História da Geografia em Goiás XIX

No intuito de compreender Goyaz, sua geografia e sua história, é indispensável o mergulho nos relatos dos viajantes que, em séculos diferentes, estiveram estudando nossa fauna, flora, possibilidades econômicas e os costumes de nossa gente.

Cada um desses viajantes, a partir de diferentes enfoques, à sua maneira, lançou um olhar sobre a paisagem, sobre os modos e sobre as gentes que aqui habitavam. Nem sempre foi um olhar generoso, mas marcado de diferentes preconceitos em relação ao atraso de nossa gente em relação aos seus países de origem.

Esses viajantes vieram, passaram e chegaram a viver por breves períodos entre nós. Era um olhar europeu, tecido pelas filosofias de seus tempos, nascido das muitas incógnitas por parte deles do que realmente havia e ocorria nas colônias portuguesas. 

Tal fato devia-se principalmente às barreiras colocadas pela Coroa Portuguesa para que os pesquisadores não ligados a Portugal tivessem acesso aos seus territórios. 

Somente a partir de 1808, com a transferência da Família Real para o Brasil, que de imediato promove a abertura dos portos às nações amigas de Portugal. E, com isso, vários pesquisadores, cientistas, exploradores que procuram conhecer cada detalhe das terras que pesquisam, cada particularidade dos rios, montanhas, fauna, flora e minerais. Era uma busca pelo viés da ciência.

Essa nova concepção de mundo vem das perquirições nascidas no “século das luzes” numa perspectiva de mundo cada vez mais laica. Acreditavam esses viajantes que só o conhecimento pelo viés geográfico e histórico possibilitaria uma visão mais completa, acurada e livre de superstições nascidas da concepção religiosa. O século XIX será todo ele marcado por esta investida no campo da experimentação e da visão in loco, das possibilidades. 

Assim os viajantes, geógrafos, cartógrafos e cientistas se lançaram ao experimento de viagens a mundos distantes para perceber novas fronteiras e formas diferentes de vida. Eles não vieram para descobrir, mas para redescobrir os detalhes das novas terras e novas gentes com costumes tão distintos.

Para o Brasil, no século XIX, vieram os estudiosos: Karl Frederic Martius, Carl Philipp von Martius (1817-1820), Augustin François de Saint- Hilaire (1816-1822), Georg Heinrich von Langsdorff, Alfred Wallace, Maximilian Alexander Philip de Wied-Neuwied (1815-1817), Burchel (1825-1830), Castelnau (1843-1847), Gardener (1836- 1841), Johann Emanuel Pohl (1817-1821), e muitos outros. Especificamente para a Província de Goyaz vieram: Sait-Hilaire, Johann Emanuel Pohl e os bávaros Johann Batist von Spix e Karl Friedrich Von Martius.

Vinham eles com a mente carregada de ciência num mundo ainda domado pela natureza bravia e pelos costumes mais primários. Fazem eles considerações dolorosas carregadas de juízo de valor e preconceitos. A maioria deles possuía formação superior e nos dão um quadro muito bem escrito sobre a riqueza de detalhes nas observações sobre a natureza, a população, seu cotidiano, suas festas religiosas, a descrição da imagem do espaço urbano e também rural, mas tudo tecido e temperado com a marca preconceituosa de homens doutos relatando sobre pobres roceiros ou provincianos derramados na placenta verde das matas.

Era um velho mundo, carregado de ciência e aprofundamento intelectual vendo um novo mundo ainda nascendo na luta bravia dos homens com a natureza exótica.

O que se percebe nos relatos desses viajantes é um estranhamento, uma crítica contundente aos nossos costumes, principalmente com as mulheres. Como se pode imaginar a vida de uma mulher em Goiás há mais de 250 anos?

Houve, porém, aqueles que vieram e ficaram e se integraram à nova terra com afinco e determinação. Foi o caso de Augusto Leverger, bretão cuabanizado, que, do velho mundo, trouxe a experiência como estudioso e cartógrafo e fez importante trabalho para os sertões de Goyaz e principalmente Mato Grosso.

O coração do Brasil, nos sertões de Goiás e Mato Grosso, eram regiões completamente desconhecidas ainda no século XIX. Foi graças ao dedicado e custoso trabalho dos primeiros geógrafos e estudiosos que essa parte do grande oeste passou a ser vislumbrada pela Coroa Portuguesa, principalmente na perspectiva de possíveis riquezas auríferas.

Pioneiro e arrojado, Leverger foi acima de tudo um estudioso e interessado pesquisador sobre o sertão do grande oeste, realizando viagens  importantes para suas pesquisas ao longo da vida, tanto quanto na função de estrategista de guerra, no período da Guerra do Paraguai, quanto nos ofícios burocráticos enquanto presidente da Província de Mato Grosso, época em que aprofundou na tentativa de dar visibilidade ante a Coroa Portuguesa, desse pedaço completamente esquecido do Brasil.

Goyaz deve a Leverger a intensa pesquisa sobre os limites entre esta província e a de Mato Grosso, quando, com imparcialidade, o mesmo reconheceu o erro de sua província em relação às terras limítrofes, na região hoje de Barra do Garças.

Augusto Leverger nasceu em 1802, em Saint-Malô, na Bretanha, e faleceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1880, aos 78 anos de idade. Escreveu dezenas de livros e relatos geográficos sobre as divisas de Mato Grosso, índios, fauna e flora, além de um precioso relato sobre sua passagem por Goyaz em 1855, ocasião em que pode conferir nossas riquezas vegetais e minerais e traçar mapas ligando Goyaz, antiga capital, Santa Cruz e a bela Cuiabá daqueles tempos.

Estudar e tornar conhecido o nome de Augusto Leverger em terras goianas é evocar a importância dos geógrafos para as deliberações políticas em todas as épocas no transcorrer da história.

 

(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, professor, mestre e mestrando em Geografia pela UFG. Pesquisador, escritor e poeta. E-mail: bentofleury@hotmail.com)

Fonte: Diário da Manhã