticos é ignorar a realidade na sua totalidade. O que ocorre, em geral, é a atitude de se apropriar de uma parte da realidade como se fosse a sua totalidade. Com isso, procuram ocultar os aspectos que não desejam evidenciados. O discurso torna-se lacunar, sua coerência é obtida graças às suas lacunas, já que o que se procura afirmar é apenas aquilo que interessa, engendrando uma lógica da identificação entre o discurso e a realidade que se pretende representar. Assim, o que é particular ganha universalidade, apagando as múltiplas determinações que constituem qualquer realidade. O discurso, dessa forma, oculta os vários aspectos que o compõem, assumindo, com isso, uma dimensão ideológica.

A “ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem uma suposta veracidade daquilo que está explicitamente afirmado” (Marilena Chauí em Cultura e Democracia: o Discurso Competente e Outras Falas, São Paulo, Editora Cortez, 2006). Esse discurso lacunar pode ser percebido, por exemplo, nos discursos oficiais do governo estadual sobre a recente avaliação que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) atribuiu ao desempenho das escolas estaduais de Goiás em 2011. As lacunas são, sobretudo, na atribuição da melhoria da avaliação ao Pacto pela Educação.

A educação pública básica é tão ruim que as metas do Ministério da Educação, para melhorar a sua avaliação que é medida pelo Ideb, estabelece um tempo grande para alcançar a qualidade pretendida. Nesse cenário, toda melhoria deve ser motivo para comemoração. O Estado de Goiás, que passou de 4,9 para 5,3 nos anos iniciais (1º ao 5º ano), de 3,6 para 4,0 nos anos finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental e de 3,1 para 3,6 do ensino médio, obteve um bom resultado, se considerarmos a baixa qualidade do ensino, a precariedade das unidades escolares e a desvalorização, principalmente salarial, dos professores.

O problema não está na comemoração, mas na avaliação dos fatores que contribuíram para essa melhoria. O governador Marconi Perillo, ao analisar a avaliação do Ideb, afirma que “as diretrizes propostas no Pacto pela Educação apontam caminhos seguros para o ensino público no nosso Estado” e que “os números do Ideb são um reconhecimento de que esses esforços resultarão em benefícios para os estudantes” (Vitória da educação, O POPULAR, 15/8/2012). Já o secretário da Educação, Thiago Peixoto, também ao avaliar os resultados do Ideb, afirma que o Pacto pela Educação “instituiu programas e projetos que tiveram impacto positivo em sala de aula” (Agente de mudança, O POPULAR, 15/10/ 2012). Atribuir essa melhoria ao Pacto pela Educação é assumir um discurso lacunar, é tomar a ideia no lugar da realidade, é ocultar os fatores que de fato contribuíram para essa mudança.

Não precisa ser pesquisador, basta ter contato com pesquisas, para saber que as mudanças no âmbito da educação, principalmente numa realidade tão precária como a da escola pública, é resultado de múltiplos fatores e de um longo processo. A avaliação do Ideb se refere ao ano de 2011. Thiago Peixoto assumiu a secretaria no dia 3 de janeiro de 2011. O primeiro semestre do ano passado foi dedicado à elaboração do projeto, que foi lançado no dia 5 de setembro. Como pode atribuir ao Pacto, com menos de um ano de sua implantação, a melhoria que ocorreu na avaliação do Ideb? A melhora da avaliação se deu principalmente em função do trabalho de gestões anteriores, em especial da professora Milca Severino Pereira, ex-reitora da UFG, da dedicação dos professores e dos gestores das escolas estaduais.

O que de fato valoriza os professores não são prêmios, bônus e tablets, mas melhores condições de trabalho, tempo para a formação continuada e salários dignos para a aquisição do que se necessita, inclusive, se for o caso, de tablets. O que motiva os alunos não são promessas de tablets e de prêmios, mas escolas com condições adequadas para as atividades acadêmicas, professores bem preparados e bem remunerados. Os gastos com prêmios, bônus e tablets deveriam ser empregados para melhorar os salários dos professores e as condições infraestruturais das escolas.

Se a avaliação do Ideb continuar a melhorar não será em função dos projetos e da atuação do secretário, mas do empenho dos professores e gestores. Além do discurso lacunar, o governo adota posições contraditórias, quando se refere à valorização dos professores, pois entrou na Justiça contra o piso nacional dos professores. Agora já fala em desistir da ação, depois de muita pressão do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego).

 

Adão José Peixoto é mestre em Filosofia, doutor em Educação (USP), professor da Faculdade de Educação da UFG

Fonte: O Popular