Você coleciona o quê?

Mesmo quem nunca colecionou nada com certeza conhece alguém aficionado pela prática de juntar algum tipo de objeto. Selos, brinquedos, xícaras, revistas, cartões-postais, figurinhas, latinhas, moedas, dinheiro, carros antigos, discos de vinil... A lista de possibilidades é infinita e é motivada por uma paixão que aparece desde a infância ou ocorre por acaso, pelo simples despertar de um interesse particular. É justamente essa característica o que faz da coleção um agradável hobby que ainda sobrevive em meio a um mundo cada vez mais tecnológico.

Segundo o historiador e mestre em museologia e patrimônio Michel Platini Fernandes, também professor do curso de Museologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), a prática do colecionismo só sairá de moda quando “respirar e comer também saírem”. “Colecionar não é um instinto vital, mas é inerente ao ser humano. Por meio da coleção nos humanizamos, pois ela é a expressão de que somos seres complexos que querem água e comida, mas também querem significar suas paixões, emoções, apreender a realidade e dar sentido ao mundo em que vivem por meio de vestígios materiais”, observa.

Luiz Reginaldo Fleury, de 72 anos, é a própria tradução do que afirma o professor Michel Fernandes. Já são 66 anos de história com suas coleções. Ele possui tantos selos que nem se recorda da quantidade guardada. “São centenas, milhares...”, esforça-se para lembrar. Quanto aos gibis, outra paixão de Luiz Reginaldo, calcula mais de 15 mil. O entusiasmo por juntar objetos começou aos seis anos de idade, por estímulo de sua mãe que comprava o gibi infantil O Tico-Tico – considerada a primeira revista de quadrinhos do Brasil – para os três filhos, na intenção de incentivar a prática da leitura.

Ela, certamente, não imaginava que aquela iniciativa fosse virar mania de um dos filhos. Luiz Reginaldo passou a ler e comprar histórias do Super-Homem, Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Mulher Maravilha, Batman e outros. Na coleção, destaca uma raridade. Vários números da década de 1940 e 1950 do Gibi Mensal (revista brasileira de história em quadrinhos, cujo lançamento ocorreu em 1939) e do Globo Juvenil Mensal (publicação infanto-juvenil lançada em 12 de junho de 1937 pelo jornalista Roberto Marinho).

Astronautas

Fã do Flash Gordon – segundo herói espacial das histórias em quadrinhos (o primeiro foi Buck Rogers) –, ele começou a juntar selos de uma coleção da conquista do espaço que começa em 1957 e vai até 1966. Depois disso não parou mais. Em outubro de 1966, em Brasília, em comemoração à Semana da Aeronáutica Brasileira, Luiz Reginaldo foi convidado para realizar uma exposição aberta ao público com seus selos espaciais.

Os astronautas Neil Armstrong e Richard Gordon, que em 1969 iriam à Lua, estavam presentes no evento. “Eles ficaram interessados nos selos russos. O Armstrong ficou admirado com um selo que tinha o rosto dele, pois nem sabia que tinha sido homenageado”, recorda-se.

Além dessa coleção histórica, Luiz Reginaldo tem outras raridades: o primeiro selo da Inglaterra de 1849 e o primeiro do Brasil (Ouro de Boi) de 1843. “O valor histórico é inestimável”, diz.

 

Acaba um dia?

04 de junho de 2013 (terça-feira)

O legado que todos esses colecionadores deixarão aos herdeiros e à sociedade tem imenso valor histórico e são muito mais que um hobby. A opinião é do historiador Michel Platini, segundo quem a coleção tem por princípio básico a conservação, a documentação e a comunicação, por meio da exposição de seus itens. E um acervo de selos, gibis, carros antigos e vinis, como os mostrados nesta reportagem, continuará cumprindo esse papel por longos anos.

Michel observa ainda que o desenvolvimento dos meios técnicos leva a humanidade a um paradoxo até então nunca vivido na história, pois nunca se teve tanta capacidade de registrar e armazenar informações quanto agora. “Por um lado, isso representa uma grande vitória do ser humano sobre o tempo. Por outro, nos faz banalizar a cultura colecionista, pelo simples fato de que agora a tudo podemos guardar, se não para sempre, mas por muito tempo”, considera.

No entanto, a tendência, de acordo com o historiador, é que com o desenvolvimento e a ampliação do papel dos museus nas sociedades, a educação para a memória promovida por estas instituições provocará uma mudança de paradigma. Ao invés de desejar guardar tudo, o ser humano vai qualificar a seleção de objetos, arquivos e memórias eletrônicas e orgânicas. “Então não acredito que o colecionismo vá acabar, mas o desenvolvimento das novas tecnologias nos fará aprender a elaborar critérios para valorar de forma mais racional aquilo que queremos preservar.”