“A UFG cresceu muito nos últimos anos, mas tem potencial para muito mais”

Para o reitor eleito, desafio passa por maior avanço em pesquisa e pós-graduação. Futuro gestor da Universidade Federal de Goiás defende as cotas e a vinda de médicos do exterior

Não fosse pelo capitão da Marinha José Car­los de Almeida Azeve­do, professor que de 1976 a 1985 comandou — sob a bênção da ditadura militar — a Universidade de Brasília (UnB), Orlando Afonso Valle do Amaral não teria a Universidade Federal de Goiás (UFG) em sua trajetória acadêmica. O sucessor de Edward Madureira Brasil foi perseguido pelo linha-dura Azevedo, que não concedeu a ele a autorização para fazer doutorado em Física na Inglaterra. Orlando pediu demissão e seguiu para a Europa. Voltou em 1982, como bolsista do Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e passou no concurso para a UFG em 1984.

O motivo para a perseguição do colega — Azevedo, que morreu em 2010, também era físico — era que Orlando seria uma “pessoa de esquerda”. Hoje o mineiro de Raul Soares, município de 24 mil habitantes, é o reitor eleito da UFG, em chapa única composta com o diretor do campus de Catalão, Manoel Rodrigues Chaves, seu vice.

Orlando Amaral já tinha sido candidato a reitor em 2001, quando a vencedora foi Milca Severino Pereira, reconduzida ao posto na primeira abertura para a reeleição. Em 2005, preferiu apoiar Edward, passando a integrar a cúpula da gestão, no cargo de pró-reitor de Ad­ministração e Finanças, que ocupará até o fim do ano. O futuro reitor se disse surpreso pelo fato de não ter tido concorrentes no processo de consulta à comunidade universitária. “Na reeleição do professor Edward [em 2009], ele foi candidato único, mas era outra circunstância, pois a UFG estava no meio do projeto de expansão do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expan­são das Universidades Federais (Reuni) e era natural que ele fosse candidato único. Supúnhamos que ao fim de seu mandato, outras candidaturas apareceriam, mas não foi o que aconteceu.”

Elder Dias — O sr. não teve concorrente na campanha para reitor da UFG. Ao que o sr. atribui esse fato? Foi mais tranquilo?
Não foi assim, até porque uma eleição com candidato único também não é fácil, pois há certa acomodação por parte das pessoas e fazer campanha nessas circunstâncias é complicado. Mas achei que a avaliação da candidatura pela comunidade foi positiva tanto pelo trabalho realizado através dos anos quanto pela composição da chapa, formada com o professor Manoel Cha­ves, diretor do campus de Catalão.

Cezar Santos — O sr. não acha que foi uma avaliação plebiscitária de uma universidade, que quer dar continuidade ao trabalho que está sendo feito?
Sim, acho que é isso, mas não temos a menor pretensão de pensar que somos unanimidade dentro da UFG, pois não somos. Felizmente, a universidade tem pessoas que pensam de forma diferente, é um ambiente plural. Não queremos que a universidade que estamos pensando seja o único modelo.

Frederico Vitor — O sr. foi candidato em 2001. Quais eram suas principais propostas naquela época?
Não digo em relação a propostas, mas nossa principal bandeira era a de que reeleição não seria uma boa alternativa. À época a professora Milca estava candidata à reeleição e acabou ganhando. Mas minha posição era essa, pois era a primeira vez que isso acontecia na universidade. Hoje, as coisas mudaram. Mas uma proposta na época era uma maior ênfase na área da pesquisa dentro da universidade, até por eu ser fruto dessa área.

Elder Dias — O sr. acha que a reeleição do professor Edward foi positiva para a instituição?
Foi muito positiva.

Elder Dias — Isso significa que o sr. mudou seu pensamento acerca da reeleição?
Sim, mas isso não significa que a defenda. Aceito que essa é a regra do jogo, mas à época era um fato muito novo e causou certo estranhamento na universidade.

Cezar Santos — Foi preciso mudar o regimento da universidade para haver reeleição?
Não. Houve uma lei federal autorizando a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e isso rebateu nos outros níveis também. Mas não foi necessário mudar o estatuto, porque ele não dizia nada específico sobre esse detalhe.

Cezar Santos — O sr. tem a intenção de continuar a boa gestão de Edward Madureira, mas também terá de imprimir sua marca. Qual é a principal proposta?
Nosso primeiro desafio é consolidar o processo de expansão, que ocorreu em um período muito curto e que dobrou a universidade em todos os aspectos. E ainda temos muito a fazer nesse ponto específico — como em relação a obras não concluídas, cursos que ainda estão em consolidação, contratação de professores etc. Mas outro desafio será a adequação dos documentos da universidade a essa nova realidade, pois até pouco tempo a instituição era centrada em Goiânia e os câmpus eram periféricos. Mesmo Catalão e Jataí, câmpus maiores, funcionavam basicamente em parceria com as prefeituras. E nós vivemos, desde a década de 1980, períodos de muitas dificuldades nos câmpus. Hoje, o perfil da universidade já não corresponde a essa nova geografia. Por exemplo, nosso estatuto diz que os câmpus devem ter apenas um representante nos conselhos superiores, o que é completamente desproporcional.

Elder Dias — Ou seja, cada campus teria apenas um representante?
Não. Originalmente, o estatuto diz que é apenas um para todos os câmpus. Mas houve uma adequação que abriu para que cada campus tivesse seu representante. Porém, é muito pouco, pois 30% dos alunos da universidade são do interior. Então, a representação é desigual e o que está em discussão agora é a criação de um novo estatuto. A primeira versão desse estatuto já foi inclusive entregue ao Conselho Universitário e a universidade já começa a discutir essas propostas, para se adequar a essa nova cara. Isso será conduzido ao longo deste semestre e caberá a nós implantar esse novo estatuto, que traz mudanças profundas na constituição dos conselhos e cria novas instâncias para dar mais autonomia aos campi. Do ponto de vista orçamentário, nós já descentralizamos para que eles definam as prioridades sem precisar pedir a Goiânia. Temos dois novos campi a ser implantados: Aparecida de Goiânia e Cidade Ocidental. São dois desafios imensos. Vejo que a universidade chegou a um patamar de qualificação de seu corpo docente e técnico em que, eu diria, está preparada para dar outro salto: a internacionalização da universidade. A UFG tem incrementado sua operação de intercâmbio e de cooperação internacional, contudo tem de aumentar muito mais. O momento é propício e o próprio governo sinaliza que quer apoiar o programa Ciências Sem Fronteiras, que até 2015 e 2016, pretende enviar ao exterior cerca de 100 mil estudantes de graduação. Hoje, temos 45 mil estudantes no exterior, algo que até alguns anos atrás era impensável.

Cezar Santos — Da UFG são quantos no exterior?
Não tenho um número preciso, mas diria que é da ordem de uma centena de estudantes.

Cezar Santos — Qual é o orçamento da UFG?
Da ordem de R$ 800 milhões anuais. Há de fazer uma ressalva que nesse orçamento, que é um número muito interessante, não é pouco dinheiro em nenhuma escala, mas 80% vão para a folha, com pessoal e encargos.

Cezar Santos — O sr. falou sobre a notória expansão física. Uma caloura do curso de Design de Modas comentou comigo sobre a falta de aulas por não ter professor. Há falta de concursos no quadro docente? Como está essa questão?
No geral, nosso número de professores é adequado. E a medida que nós usamos para chegar a essa conclusão é a relação aluno/professor, que está abaixo da média das universidades brasileiras. Então, ou tem pouco aluno ou tem muito professor. A relação aluno/professor é inferior à relação aluno/professor de outras universidades brasileiras. Acho que é esse o parâmetro que temos de usar, comparar-nos a nossas coirmãs. O governo na época do Reuni [programa de restruturação e expansão das universidades, criado na gestão do presidente Lula] queria nos comparar a universidades internacionais, usando um parâmetro para essa relação que era de 18 [alunos] para 1 [professor]. Se dizia que, no Reuni, a relação deveria ser de 18 para 1. Eu sempre fui muito crítico a esse número, porque ele não sai em nenhuma estatística, nem em universidades internacionais, pois ele não existe. Dizia-se que essa relação era de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não era. Eu pesquisei os documentos da OCDE e não tem essa relação. Pode ter isso em um país ou em outro, mas na média não tem essa relação. Mas quero me comparar sim às universidades brasileiras. Nessa comparação, estamos com uma relação abaixo da média, portanto positiva. Não quer dizer que em alguns cursos não esteja acima da média e que tenha, sim, algum déficit de professores, como deve ser o caso do curso de Design de Modas, que é novo e que foi criado com poucos professores. Eu diria que, em geral, essa não é a situação dos cursos.

Elder Dias — O sr. falou da relação aluno/professor, como está a relação aluno/técnico-administrativo na UFG? Estaria também positiva?
Aí é o contrário. Esse é o grande gargalo nosso, hoje. Temos uma relação aluno/técnico que é muito alta. Temos poucos técnicos para o número de alunos. Se a média nacional é 15, que é uma média boa, no nosso caso temos mais de 20 alunos por técnico. Então, nós temos uma carência de técnicos e esse é um problema não resolvido na universidade. Isso implica numa série de dificuldades nos cursos que têm uma demanda maior de laboratórios, nas atividades de campo, nos cursos de pós-graduação, que às vezes não tem secretários para estar acompanhando o coordenador. Na reitoria também temos dificuldades imensas e, por consequência dessa carência, nós estamos sendo compelidos a aumentar nossa terceirização.

Isso acaba impactando o custeio. E para suprir algumas carências temos de contratar algumas pessoas em cargos para os quais podemos fazer isso, que são aqueles que foram extintos na estrutura de carreira da universidade. Temos de contratar motoristas, pessoal de limpeza, vigilância e pessoal de manutenção. Não podemos contratar engenheiros e arquitetos, porque esses cargos não foram extintos. Ou seja, por mais que haja carência deles, nós não podemos terceirizar. Outro exemplo é o cargo de secretário.

Elder Dias — Isso acaba por criar um impasse, porque, se não tem a vaga, até para fazer concurso fica mais difícil.
Não há como fazer concurso, porque não há a vaga e não se pode contratar porque o cargo não foi extinto. Esse é o gargalo: faltam técnicos para o tamanho da UFG. A cada prédio novo, a cada construção nossa, temos nova demanda de pessoal. Se com professores estamos bem contemplados, no caso do pessoal técnico-administrativo isso não ocorre.

Elder Dias — O sr. teve um hiato de 12 anos entre uma candidatura e outra. O que, daquele ano de 2001, até hoje permanece como desafio? Teria algo que o sr. perceba que poderia entrar tanto no plano de gestão daquela época como no atual?
Eu acho que a UFG se transformou nesse período. No ponto de vista quantitativo e também no qualitativo, tudo mudou muito. Temos hoje 84 cursos de mestrado e doutorado. São 60 programas e 3 mil alunos de mestrado e doutorado. Isso é uma mudança muito significativa e radical. A produção científica da universidade cresceu de maneira muito expressiva. E esse é o grande desafio: a consolidação como uma instituição universitária com todo o leque de cursos de graduação, de bom nível e boas avaliações, mas, sobretudo, o fortalecimento da área de pesquisa e pós-graduação. Isso a UFG fez nesse período. É claro que, há muita coisa a ser feita ainda. A UFG, mesmo em comparação a outras universidades brasileiras tem espaço para crescer muito mais. Na área de pesquisa e pós-graduação, temos de crescer muito mais. Isso era válido naquela época em 2001, mas é válido hoje também, embora tenhamos avançado muito, de forma muito expressiva, nesse período.

Frederico Vitor — Como está a montagem de sua futura equipe?
A eleição ocorreu no dia 20, depois houve o processo formal com os três conselhos, no dia 28, que confirmou o resultado da consulta à comunidade. De lá para cá, nessas duas semanas, fiz questão de não pensar muito e dar um tempo. Estou esperando a poeira assentar para até eu mesmo voltar ao meu estado fundamental, o que na física chamamos de “ground state” (risos), até para poder ter calma e pensar. Nós temos um tempo bastante razoável para montar a equipe, já que a transição só vai se finalizar em 23 de dezembro. Então, temos todo o segundo semestre para pensar com muita calma na montagem da equipe. Essa montagem é a chave do sucesso para a gestão. Sem querer fazer um autoelogio, acho que isso foi um dos méritos do professor Edward Madureira. Durante esse tempo todo, ele praticamente não mexeu na equipe, que trabalhou com sintonia e sem atritos. Ele teve essa sabedoria de formar uma equipe que “dá liga”, é um mérito dele e tenho que me espelhar nisso para ter a mesma sabedoria e escolher bem. A dificuldade maior será, diante da quantidade de pessoas qualificadas que há na UFG, ter de escolher algumas. Esse é o maior desafio, porque o número de pessoas com experiência para estar na equipe é muito vasto. Há muitos quadros com esse perfil.

Elder Dias — O sr. mostra preocupação com a internacionalização da UFG. Como se pode analisar a questão da posição da universidade em relação ao ranqueamento nacional e mundial?
Ranking é sempre uma medida questionável. Pode-se sempre questionar a metodologia para se chegar a um ranking. Recentemente a “Folha de S. Paulo” fez um ranking que foi muito questionado, exatamente porque um dos ingredientes da avaliação era sobre os cursos de graduação. E como é que eles tinham feitos essa avaliação? Eles consultaram algumas pessoas, para saber a opinião dessas pessoas. Isso é muito frágil. A escolha das pessoas para avaliar é questionável, por mais que elas conheçam aquela universidade. Então os rankings se ressentem de uma metodologia mais científica. Isso pode ser sempre questionável. Eu tenho muito medo de rankings. Mas há medidas que são consensuais. Por exemplo, a publicação de artigos em revistas internacionais com uma boa qualificação. Esse é um critério muito objetivo. Pode ser um critério muito produtivista, mas é um critério que entendemos como justo. Têm revistas cuja qualidade é consensual na comunidade acadêmica. Hoje, no Brasil, as pessoas usam ranking, por exemplo, com o resultado do Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes], a prova que os nossos estudantes fazem. Ele é muito questionado porque, até pouco tempo atrás, havia boicote dos estudantes contrários a esse processo de avaliação. Então pode haver uma nota no Enade que não reflete de fato o conhecimento que aquele aluno adquiriu em seu curso. Há muitas variáveis no meio que embaçam um pouco esse ranqueamento. Mas, em termos de número de alunos, produção científica, que são critérios bem objetivos, a UFG vai estar sempre entre as 10 ou 12 melhores e maiores universidades do País. Sem pensar em provas, provões, mas em dados quantificáveis, auditáveis, a UFG tem lastro para estar em melhor posição.

Elder Dias — Nesse período de governos do PT, é consenso que houve um grande crescimento das universidades federais. Nesse reposicionamento, a UFG avançou acima da média. Ela soube trabalhar a captação de recursos de forma otimizada?
Participei muito intensamente do Reuni, desde o princípio, até porque fiz parte de uma comissão que o MEC instituiu para estabelecer as diretrizes do programa. Pelo que vi nas universidades, não tenho dúvida em afirmar que a UFG foi uma das que mais cresceram com o Reuni. Nós praticamente dobramos de tamanho e houve outras que tiveram crescimento dessa ordem, também. A concepção e a execução do Reuni pela UFG foram das melhores do País, porque mesmo com pouco tempo, tivemos o cuidado de fazer uma discussão prévia com todas as unidades. Quem aderiu ao Reuni na UFG refletiu e desejou fazer essa expansão, muito diferentemente do que aconteceu em outras universidades, talvez pelo atropelo, pela falta de planejamento do próprio Reuni, já que o programa foi gestado em gabinete com poucas pessoas. Aqui não, foi tudo aberto, por isso começamos bem. Mas também enfrentamos muitas dificuldades.

Lembro que o Conselho Uni­versitário foi invadido por uma parte da comunidade que era contrária e tinha críticas ao Reuni, mas tudo foi muito bem discutido nas instâncias, no prazo de seis meses que tivemos para pensar e dobrar o tamanho da universidade. Foi uma ousadia imensa, mas nesse pouco tempo realmente fizemos um planejamento muito bem feito. Só não foi melhor na execução por problemas das empreiteiras, pois muitas não deram conta do recado de fazer as obras contratadas.

Tivemos problemas ao longo da execução, empreiteiras que quebravam, que não tinham capacidade técnica, operacional e financeira para assumir as obras. Tivemos de relicitar obras, o que implicava prejuízo nos prazos. Não fosse isso, a universidade estaria toda completa há tempos, até porque tínhamos dinheiro para isso. Então resumindo, nosso programa foi um dos maiores, poucas universidades dobraram de tamanho como a nossa e a execução também foi boa.

Cezar Santos — As universidades têm o papel importante de formar médicos. O que o sr. acha do projeto do governo de trazer médicos de fora para o Brasil? Há mesmo necessidade?
Algumas premissas devem ser consideradas. Tudo indica que temos um problema. A relação médico/população, de 1,8 médico por mil habitantes, é baixa quando se preconiza que a relação boa é de 2,5 médicos por mil habitantes. Estamos abaixo da média dos países desenvolvidos e nós queremos ser um país desenvolvido. Além disso, há uma péssima distribuição de médicos no Brasil. Então faltam médicos e eles estão concentrados nas regiões metropolitanas. Não se formam médicos rapidamente: são seis anos mais um tempo de especialização, de residência. Nos noticiários se vê todos os dias a falta de médicos no interior, nos Cais. Então temos problema, embora alguns queiram negar e digam que é só questão de infraestrutura.

Acho que não. Há problema de infraestrutura, sim, na periferia, no interior, mas tem um problema de base aí que é a falta de pessoas. O governo está ampliando as vagas nas universidades, quer abrir 11 mil novas vagas nos próximos anos nas federais e nas particulares. Nós já criamos curso de Medicina em Jataí, o que é parte desse processo. Mas a gestação disso é longa. Nós podemos esperar oito ou dez anos para que esses médicos se formem para atender a população?

“Com as cotas, a universidade tem a cara do Brasil”

Cezar Santos — O sr. concorda que tragam médicos de fora. Mas, e quanto a colocá-los para trabalhar sem revalidar o diploma, sem que provem um mínimo de proficiência?
Pelo que vi, o governo vai abrir vagas para médicos brasileiros e, caso os postos não sejam preenchidos, vai então abrir espaço para profissionais do exterior. A questão do Revalida é importante. Hoje, para um médico de fora atuar no Brasil, ele tem de revalidar seu diploma. No caso desse programa, o Mais Médicos, não há essa exigência: eles teriam uma autorização provisória para exercer a medicina de atenção básica à saúde durante três anos no máximo. O governo diz que esses médicos passarão por um treinamento e terão supervisão de tutores das universidades federais. Pelo menos na teoria eles não vão ficar totalmente “soltos”. Eu não defenderia isso como solução geral, mas me parece uma solução emergencial. O que se espera é que com a abertura das 11 mil vagas nas universidades de medicina, o Brasil con­siga formar profissionais em número suficiente e sane esse gargalo.

Cezar Santos – Para os profissionais cubanos será ótimo, porque vão fazer curso de medicina no Brasil...
Parece-me que a ideia original, quando surgiu a primeira notícia da importação de médicos, era que seriam médicos cubanos, mas hoje a prioridade é para médicos da Espanha e de Portugal, onde o ensino de medicina é similar ao Brasil.

Cezar Santos – O governo recuou quando a imprensa mostrou que em Cuba não existe curso de medicina, no rigor da palavra.
A verdade é que toda solução para uma situação emergencial como essa tem prós e contras, argumentos sólidos de um lado e de outro.

Elder Dias – Semanas atrás, a UFG teve um posicionamento bastante crítico ao novo Código Florestal de Goiás, que foi votado na Assem­bleia Legislativa. O secretário do Meio Ambiente, Leonardo Vilela, até ameaçou tirar a cadeira da universidade no Conselho Estadual do Meio Ambiente, por faltas a sessões. Houve posicionamento oficial da UFG em relação ao código e a essa situação?
A UFG tem um corpo de professores e pesquisadores na maioria das áreas do conhecimento com a maior qualificação para debater qualquer assunto de interesse regional ou nacional. Na área ambiental, a universidade tem uma competência muito sólida. Na discussão do Código Florestal, o que a universidade reivindicou é que ela tivesse participação mais ativa, que fosse também consultada assim como outras instituições. Ficou evidente que a UFG não foi consultada e ela se manifestou quando o projeto foi para a Assembleia. E, então, lá teve participação positiva. Conseguimos, por entendimento de todas as partes envolvidas, até onde acompanhei, melhorar o código, preservando pontos importantes. Mas na questão da representatividade, da cadeira que a universidade tem no Conselho do Meio Ambiente, é um pouco diferente do que foi divulgado. A universidade tem um representante, que foi designado em 2009. Só que o mandato dele expirou em 2011 e não foi renovado. Pode ser que o Estado ou a Semarh tenha entendido que o representante seria reempossado automaticamente, mas não tivemos nenhuma comunicação, não foi solicitada à reitoria a indicação de novo nome. Então essa representação estava descoberta, sim, não foi que o representante faltou às reuniões.

Cezar Santos – Sem querer polemizar, mas a Assembleia apresentou as atas das reuniões. Vários segmentos participaram, mas não havia assinatura de representante da UFG.
Mas não tinha nenhuma convocação para irmos lá. Não sei quantas reuniões aconteceram nesse período, mas o fato é que esse representante nosso não foi convocado. No entendimento nosso e dele, ele não era mais membro da comissão. Mas isso tem de ser superado, o importante é que a universidade tem o que dizer sobre esse assunto. Acho que o governo deveria valorizar essa participação, reconhecer que temos uma competência acadêmica que pode ser muito útil para o Estado. É preciso aproveitar essa competência.

Cezar Santos – A título de informação, a principal mudança que houve na votação do código é que foi instituído um fórum permanente de discussão das questões do meio ambiente, que contará evidentemente com a participação da UFG.
A universidade está preparada, disposta e aberta, e faz questão de participar desse processo. Agora é virar essa página, essa questão da representação é doméstica e tem de ser resolvida.

Frederico Vitor – Um tema recorrente no país é a questão das cotas raciais e sociais para ingresso nas universidades. Como o sr. se posiciona em relação a isso?
Elder Dias – Na própria UFG se fez avaliação entre cotistas e não cotistas e constatou-se que a diferença de desempenho é mínima. Quer dizer, passada a barreira do vestibular, apesar das dificuldades, as notas dos dois grupos tendem a ser iguais e há até uma superação, em alguns casos, pelos cotistas. Isso prova que as cotas alcançam o objetivo a que se propõem?
Existe uma lei hoje, que já define que chegaremos a 50% de reserva de vagas para a lei de cotas. Então isso não está em discussão mais. As cotas vêm resolver uma questão histórica no Brasil. A universidade brasileira sempre foi branca e elitista.

Cezar Santos – Mas em qualquer lugar do mundo, por definição, a universidade é elitista mesmo. Na universidade está, ou deveria estar, a elite no conhecimento...
Sim, mas era elitista sobretudo por fazer uma seleção muito econômica. Havia um elitismo econômico embutido também. Se há o elitismo da qualificação, o elitismo que vinha junto era o econômico. Esse grupo tinha e tem como colocar seus filhos em escolas particulares boas e eles eram selecionados para as universidades públicas. Eles eram os mais bem preparados, sem dúvida, e, nesse sentido, eram a elite. Uma seleção viciada de início. A lei de cotas tem o mérito de trazer para a universidade a cara do Brasil. O Brasil tem essa cara da escola pública, porque 80% dos jovens no ensino médio estão na escola pública, não na escola particular. E as vagas eram essencialmente para os 20% que estavam nas escolas particulares. A população que está entrando na universidade hoje tem muito mais a cara do Brasil. E nós vamos ter de dar conta dessa realidade, que é mais complicada. Esses alunos que estão vindo da escola pública e que entram nas cotas muitas vezes têm uma defasagem em relação à preparação dos outros alunos. É um desafio às universidades dar a esse aluno essa oportunidade para seguir junto com a turma. Os estudos têm mostrado que a diferença de desempenho do cotista e do não cotista é muito pequena, às vezes um pouquinho pra lá, um pouquinho pra cá. Alguns falam até que o cotista é melhor, mas eu não entro no mérito, são muito parecidos. Entendo que quando o cotista entra na universidade, ele tem um empenho muito maior, por ser a oportunidade de ele se mostrar, de ter uma ascensão social, uma qualificação. Acho que ele compensa esse déficit com garra, com disposição, com um ânimo maior, até para não ser discriminado.  No caso da Física, da História, das Ciências Sociais, nas licenciaturas em geral, não faz a menor diferença ter cota ou não. Os nossos alunos desses cursos sempre foram da escola pública. Mas a medida vai fazer diferença nos cursos de alta demanda, na Medicina, Informática, Engenharia, Odonto­logia e outros. Temos de cuidar para que os alunos cotistas permaneçam na universidade. Hoje temos um programa muito agressivo de bolsas de permanência, de alimentação, moradia. No caso de cursos como Medicina, Odonto, Arquitetura e Artes Visuais, temos um kit para os alunos que não têm condições de comprar equipamentos básicos, como a caneta do dentista, o estetoscópio do médico, os matérias de arte, para que tenham condições de levar o curso em pé de igualdade com os demais estudantes. Pela experiência que tenho no curso de Física, vejo alunos que chegaram com enormes dificuldades, mas as superaram, se formaram e se tornaram profissionais excelentes, seja na própria universidade ou nas empresas. Acredito muito na capacidade dessas pessoas se superarem. Mas, como eu disse, hoje a questão das cotas não se discute mais, é lei. Estamos hoje com 20% a 25% de reserva de vagas e, nos próximos anos, chegaremos a 50%, como determina a lei.

Elder Dias — Outra reivindicação que virou lei foi o passe livre estudantil. Como o sr. acha que isso possa impactar na diminuição da evasão na UFG?
Acho que pode ajudar, como qualquer medida que contribua para que o aluno carente se mantenha na universidade. A questão da evasão, porém, é crucial para a instituição e muito maior do que a questão simplesmente do transporte. A evasão ocorre de maneira mais intensa nos cursos de licenciatura, o que se torna um drama, porque já temos uma deficiência de professores nas áreas de história, química, biologia, matemática e não estamos conseguindo formar pessoas para a demanda. É relativamente fácil passar no vestibular para esses cursos, mas, ao longo deles, muitos acabam se evadindo, não concluem seus estudos. No curso de Física, que é minha área, não é raro ter 40 ingressantes e apenas 10 ou 5 formandos. Ou seja, poderíamos dar diploma a 40 pessoas e formamos um número muito aquém desse. Isso causa impacto no ensino médio, porque seriam essas pessoas que poderiam, se formadas, ir ao ensino médio para preparar melhor o aluno que vai chegar à faculdade. Só que a carreira do professor no ensino médio é um desastre, as condições de trabalho são muito ruins. Tudo é muito desestimulante para o estudante de licenciatura, já que o curso em si não é trivial para ser concluído, tem uma exigência grande de estudos e ele não vê algo atraente no horizonte. Como se corrige isso? Com políticas internas — bolsas de permanência, tutoria, curso de nivelamento etc. Mas isso vai resolver o problema? Ainda não vai, porque, no fundo, o que é preciso é uma carreira atraente no ensino médio, que compense esse esforço na faculdade.

Elder Dias — Se o professor fosse remunerado de forma decente, então, tudo poderia mudar?
O quadro mudaria totalmente. Podemos fazer muita coisa, em termos de políticas internas na universidade, mas o País hoje tem de entender que o grande gargalo da educação brasileira está na educação básica, que tem de ser prioritária. Não é à toa que a bandeira de 10% do PIB para a educação até 2020 é importante, pois é preciso fazer muito ainda para recuperar a educação básica.

Cezar Santos - Mas o Brasil investe até mais no setor do que muitos países desenvolvidos. O Sr. acha que isso é realmente o problema?
É difícil fazer uma comparação em valores absolutos. O interessante é observar o quanto se investe per capita. O Brasil tem uma população jovem muito grande em comparação a outros países. Na Europa e nos Estados Unidos, essa população em idade escolar é muito menor do que a nossa, em proporção. O valor per capita para a educação ainda é pequeno, talvez não para a educação universitária, mas, com certeza, para a educação básica. É nesse setor que precisa se colocar mais dinheiro. Sem fonte de recursos nova, como o pré-sal ou outra, não dá para imaginar que a gente vá chegar a um montante adequado.

Elder Dias – Os diretores dos campi do interior da UFG ainda reclamam da estrutura, bem aquém ainda do que se tem em Goiânia?
Quem conheceu um campus do interior anos atrás e hoje visita o mesmo campus leva um choque em relação à transformação. Hoje os campi — sobretudo de Jataí e Catalão, que são os maiores — têm cara e atmosfera de universidade, o que não existia há seis anos. Proporcionalmente, a mudança nessas cidades foi muito maior do que na capital. Se as pessoas estão impressionadas com o que houve em Goiânia, mais ainda estariam se fossem lá. Claro que há problemas enormes ainda, principalmente em relação às obras: as dificuldades que temos aqui são amplificadas lá, porque há menos opções de empreiteiras, a mão de obra é mais difícil de ser encontrada, material de construção também. Tivemos muito mais dificuldade com as obras no interior do que aqui. Mas, enfim, alguma reclamação pode existir, mas a transformação que houve foi brutal.

Cezar Santos — Uma das reclamações que se ouviu contra o governador Marconi Perillo, em uma reunião de professores da UEG, é de que o Estado ainda paga salários de professores dos campi da UFG no interior. Isso existe?
Quando da implantação desses campi, na década de 80, era esse o modelo: o governo estadual e a Prefeitura se incumbiam de arcar com a folha. Era o modelo possível à época, mas muito precário, que durou até muito recentemente. Mas, a partir da década de 90, a universidade conseguiu algumas vagas federais. Com o programa de expansão, neste século, se inverteu esse quadro. Hoje, se temos alguns professores não vinculados à UFG, isso é minoria. Creio que de 200 professores em Jataí e Catalão, talvez 20 ou menos estejam nessa condição. Tudo está caminhando para ser um quadro totalmente federal. Garanto que não é por essa conta que o governo está tendo dificuldade de financiar a universidade estadual.

Elder Dias — Existe sempre postulação de alguns campi se transformarem em universidade autônoma. Fala-se na Universidade Federal do Sudoeste, que teria sua sede em Jataí. Como o sr. vê essa questão?
Essa possibilidade de transformação de campus em universidade existe há alguns anos e é até um sonho dessas cidades e de sua população. Eu diria que anos atrás o quadro era mais favorável a essa transformação. Hoje, nem tanto, porque a opção do governo federal está clara no sentido de buscar criar universidades multicampus. Todas as universidades federais têm vários campi em localidades no interior de seus respectivos Estados, esse é o modelo que está se consolidando. Hoje temos 63 universidades federais e em torno de 250 campi. Imaginar que o governo vai transformar essa quantidade toda em universidades está meio fora da realidade atual. Mas o câmpus de Jataí, hoje, tem um porte maior do que o de muitas pequenas universidades federais brasileiras. Jataí poderia, sim, reivindicar esse status até por comparação a algumas universidades de Minas Gerais. Lá há 12 ou 13 federais e algumas são menores do que os campi de Jataí e de Catalão. Universidades criadas recentemente, como a Ufob [Universidade Federal do Oeste da Bahia] e a Unifespa [Universidade Federal do Sul e do Sudeste do Pará], não se comparam a Catalão, são campi sem o porte desses nossos. Por que foram criadas? Com certeza, porque, por exemplo, Jaques Wagner [PT, governador da Bahia] teve mais peso político do que outros. A questão política acaba definindo alguma coisa nesse sentido. De qualquer forma, estamos estruturando a UFG de modo com que cada um desses campi tenha, cada vez mais, mais autonomia. Seja em Jataí, em Goiás ou Catalão, está se exercitando como ser uma universidade — do ponto de vista estatutário, acadêmico, administrativo, orçamentário etc. Estamos preparando esses campi para, se acontecer alguma reviravolta na questão política, se tornarem universidades. Do ponto de vista da gestão, porém, não há nenhuma objeção a esse movimento de universidade autônoma. Mas, enquanto estiverem co­nos­co, serão UFG e queremos caminhar juntos dando cada vez mais autonomia e independência. Até porque gerir essas localidades a partir de Goiânia fica cada vez mais inviável.

Frederico Vitor — Como o sr. observa a onda de manifestações pelo Brasil inteiro? Qual foi a participação das universidades federais nisso? Era algo esperado?
As manifestações pegaram todos de surpresa, principalmente por sua dimensão. Até hoje isso tem sido objeto de discussões e será assim por muito tempo. A avaliação particular que faço é de que havia muita coisa represada, uma insatisfação latente, no povo brasileiro. Há uma insatisfação de todos com os rumos da política, dos serviços prestados pelo poder público, saúde, educação, transportes, mobilidade urbana — o que se tornou insolúvel nesse nosso modelo, calcado no veículo individual. Isso tudo, mais os gastos com a Copa e a bandeira do passe livre, acabou por detonar todo esse processo. Seria até razoável que ocorre algum tipo de reação popular, mas creio que ninguém esperava que fosse nesse nível. De toda maneira, foi muito positivo que a população tenha soltado esse grito, já estava passando da hora de nossos gestores e políticos ouvirem isso. Tanto é que o Congresso começou a desovar projetos que estavam parados há anos. Mas reafirmou que ninguém seria capaz de antecipar nada sobre como isso ocorreria.

Elder Dias — Agora já parece haver um arrefecimento das manifestações, tanto que já estão querendo colocar a reforma política no forno da pizzaria novamente. Já há um viés de baixa na mobilização popular e na “vontade” do Congresso em mudar as coisas no País?
Houve uma diminuição natural no ritmo dos protestos, até porque é difícil imaginar que o modelo de participação popular, a democracia da rua, será sempre esse a partir de agora. É normal que esse tipo de mobilização se espace e que entre no curso dos canais normais de participação política. Isso precisa ser canalizado, de alguma forma, para os canais institucionais. A pressão será sempre para que os canais institucionais consigam atender melhor esse grito das ruas. Nesse sentido, a reforma política é essencial. A política no Brasil é totalmente viciada. Basta ver as pessoas se elegem neste País. Talvez a proposta governamental de se fazer um plebiscito não seja a melhor, mas o tema não pode sair da pauta.

Elder Dias — O reitor Edward Ma­dureira Brasil é sondado por vários partidos para ser candidato nas próximas eleições. O sr. acha que ele deva seguir a carreira política? O sr. o apoiaria a encarar esse rumo?
O professor Edward é um excelente nome para a política e será muito benvindo. Ele tem uma capacidade intelectual, de trabalho e de articulação muito grande. Isso é impressionante e ele demonstrou durante esses oito anos como reitor. É uma pessoa que tem trânsito livre com todos os partidos e alguém que tem um perfil muito necessário em um momento como o atual. O Brasil precisa de lideranças como a de Edward. Eu não só o apoiaria, como o incentivaria e faria tudo o que fosse necessário para ajudá-lo nessa possível trajetória dele como candidato nas próximas eleições.     



Fonte: Jornal Opção