Reflexões sobre a modernidade

Aos ingratos que pensam que nada de novo acontece no panorama intelectual goianiense, vai aqui uma dica: já ouviram falar da Editora Ricochete? O projeto da professora francesa de filosofia, radicada em Goiânia, Céline Clément, que desde 2010 edita primorosos livros de filosofia e ciências humanas, merece bem ser conhecido por um público mais amplo.

Seus títulos, todos inéditos, são pinçados a dedo, com traduções exemplares, frequentemente em edições bilíngues. Focadas de início na tradição filosófica francesa, a Ricochete pretende também investir na produção teórica brasileira e em outras vertentes do pensamento filosófico contemporâneo. Para quem quiser saber mais, terá uma boa oportunidade hoje, no lançamento dos dois últimos títulos da Ricochete, no Café Cultura do Centro Cultural Goiânia Ouro, às 19h30.

O primeiro lançamento chama-se Filosofia: Entre o Ensino e a Pesquisa e é fruto das atividades de um grupo de pesquisa sobre o mesmo tema, tendo o volume sido organizado pela professora Carmelita Brito de Freitas. A segunda obra é uma brochura, de texto mais conciso, que fará parte de uma coletânea. O título escolhido para o lançamento de hoje é a defesa, feita em 1967, do filósofo francês Georges Canguilhem em relação àquele que tinha sido seu aluno e que estava causando grande barulho no meio filosófico da época: Michel Foucault.

Intitulado Michel Foucault: Morte do Homem ou Esgotamento do Cogito?, o opúsculo de Ganguilhem nos apresenta uma densa e veemente leitura das questões que Foucault acabara de publicar em As Palavras e as Coisas, especialmente em sua problematização acerca da nossa própria condição moderna.

Isso que chamamos de “modernidade” parece já tão evidente, nos muitos usos que lhe damos, que nos esquecemos das espessas camadas históricas nas quais ela se sedimenta e nas heterogeneidades que ela comporta. Segundo Foucault, não se pode ver a modernidade como uma coisa só, dotada de uma única lógica ou princípio organizador, que se estenderia desde o final da Idade Média até os nossos dias.

Foucault nos convida antes a uma ambiciosa expedição arqueológica, com o objetivo de revelar as diferentes sedimentações da modernidade, que tal como camadas geológicas sobrepostas vão organizando os diferentes séculos segundo sistemas de saber, ou “configurações de formas de apreensão”, contrastantes entre si. Esses “discursos” ou “epistemes”, como Foucault os chama, diferentes de acordo com cada época histórica, é que estabelecem as condições sobre as quais as formas de saber científico e filosófico se erigem.

E o que traz ainda mais fascínio ao texto de Foucault é que ele nos revela essas heterogeneidades não apenas discutindo os textos da tradição filosófica, mas também através de magistrais leituras de fenômenos nas artes – tais como a pintura de Velázquez ou a literatura de Cervantes – ou no pensamento científico das diferentes épocas.

Toda filosofia digna do nome é um convite para revermos o que sempre tivemos como certo. E o que Foucault nos brinda, com sua clarividência, é esse necessário exercício de não tomarmos como imutável nem o chão onde pisamos. Nas suas próprias palavras: “É ao nosso solo, silencioso e ingenuamente imóvel, que restituímos suas rupturas, sua instabilidade, suas falhas; e é ele que novamente se agita sob nossos passos.”


Leon Rabelo é mestre em comunicação pela UFG

Fonte: O Popular