Justiça na cola dos difamadores

Casos Bordoni e Paulo Henrique Amorim devem duplicar ações na Justiça. Doutor em história foi agredido no Facebook e conseguiu retratação

Nos últimos meses, uma série de decisões judiciais tem colocado em cheque o que se batizou de abuso da liberdade de expressão e de imprensa. O Brasil impede a censura e permite a livre manifestação do pensamento, um corolário que está mais do que claro nas cláusulas pétreas da Constituição Federal – na escala de leis de um país, a mais importante de todas, daí sua reverência. 

Todavia, redes sociais, blogs e mídia em geral ainda fazem questão de ser meio de expressão chula, inverídica, maldosa e muitas vezes caluniosa de pessoas públicas ou não. Independente da origem das agressões, a Justiça começou a colocar pingos nos is.

 No final de maio, o radialista goiano Luiz Carlos Bordoni, por exemplo, foi condenado a pagar uma indenização de R$ 200 mil ao governador Marconi Perillo. No mesmo mês, o jornalista Paulo Henrique Amorim, também foi condenado por cometer ato ilícito contra a honra do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o jurista Gilmar Mendes. Em todas as situações cabem recursos.

 Em outro processo, a jornalista Alcinéa Cavalcante foi condenada a pagar mais de R$ 2 milhões em indenização por danos morais ao senador José Sarney (PMDB-AP). Neste caso, a condenação já transitou em julgado (não cabe mais recursos) e o processo se encontra atualmente na fase de execução. As contas da jornalista estão todas bloqueadas devido a uma nota publicada no blog (www.alcinea.com).

Conforme levantamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aumentou em 170% o número de ações referentes a crimes contra a honra. Para começar uma investigação ou ação basta sentir-se ofendido e buscar a delegacia – no caso de reparação criminal. Mas é a Justiça que vai avaliar os contornos e a verdade da ofensa. 

No Brasil, portanto, não é proibido manifestar o pensamento, mas dependendo do conteúdo, você terá que indenizar alguém ou alguma instituição, além, claro, de ser condenado  criminalmente. 

O problema acontece quando se fala algo extremamente injuriante, uma mentira deslavada ou um fato que parece verdade, mas não se consegue provar. 

Em junho do ano passado, o professor Rogério Lustosa Victor, doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), publicou um artigo no Diário da Manhã e no jornal O Popular que foi parar no Facebook. 

Na internet, um professor da escola Olimpo, de Goiânia, se achou no direito de criticar Lustosa. O autor do texto foi tratado como pseudo-intelectual.  Eis o problema: como provar em juízo que um doutor em história é pseudo-intelectual? 

A diatribe apenas começava a se virar contra o professor do Olimpo. Rogério foi até uma delegacia de Goiânia e apresentou queixa-crime contra o oponente. No Primeiro Juizado Especial Criminal, em Goiânia, no último dia 16 de maio, Ádino José Cardoso precisou retirar tudo que disse e se retratar. 

A posição humilhante coube a Ádino. Afinal, se tem uma coisa que Rogério faz é estudar e pesquisar, inclusive com livros publicados. Provar o contrário seria impossível. 

E o que Lustosa falava no artigo? Uma verdade ululante: a obrigação de se ter licenciatura para exercer o ofício de professor. Lustosa foi agredido por falar o que manda a lei. Como muitos exercem a função de forma, digamos, improvisada, acabou sobrando para Rogério. “Vale lembrar, como alerta, que a história poderia ter tido outro desfecho, já que a legislação prevê pena de reclusão de até seis meses de cárcere para delitos dessa natureza, podendo ser dobrada quando a injúria é difundida em espaços de grande circulação, como o Facebook”, diz Rogério. 

O governador Marconi Perillo tem também manifestado descontentamento quando alguém fala algo que considera inverdade ou calúnia. Parte da imprensa grita, mas porque está mal acostumada com a letargia da maioria dos políticos ou não entende o conteúdo da lei. 

Existem três formas de lesão contra a honra: a injúria, a calúnia e a difamação. O público e a imprensa, por exemplo, tem a informação equivocada de que pode caluniar e difamar o político. Mas não é bem assim: na Jurisprudência existe uma ampla gama de condenações por calúnia e difamação. 

Falta perceber uma tênue diferença entre os tipos: a injúria é tratada com parcimônia. Na doutrina do Direito, explica o penalista Damásio de Jesus, ela é a agressão à dignidade ou ao decoro de alguém. Afeta o sentimento próprio, aspectos físicos e morais. Sendo um  sentimento subjetivo, portanto, o político tem, sim, reduzida a possibilidade de reclamação neste quesito, afinal seu ofício trata de coisas públicas e de interesse de todos. Aqui vale a máxima de que se está na chuva, é para se molhar. 

Por sua própria natureza, inclusive, o político está envolvido com uma gama maior de suspeitos, corruptos e sentenciados – como Carlos Cachoeira, por exemplo. 

Entretanto, ao contrário da injúria, quando agride o político, a calúnia e a difamação dificilmente são esquivadas da dura mão da Justiça. Se falar, tem que provar. E não adianta dizer que leu no jornal, ouviu na rádio ou o vizinho garante a informação.  A prova deve ser material (documentos, condenações, assinaturas, vídeos, etc) ou testemunhal. Fora disso, é quase certa a condenação.

 Políticos optam por ações de indenização

 A política é um ofício que costuma dar prazer aos que dela usufruem. Dizem que o poder chega a ser afrodisíaco. Mas as consequências desse exercício não raro podem afetar a imagem da pessoa e consequentemente a própria honra. Se político vive de imagem, nada mais natural do que a proteção dela. 

Depois de praticamente abandonar a política, o ex-governador de Goiás Henrique Santillo, na década passada, passou um pito moral no ex-ministro Ciro Gomes.

 

 

O político cearense disse que Santillo, ex-ministro da Saúde,  teria praticado atos de corrupção, tendo até mesmo hospitais em seu nome. Em bom português, disse que ele era ladrão. Henrique Santillo então simplesmente pediu para que Ciro provasse o que disse. Se na lei penal ladrão é quem rouba ou furta, onde estava a condenação? Como não provou, Ciro acabou sendo obrigado a indenizar Santillo.

 Eleições

 

 uando o político lidera uma disputa eleitoral ou provoca inveja nos adversários está armado o espaço para a prática de crimes e atos ilícitos contra a sua honra.  Qualquer advogado criterioso pode encontrar provas de crimes em inúmeros rastros deixados em redes sociais ou nas mídias. 

Durante a campanha eleitoral de 2010, por exemplo, Marconi Perillo se transformou até em estuprador. O ex-prefeito de Silvânia, João Correia Caixeta disse isso e foi obrigado a indenizar o governador em R$ 50 mil por danos morais. 

O próprio ex-prefeito Iris Rezende (PMDB), que também concorreu naquela disputa eleitoral, precisou se retratar com Marconi Perillo, que aprendeu a exercer seu direito ainda no curso de Ciências Jurídicas.  

 

 

A maioria dos pedidos para a Justiça, entretanto, não visa a condenação criminal. Quando o político opta em buscar a Justiça ele acaba estipulando um código próprio de conduta. Só pede a condenação criminal nos casos em que sofreu uma grave lesão – como numa reta final de campanha eleitoral.

 Na maioria das vezes, o pedido refere-se apenas a uma condenação civil via indenização por danos morais. Assim, pega no bolso quem não tem freios na língua.

 É o caso, por exemplo, do ex-deputado Ivan Ornelas, que conseguiu uma reparação de R$ 312 mil  do PT. No auge do mensalão, em 2007, o partido optou em expulsar Ornelas da sigla, justamente por que ele falava uma triste verdade: o mensalão manchava a imagem do partido.  

Ornelas não apenas queria anular sua expulsão da sigla, mas também limpar a honra por meio de um pagamento em dinheiro.  Conseguiu as duas.

 Nada impede, entretanto, que a pessoa, seja político ou não, ingresse com ações penais. A grande questão é o peso na consciência de ver alguém condenado e perdendo a primariedade. 

No caso da prática de difamação contra político, por exemplo, é possível que a pena seja aumentada em um terço. É verdade: existe a possibilidade de quem alega a informação provar o que disse. Neste caso, o crime deixa de existir – fato que não é possível no caso da injúria. 

 No caso da difamação, a chamada exceção da verdade somente é aceita se o objeto de difamação é funcionário público e a ofensa seja relativa ao exercício da função pública.

 Falar mal dos outros é prática antiga: está na Bíblia

 Falar mal dos outros é comum, quase uma mania – e conforme autores da Bíblia, como Paulo e Tiago, um pecado. Se nos céus, em tese, o pagamento é posterior e eterno, aqui na terra rende condenações que se concretizam rapidamente, em meses. Cerca de seis a doze meses – o tempo que demorou no caso de Bordoni, por exemplo – são suficientes para ocorrer uma condenação em primeira instância.

 O conteúdo da sentença do juiz Ricardo Teixeira, responsável pela decisão contra o radialista goiano, é comum em outras peças, até mesmo em seus adjetivos: “Cuida-se de lesão seríssima. O autor, na condição de governador do Estado, foi acusado de caixa dois, insinuando-se que estaria envolvido no escândalo Carlinhos Cachoeira, com repercussão no País e no exterior”. 

O magistrado afirmou que Bordoni não comseguiu provar o que alegou, dando, assim, espaço para a cobrança da indenização. Na imprensa, Bordoni se mostrou contrário à sentença e afirmou que apresentaria recurso contra seu conteúdo.

 Internet

 O caso de Paulo Henrique Amorim é outro que mostra a necessidade de se tomar cuidado com o que se escreve na rede de computadores.  Ele terá que pagar R$ 100 a Gilmar Mendes, que já fornece uma conta de entidade beneficente para que seja paga a quantia.

 

 

O jornalista disse que Mendes “transformou o Supremo Tribunal Federal num balcão de negócios”. Foi chamado a explicar sua declaração. A defesa de Paulo Henrique disse que tratava-se de uma metáfora. O juiz quis entender então a metáfora. E ela significava uma grave lesão à imagem do magistrado.

 

 

O advogado do jornalista, Cesar Klouri , diz que internet é diferente de outras mídias. “A mídia digital tem uma característica especial, irreverente no tratamento, acentuada com relação à crítica, sobretudo com relação a personagens públicos”.

 

 

O historiador Rogério Lustosa também acredita que a internet seja um espaço diferente – e exatamente por isso pede maior cuidado dos usuários: “Os debatedores comumente perdem a noção de que, embora eles estejam muitas vezes fisicamente no espaço privado (em suas próprias casas), as palavras que ele dispõe na rede de computadores invadem o domínio público. Não ter essa noção pode levar o “debatedor” a incorrer no crime de injúria”.

Fonte: Diário da Manhã