Dobradinha de Bergman e Woody Allen

O Cine UFG, apresenta a partir de amanhã, em duas sessões diárias a mostra Bergman e Seu Discípulo, Woody Allen, que prossegue até o dia 30 e reúne filmes dos dois diretores. Quem está acostumado com as comédias do norte-americano Woody Allen pode estranhar a associação do diretor da comédia Noivo Neurótico Noiva Nervosa com o criador dos densos O Sétimo Selo e Gritos e Sussurros, algumas das obras-primas do sueco Bergman.

Porém, desde o início da carreira, Woody Allen, que começou se apresentando em teatros, se declarou um fã do cineasta escandinavo. Em seus filmes, repletos de referências ao próprio cinema, sempre havia uma citação, direta ou não, a Bergman. No final dos anos 70 e nos anos 80, quando o diretor norte-americano arriscou-se em dramas mais densos, como Interiores (de 1978), as comparações, apesar de não serem absolutamente necessárias, foram inevitáveis.

Em Interiores, saem de cena as costumeiras gags hilárias sobre hipocondria, as piadas sobre alter-ego e o judaísmo e as conquistas amorosas atrapalhadas de filmes como Sonhos Eróticos numa Noite de Verão, e o cinema de Allen mergulha nos tons cinzas e frios de uma família à beira do esfacelamento num fim de semana à beira da praia. A crítica se dividiu à época do lançamento: enquanto alguns classificaram Interiores como pretensioso, outros aprovaram a ousadia de Allen em sair de sua zona de conforto.

A partir daí, o diretor se dividiria entre novas comédias, algumas rasgadas, como Dirigindo no Escuro, dramas mais lúdicos, como A Rosa Púrpura do Cairo, e dramas híbridos, como o suspense e o noir, caso de Match-Point. Bastante produtivo, com uma média de um filme a cada dois anos, o cineasta tem uma trajetória que nem sempre é bem recebida pelos críticos, mas que mantém um público fiel e é um dos raros exemplos de boas bilheterias dentro do cinema mais autoral e adulto feito por um cineasta dos Estados Unidos. Na Europa e no Brasil, Allen permanece como um dos diretores fora de Hollywood mais populares e respeitados pelo público.

Afinidades eletivas

Lisandro Nogueira, professor da UFG e crítico de cinema, curador da mostra, avalia que as influências do cinema de Bergman na obra de Woody Allen são bastante visíveis. “Personagens densos, conflitos existenciais, diálogos eruditos e atores escolhidos com precisão. Outro ponto em comum e fundamental: o amor pelo cinema. Para eles, trabalhar com cinema não é apenas um oficio, é uma arte. Allen diz que Bergman ‘não gostava de fim de semana, de férias, de dias ensolarados. São as mesmas particularidades que eu tinha’. Fazer cinema é como trabalhar em seu lazer. E era dessa forma que ele se sentia também”.

Outro ponto em comum entre os dois cineastas e que o curador ressalta na mostra é o chamado cinema de autor. “O Cine UFG escolheu os melhores filmes do mestre e de seu discípulo. Sem as amarras do cinema industrial, eles edificaram narrativas mais livres e desejosas em interpelar os sentidos. Optaram pela tragédia em detrimento do melodrama”, avalia Lisandro. O professor, no entanto, avisa sobre o principal diferencial entre eles: “Bergman tem pouco ou quase nada de humor. Allen ri dele mesmo e nos faz rir de nós mesmos”.

Além dos filmes, a mostra tem um debate programado. No dia 19, após a exibição de O Sétimo Selo, às 17h30, Daniel Christino (professor de Filosofia e Comunicação da UFG) e Carlos Afonso Rabelo (teatrólogo), vão falar sobre o clássico da década de 50, no qual Bergman apresenta um cavaleiro medieval desiludido com a guerra e a peste e, principalmente com Deus. Quando a morte chega, ele a convida para um jogo de xadrez e tenta descobrir um pouco mais sobre o sentido da vida e o que há do outro lado antes da jogada final.

Os filmes vão ser exibidos em duas sessões diárias, como é de praxe no Cine UFG, às 12 horas e às 17h30, de segunda a sexta, exceto feriados. A grade de programação alterna os longas de Woody Allen e Bergman.