Decepção e crise de representatividade

Saúde, educação, gastos públicos, corrupção e privilégios dos políticos estão no rol de queixas da população que surgiram a partir dos protestos contra os aumentos das passagens de ônibus em várias capitais brasileiras. Para a socióloga e antropóloga Nágila Ibrahim El Kati, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), essa diversidade de temas resume-se em um desejo latente dos brasileiros: aprofundamento da democracia.

“As pautas dos movimentos sociais não caem do céu. Esse grito por uma maior prestação de contas dos gestores públicos são fruto do nosso atraso em promover mudanças profundas e estruturais na sociedade”, afirma a socióloga.

Nildo Viana, sociólogo da Universidade Federal de Goiás (UFG), aborda a crise de representação que assola todo o mundo. De acordo com ele, os representantes eleitos não fazem o que o eleitor espera, o que gera primeiro uma recusa e depois uma politização das pessoas.

“A reforma política sozinha não garante mecanismos efetivos da população participar dos processos de decisão. O exercício da democracia não se resume ao voto e a prática da política não é exclusividade de quem ocupa cargo público. Os políticos terão que se acostumar com a sociedade intervindo diretamente nos processos decisórios”, sustenta Nildo.

Nágila El Kati ressalta que os últimos governos brasileiros frustraram o povo na promessa de fazer reformas que resguardassem os interesses do povo e ampliassem a participação direta das pessoas nas decisões sobre os rumos do país. E a decepção foi ainda maior pelo fato dos últimos presidentes brasileiros terem sido de partidos que em tese são de centro esquerda: PSDB e PT. “Ambos agiram como as elites mais atrasadas, sobretudo no que se refere à resistência em modificar as regras eleitorais que favorecem o poder econômico. O povo percebe isso”, afirma.

Os sociólogos lembram que apesar do Brasil ser a sexta economia do mundo, ocupa a 85° posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Os ganhos econômicos até diminuíram a desigualdade, mas não interferiram na estrutura que mantém essa desigualdade. É nesse ponto que o movimento passe livre quer tocar”, analisa o sociólogo Dijaci de Olveira, da UFG.

Para Nágila El Kati, a luta por transporte público está longe de ser uma “demanda menor”. “Esse tema nos obriga a refletir sobre a política das cidades, do acesso aos espaços, mostrar que problemas vêm se arrastando até chegar num ponto insustentável. Depois do enfrentamento com a polícia, finalmente esses grupos foram ouvidos. E continuarão sendo. Esse é o recado das ruas”, diz.

Fonte: O Popular