Polêmica tatuada na rede

 

Diretor do Procon de Goiânia ganha destaque nacional com mensagem que liga tatuagem a bandidos: hit na internet

O  novo diretor do Procon de Goiânia, Miguel Tiago (PT), deve ter feito o italiano Cesare Lombroso (1835-1909) se revirar no túmulo. Pelas constações do agente público de longa militância no Partido dos Trabalhadores, que  começa suas atividades na próxima segunda-feira, 90% dos ‘bandidos’ usam tatuagens. E a lógica é que espanta: homicidas e tatuagens estão ligados mais do que bandido e porte de arma de fogo, já que no Brasil as estatísticas indicam que 84% dos crimes contra a vida são efetivados por revólveres. E Lombroso disse exatamente o mesmo a respeito das tatuagens: quem tem pode ser criminoso.

A constatação de Tiago foi publicada no Facebook, rede social com maior número de usuários no mundo. A opinião repercutiu, para se ter ideia, na conta do twitter do apresentador de TV Danilo Gentili – que é um hit da indústria cultural seguido por 4 milhões de pessoas. E dali se espalhou pelo Brasil como pólvora.

Tico Santa Cruz, vocalista da banda Detonautas, por exemplo, fez uma cena com os dedos em posição vulgar para rebater a opinião do agente público.  “Esse senhor @MiguelTiagoPT é mais um equivocado. Se tatuagem fosse sinal de bandidagem seu partido deveria tatuar uma boa parte dos representantes que tem”, disse na rede social. Proporcionalmente, na história do Brasil, o PT é o partido com o maior número de expoentes condenados criminalmente. Gentili foi mais radical – tatuou a estrela do PT e partidarizou, de fato, o debate no Twitter e Instagram: “Hey @MiguelTiagoPT, curtiu minha tatuagem? Ou tá muito coisa de bandido?”.

O médico Cesare Lombroso foi expoente de uma modalidade de pesquisas do passado que tentava relacionar o tamanho do crânio das pessoas com a cabeça dos criminosos. Seus conceitos foram atropelados pelo tempo a ponto de ser apenas folclore nas disciplinas de Direito Penal e Criminologia. Agora, aparece Miguel Tiago com relações semelhantes. Lombroso disse, por exemplo, que o melhor exemplo do enfraquecimento da sensibilidade ‘dolorífica’ do criminoso era a inclinação para fazer tatuagem. Traduzindo: a prova de que a pessoa é má e bandida está na tolerância em fazer uma simples tattoo.

Paralelo a Lombroso, a descoberta do goiano, tão precisa (90%), no entanto, surgiu a partir de um ato de revolta – e justa revolta contra a criminalidade. Miguel foi assaltado recentemente em sua casa, no setor Jaó, em Goiânia. Diga-se, ele e a torcida do Flamengo são assaltados diariamente no Brasil. Mas ninguém consegue produzir um discurso tão esquisito. A crítica se volta, geralmente, contra a política, a probreza, organizações criminosas. Por isso, o episódio causou extrema revolta no Facebook e no segmento de tatuadores e tatuados, que apresenta uma população imensamente maior do que a população carcerária brasileiro. 

Surpresa

Conforme a tatuadora Bruna Silva, a opinião de Tiago pegou de surpresa os cultuadores desta forma de arte. “Acho uma grande ignorância da parte dele. Não conhece essa arte, esse trabalho. Acredito que tatuagem não muda o caráter da pessoa. Inexistem pesquisas neste sentido, nem de que quem gosta de tatuagem tem vocação para o mal. Ou de quem é mal gosta de tatuagem. É uma opinião muito equivocada, antiga, tradicional e ignorante”, diz a designer.

Bruna questiona a posição pública do político derrotado na disputa para vereador, em 2012: “O cargo que ele ocupa deveria exigir mais responsabilidade. Ele julga o que não conhece. Utiliza de forma irresponsável uma mídia eletrônica para atacar um grupo determinado de pessoas”.

Juarez Marques Neto afirma que é uma monstruosidade chegar a esta constatação. “Que pobreza de espírito, que preconceito. É totalmente fora da realidade. Ele nunca viajou para fora? Não sabe a dificuldade de executar esta arte e qual o significado dela?”.

Juliana da Silva Rodrigues diz que é casada com um tatuador e ama a tatuagem como existem pessoas que admiram obras de arte, música e teatro. Afirma que tem dois filhos, paga suas contas em dia e os impostos que remuneram o diretor do Procon. “É revoltante ouvir isso. Ele não sabe que temos aqui um casal de promotores que foram tatuados recentemente, juízes, médicos, advogados como ele. Ele deveria retirar o que disse”.  

Juarez afirma que é trabalhador como Miguel Tiago. A diferença é que não vive às custas do poder público. “Ganho 10, 15 mil reais por mês, pago meus impostos, e vem um ‘cara’ desses falar isso. O que ganho, ganho trabalhando. E não sei se político faz isso”, disse ao DM.

Salmo

Três dos cinco tatuadores consultados pelo DM acreditam que as palavras de Miguel Tiago não merecem ser questionadas com ações judiciais. “É uma coisa que não vale a pena. Já fez o estrago”, diz a evangélica Bruna, que tem o Salmo 91 tatuado exatamente para proteger de qualquer preconceito: “Mil cairão ao meu lado, dez mil a minha direita, mas eu não serei atingido porque o Senhor está comigo!”.

João Maurício, tatuador e líder do segmento em São Paulo, afirma ao jornal, entretanto, que estuda seguir o mesmo caminho dos ateus, que foram comparados a criminosos pelo apresentador José Luiz Datena. No episódio, a Justiça Cível de São Paulo condenou Datena ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais. “É uma solução. Está na hora de uma ação dessa ser apresentada ao Judiciário, pois já teve caso em que Concurso Público exigiu candidatos não tatuados. É uma aberração”.  

A reportagem do DM tentou localizar Miguel Tiago durante a tarde de ontem para comentar a repercussão negativa do que disse, mas não o encontrou. Pela manhã, ele disse à imprensa que retiraria as expressões da rede social para evitar polêmicas. No twitter, Tiago afirmou que foi incorretamente interpretado. “Meus filhos gostam de tatuagens, e como não generalizei se um dia eles aparecerem com alguma, não iria chamar eles de bandidos”.

Em outra publicação, pediu desculpas: “Desculpem mais (sic) foi um desabafo: Ficar amarrado e vendo os filhos amarrados na mira de um revolver é traumático. Ficou a imagem das tatuagens”.  

Desabafo do diretor é motivado por crime

Após o assalto realizado em sua residência, Miguel Tiago externou um verdadeiro desabafo na rede social. Escreveu: “Tatuagem e bandidagem estão associados. Pode haver exceção. Mas é EXCEÇÃO!!!!”.  Em seguida completou: “Fui amarrado, enquanto “limpavam minha casa”, não pude ver o rosto dos bandidos, mas visualizei bem suas TATUAGENS. Há ligação!!!”.  Depois explicou o contexto da experiência ‘in locu’ que realizou na delegacia: “A pedido da polícia fui verificar todas as fotos dos possíveis suspeitos na DEIC. Pasmem: 90% deles com tatuagem. Conclua vc mesmo!!!”.

Tiago não leva em conta, por exemplo, que suspeito não é criminoso. Estudos e pesquisas realizadas na Universidade Federal de Goiás (UFG) e Gama Filho (Rio de Janeiro) sugerem que 80% dos suspeitos não são indiciados e que do universo dos indiciados, aqueles que ‘podem’ ter praticado um crime, apenas metade acaba condenada. Ou seja, nem mesmo as fotos que viu sugerem, de fato, que estava diante de apenas criminosos.  

No desabafo, após a primeira manifestação de seus seguidores, ele começou a diminuir sua ira contra os tatuados: “Tenho grandes amigos que têm tatuagem e não são bandidos. Mas a maioria dos bandidos tem. Observem com rigor!!!”. Quase voltando à normalidade, distante da paixão que se inseriu, pediu desculpas: “Desculpe o meu desabafo! Mas o trauma do assalto foi muito grande!”.

Repercussão negativa na rede

A repercussão negativa das palavras de Miguel Tiago chegaram em momento que existe maior controle das ações dos agentes públicos e midiáticos por conta da sociedade. O apresentador Rafinha Bastos, por exemplo, foi condenado por injuriar e ferir moralmente a cantora Wanessa Camargo e sua família. Enquanto José Luiz Datena foi obrigado a retirar o que disse quanto aos ateus, um delegado do Rio de Janeiro foi ontem exonerado por comentários machistas contra as mulheres externados no Twitter. Pedro Paulo Pontes Pinho pediu desculpas na rede social, mas mesmo assim perdeu seu emprego.

O vereador Djalma Araújo, do mesmo partido de Miguel Tiago, disse no Twitter que “um homem que tem carisma e, que inclusive, se propõe a ser agente público, precisa antes de tudo respeitar a diversidade cultural”. Djalma também suscita não conhecer mais o antigo colega: “A declaração de Miguel Thiago é de causar estranhamento. O conheço desde a juventude, na época de fundação do PT, e ele adorava uma tatuagem”.

A deputada federal Marina Santa’ Anna, também do PT,  sem citar o companheiro de partido, disse que inexistem diferenças entre as pessoas por conta de piercing, tatuagem ou roupas. “Qual a diferença de uma pessoa com tatuagem ou sem, ou brincos, ou cabelos compridos, piercings, roupas da moda ou não? Nenhuma por isso!”.

Existe uma mobilização na rede para que diversos motoclubes façam uma ação contra o gestor público da Prefeitura de Goiânia. O jornalista Almiro Marcos, do Correio Brasilienze, fez ironias: “Miguel Tiago foi confirmado ontem como chefe do Procon Goiânia. Defenderá os direitos dos consumidores honestos (ou seja: sem tatuagens)”.

A maioria dos tweets voltaram para a própria classe dos políticos: “@Giordaniabessa@jordevarosa Tem bandido que não tem tatuagem, vamos olhar os de colarinho branco no senado por exemplo”. No Instagram, as agressões foram mais pesadas: “flazani: Essa foi boa!!! Em nenhum presidio de segurança máxima você ira encontrar alguém com uma tatoo destas..... O PCC e fichinha perto deles!!!!”, em referência a estrela do PT no braço de Danilo Gentilli.  Rchardradtke atacou: “Se tatuagem fosse coisa de bandido o Genoino tinha até o fiofó tatuado”.

O poeta goiano Marcus Caiado fez um trocadilho bem humorado com a situação: “Tatuado. Tá autuado!”, talvez em referência ao antigo cargo de Miguel Tiago, ex-gestor da Agência Municipal de Trânsito (AMT), órgão responsável por multar a população. 

Fonte: Diário da Manhã