Das páginas às telas portáteis

A falta de tempo do dia a dia e a lista incontável de eletroeletrônicos, tem tornado cada vez mais raro a cena de alguém lendo ou folheando um livro. Dizer que o hábito da leitura está morrendo ainda é uma afirmação precipitada. De acordo com levantamento da Câmara Brasileira de Livros (CBL) – em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores, divulgada em junho de 2012, esse costume está passando por atualizações e as pessoas estão preferindo livros eletrônicos ou, como também são conhecidos, ‘e-books’.

Conforme pesquisa, o País conta com aproximadamente 10 milhões de leitores adaptados ao novo formato, disponível em telas de tablets, smartphones, computadores e uma série de outros dispositivos. Embora 80% dos brasileiros ainda nunca terem lido um e-book, esse mercado se mostra promissor. Segundo a pesquisa, o número e títulos disponibilizados nas versões eletrônicas apresentou aumento de 50% entre 2010 e 2011.

Essa também é uma tendência mundial. Somente nos Estados Unidos, aproximadamente 25% dos leitores já adotaram a novidade. Dados divulgados pela Pew Research Center, no último mês de dezembro, mostram que o número de pessoas que usam leitores eletrônicos passou de 16%, em 2011; para 23%, em 2012. Na contramão, o índice de americanos leitores de mídias impressas caiu de 72% para 67%, em 12 meses.

Discussões

Mas é exatamente nesse ponto da conversa que surgem contradições. Há quem defenda o fim dos livros em papel e outros que acreditam na conciliação entre os dois meios.

Para a coordenadora da pós-graduação em Comunicação e Multimídia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Carolina Zafino, a substituição dos impressos por plataformas eletrônicas já começou e será um processo longo e contínuo. Ele explica que tudo se trata de uma mudança cultural, em que tecnologia supera meios de comunicação não interativos.

A professora ressalta que não há motivos para desespero. Ela diz que se trata de uma transformação positiva e natural, como tantas outras já vividas por gerações passadas. “Exemplo disso era a transmissão oral da cultura, que ganhou força podendo ser arquivada e imortalizada com o aparecimento da escrita. O que acontece agora é mais uma etapa do processo, em que as informações podem ser acessadas de forma mais rápida, prática e democrática, além de ser compartilhada em diversas partes do mundo.”

Carolina acrescenta que o processo de adaptação a essas novas plataformas não deve ser uma preocupação à sociedade. Ela pontua que a mudança jamais acontecerá de maneira brusca, “do dia para a noite”, mas lentamente. “Há instituições de ensino onde crianças já começaram a ser alfabetizadas por meio de aparelhos como tablets e notebooks e isso deve ser tornar ainda mais comum. Quanto às gerações que já estão inseridas no mercado de trabalho a reciclagem será natural, como aconteceu na inserção da internet no segmento corporativo”, detalha.

Na visão do escritor Caio Bruno Dias, por exemplo, as situação parece menos radical. Ele acredita na convivência harmoniosa entre os dois meios e defende que a paixão de muitas pessoas pelos livros, e outros tipos de mídia impressa, não deixará que o papel caia em desuso.

Coautor de coletâneas como Alguns (2012) e Letra Livre (2010) – lançadas a partir de textos, poemas, frases e imagens por editais divulgados na internet –, Caio Bruno explica que a tendência é de que mais autores escolham a publicação nos dois formatos. “Meu próximo livro Peg e Pag, que será lançado agora em janeiro, seguirá as duas linhas. Quero agradar a quem gosta das páginas físicas dos livros e das páginas eletrônicas dos e-books.”

O próprio escritor admite que acha mais fácil a leitura eletrônica, por meio do tablet. Ele explica que, com o aparelho, ele pode carregar quantos livros quiser em um pen-drive para qualquer lugar. “Gosto do livro impresso, mas à mais leve levar um tablet quando vou sair de casa.”

Equilíbrio 

Outras pessoas também parecem ficar satisfeitas com a harmonia entre o novo e o velho. Exemplo disso é a universitária Raíssa Crunivel, de 20 anos. Ela conta que gosta muito de ler desde criança e sempre fez isso de forma quase compulsiva. “Sempre li vários livros seguidos e com um ritmo muito acelerado, cerca de 300 páginas por dia. A leitura eletrônica para mim foi uma maneira de transportar esses livros de maneira mais fácil e de economizar, porque comprar um livro ou mais por semana seria impossível.”

Mesmo com o custo-benefício dos eletrônicos, a estudante admite que sua verdadeira paixão está nas páginas impressas. “Com o celular, posso ler em qualquer lugar em que eu estiver. Mas em casa, nada substitui o livro de verdade. Eu gosto de sentir o papel, de marcar onde parei e continuar daquela página específica”, acrescenta Raissa.

 

A jornalista Samantha de Paula Fukuyoshi, de 24 anos, também se divide entre entre as duas linhas. Ele diz que gosta de leitura digital e a prefere “em alguns momentos eu percebo que tenho de esperar muito tempo, como quando uso ônibus, viajo ou tenho que esperar algum evento ou entrevista”. Apesar dos contratempos, tem preferência pelos livros tradicionais. “Eu adoro livros físicos, mas para ler em casa, numa poltrona bem confortável, porque com a correria do dia a dia, se fosse carregar todos os livros que eu gosto de ler, certamente esqueceria um deles para trás.”

 

Mas jornalista defende a qualidade das versões digitalizadas e garante que já existe um bom acervo disponível na internet. “A Biblioteca Nacional, por exemplo, disponibiliza um grande acervo gratuito e dentro da legislação que torna uma obra domínio público”, diz.

Samantha acrescenta que, por esse motivo já leu muitos exemplares, muitas vezes tidos como obras clássicas. “Estou lendo dois livros no momento: Ditadura envergonhada, de Elio Gaspari; e relendo a Divina Comédia, de Dante Alighieri.”

Abreviações na internet não são erros gramaticais

Não dá para negar que o público dos e-books está intimamente ligado às redes sociais. A internet – acessada semanalmente por 87% dos brasileiros – além de disponibilizar a informação em tempo real, desenvolve suas próprias regras, especialmente quanto à escrita. De acordo com a coordenadora da pós-graduação em Comunicação e Multimídia da PUC Goiás, Calorina Zafino, as abreviações, muito frequentes nas redes sociais, configuram uma forma de linguagem específica do meio.

 

Segundo ela, a escrita reduzida traduz a urgência do veículo e não que as pessoas, necessariamente, não sabem escrever. Para ela, o fenômeno pode ser definido, no mínimo como “interessante”, uma vez que atribui oralidade à escrita. “Isso só se torna um problema quando crianças e adolescentes, que ainda cometem muito erros, usam com tanta frequência a linguagem que acabam levando esse padrão para as atividades escolares e o cotidiano.”

 

O professor de Linguística do Departamento de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Costa, concorda com o ponto de vista de Carolina Zafino. Ele diz que a forma reduzida de escrever – principalmente cortando vogais –, faz parte do estilo de conversação das redes sociais, que configuram uma interação rápida e, não raro, coletiva.

 

“Quando teclamos nas no Facebook, no Twitter e em outras redes, estamos passando por uma forma de relaxamento de regras e adotamos uma comunicação informal. Isso não deve ser considerado ruim, mas é importante saber que este é um novo padrão de aprendizagem, desentoa da característica corretiva das escolas, e que também tem suas influências.”

 

Professor recomenda cautela e policiamento na hora de escrever e-mail e outros documentos, como as provas, que requerem uma grafia formal. Entretanto, ele esclarece que, fora desses ambientes, a abreviação e neologismos não prejudicam o entendimento das mensagens. “O ser humano, quando aprende a ler e adquire prática nisso, não lê a palavras por partes e sim de forma inteira. É assim que entendemos que ‘vc’ quer dizer ‘você’ e que ‘blz’ quer dizer ‘beleza’”, ressalta.

 

Sobre uma possível mudança da grafia no futuro, influenciada pela escrita no meio online, Alexandre explica que é pouco provável que isso ocorra a médio e longo prazos. Ele diz que as possibilidades de transformação são intrínsecas a língua, mas com relação à forma falada. “Quando a fala se modifica, a escrita acompanha e se adapta. Mas, ao contrário, é muito difícil acontecer.”

Fonte: Diário da Manhã