Mais de 5 milhões de jovens estão fora da escola

Geração do ‘nem’ está fora do mercado de trabalho. Pesquisa desenha um futuro sem perspectivas para juventude brasileira

Levantamento do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) aponta que 19,5% dos 27,3 milhões dos jovens brasileiros, entre 18 e 25 anos, não estuda nem trabalha.
Esses mesmos jovens também não estão em busca de um emprego. Na totalidade, isso significa quase um jovem em cada cinco. Essa parcela da população, que passou a ser conhecida como a “geração nem-nem" (nem estuda nem trabalha), representa um universo de 5,3 milhões de pessoas.
O estudo aponta que alguns optaram por estar nessa situação, enquanto outros nela se estabeleceram contra sua vontade. O fato é que, independente do motivo, grande parte desses indivíduos (46,2%) pertence à parcela mais pobre da população brasileira, com renda per capita de até R$77,75.
Para o doutor em Economia pela New York University (NYU) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), Fernando de Holanda Barbosa, esse cenário pode trazer inúmeras consequências para o mercado. “Se hoje você tem um grande contingente que não estuda nem trabalha, logo terá uma geração inteira à margem da sociedade. São pessoas que o mercado jamais irá absorver”, alerta ele.
Na opinião do especialista, se o indivíduo não possui experiência profissional ou formação específica, poucas são as chances no mercado de trabalho.
“Ainda que hoje ele esteja nessa situação por vontade própria, não se pode esquecer que um dia ele precisará trabalhar e então não vai conseguir nada”, argumenta Holanda.
O economista diz que é preciso investigar as principais causas que levam esses jovens a abandonarem os estudos e não serem absorvidos pelo mercado, especialmente numa época de grande oferta de vagas. “Se agora temos mais de 5 milhões de pessoas nessa situação, em um momento de crise será pior”, prevê.
Flávio Sofiati, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e assessor em movimentos juvenis, propõe que essa realidade precisa ser investigada com maior rigor.
Para ele, é necessário analisar a fundo quem são esses jovens e os fatores que os levam a essa situação. “Um dos pontos principais passa pela educação que, em grande parte, forma para o mercado, deixando de criar cidadãos. É um modelo que não estimula a formação contínua”, observa.
Na opinião de Sofiati, não há incentivo ao desenvolvimento crítico, o que acaba afastando muitos da educação, principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos. “A escola é desinteressante, vista como um ambiente que reprime o alternativo. Muitos movimentos encabeçados por jovens veem na instituição um espaço de repressão.”
O sociólogo critica também o modelo econômico nacional, que não é capaz de gerar vagas “de carreira”, mas somente de mão-de-obra braçal, o que aumenta o desinteresse da juventide pela escola.
“Não é verdade que estão sobrando vagas no Brasil. Temos alguns setores, bem específicos, em crescimento. Mas a demanda mesmo está nos dois extremos: ou cargos muito especializados ou mão-de-obra braçal. Na realidade, ainda falta emprego”, acrescenta ele.
Sofiati destaca que o ideal seria inverter a lógica econômica, valorizando a produção interna e a qualificação de trabalhadores da própria região.
“Se esses indivíduos fossem criados em modelo de inclusão, não ficariam por vontade própria longe do mercado, pois saberiam a importância da inserção e estariam devidamente qualificados.”

Gravidez adia planos
Dentre os jovens que compõem a geração 'nem-nem', a situação das mulheres é a mais preocupante. Na faixa etária entre 15 e 19 anos, 55% dos jovens nessa condição é do sexo feminino. Dos 20 aos 24, há um salto diferencial entre os gêneros: 71% dos indivíduos são mulheres, índice que aumenta ainda mais a partir dos 25 anos de idade, com 79%.
Para o economista Fernando de Holanda, ainda que seja necessário um aprofundamento da pesquisa em relação às causas que levam à evasão escolar na juventude, é quase certo que esses números estejam relacionados à maternidade.
Ele admite que é grande o número de jovens que engravidam, adiam os estudos e abandonam o emprego para cuidar dos filhos. São elas que engrossam essa geração ao entrar em um ciclo vicioso de falta de qualificação, dependência financeira de terceiros e abandono social.
“Muitos são os problemas que estão por trás desses números. Falta planejamento familiar e faltam vagas em creches e escolas para que as mães possa deixar seus filhos com segurança. Sem contar o machismo ainda presente na sociedade, que impede que muitas delas saiam para trabalhar em busca de seu próprio sustento.”


‘dando um tempo’ nos estudos

Frank Mendes Valeriano, 18 anos, concluiu o 2º ano do Ensino Médio
    no ano passado, mas ao invés de se matricular na série seguinte, esse ano ele decidiu “dar um tempo” nos estudos. Mais novo de quatro irmãos, todos com formação completa e trabalhando, o jovem ainda pretende terminar o nível Médio e iniciar uma faculdade na área de Ciências.
Mas os planos foram adiados. “Ando muito descrente da escola. As aulas deveriam ser mais dinâmicas, mas a verdade é que não são nada motivacionais”, justifica o jovem, que mora com a mãe em Trindade e sempre foi aluno da rede pública.
Frank planeja voltar a estudar no ano que vem e, por isso mesmo, não pretende sair em busca de um emprego por enquanto. “Só quero dar um tempo”.
Sem compromisso com a escola ou
    com o trabalho, ela passa a maior parte de seu tempo em frente ao computador, dividido entre os jogos
    e as redes sociais. “Sei que vou perder o ritmo e que isso pode ser prejudicial no futuro, mas eu já decidi, e sou cabeça-dura”, argumenta, revelando que seus pais não gostaram nem um pouco de sua decisão. “Eles ficaram chateados. Querem o meu melhor”.


Sonho adiado pela gestação

Com a gravidez de sua primeira filha,
    Adrieli Ferreira de Jesus, 20 anos, teve que abandonar a escola aos 16. “Só deu tempo de concluir a 5ª série”, lembra ela. Na época, a jovem morava com o pai de sua filha e os dois dividiam as despesas.
O relacionamento não deu certo e ela acabou indo morar novamente com a mãe, a dona de casa Alaíde Araújo da Silva, 48 anos. “Eu cheguei a me matricular quando a minha filha estava um pouco maior, mas descobri que estava grávida pela segunda vez e tive que sair do emprego. Depois disso não consegui mais nada” lamenta ela, que aguarda a chegada do terceiro filho,
    que nascerá em abril.
Adrieli é um claro exemplo que engrossa as estatísticas da geração que não estuda nem trabalha. A história dessa moça mostra como a falta de formação e de experiência profissional, e o fato de estar fora do mercado de trabalho podem se tornar um circulo vicioso. O filho do meio de Adrieli, hoje com 2 anos de idade, vive com o pai e a avó paterna em Bela Vista de Goiás.
Segundo a jovem, a família de seu ex-companheiro não a deixa nem visitar a criança. “Eu o vi no Natal, mas nem sei
    o que eles fizeram com os presentes que levei”, conta, emocionada. Apesar de ser a mãe da criança, ela sabe que se encontra em uma posição desfavorável,
     e se sente encurralada quanto ao que fazer. “Eu quero meu filho comigo, mas
    o que posso fazer grávida, sem dinheiro, estudo ou emprego?”.
Apesar das dificuldades, Adrieli sonha
    em voltar a estudar e se arrisca a ir
    mais longe: “Sempre quis fazer Medicina. Talvez um dia consiga.” Durante toda
     a entrevista, os dois únicos momentos em que a jovem de fato se emocionou, deixando as lágrimas correrem sem nenhum pudor, foi ao falar do filho que está longe e quando lembrou do momento em que abandonou a escola. “Estudar é tudo na vida da pessoa. Ninguém pode te tirar isso. É a única coisa que eu quero para minha filha.
    Que seja diferente com ela.”

Fonte: Tribuna do Planalto