Mulher pode ser filha de combatente do Araguaia

Uma moradora de Catalão pode ser a filha sequestrada de um ex-combatente da Guerrilha do Araguaia, em 1974. Lia Cecília da Silva Martins já fez um teste de DNA cujo resultado mostrou que ela tem 90% de chances de ser filha de Antônio Teodoro de Castro, codinome Raul entre os guerrilheiros. Ontem o portal IG revelou que a provável filha do combatente vive no interior de Goiás.

Ela aguarda o resultado de um segundo exame de DNA que pode confirmar a suspeita de que o governo militar forçou o desaparecimento de crianças filhas de militantes do PCdoB no Araguaia. Lia foi retirada do colo da mãe ainda bebê, com poucos meses de idade. Segundo a reportagem, ela foi levada por dois homens ao semi-internato Lar de Maria, em Belém, no Pará. Um deles se identificou como delegado de polícia. O outro como militar. Era junho de 1974, um semestre depois do início da principal investida dos militares contra os guerrilheiros com objetivo de exterminar a resistência armada.

De acordo com o grupo Tortura Nunca Mais, Antônio desapareceu no dia 25 de dezembro de 1973, após intenso tiroteio no acampamento onde estava com diversos companheiros. Aos ouvidos da família, chegaram tempos depois os relatos de que “Raul” teve uma filha nos últimos anos da guerrilha com uma camponesa chamada Regina. Os oito irmãos do combatente nunca tinham visto a sobrinha, até uma reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 2009.

A matéria trazia o relato de um guia militar na região, chamado José Maria Alves da Silva e conhecido como Zé Catingueiro. O colaborador da ditadura afirmou que um “bebê branco” foi sequestrado pelos militares e essa criança poderia ser filha de um guerrilheiro. Lia percebeu a semelhança com sua história e entrou em contato com a família de “Raul”.

Após conhecer os irmãos do combatente, Lia resolveu fazer o teste de DNA comparando seu sangue ao material genético dos irmãos de Antônio. O exame foi feito em 2010 num laboratório de Goiânia, pois ela já morava em Catalão, desde que casou com um morador da cidade goiana. Agora, a empresária espera eliminar os 10% de dúvida que o primeiro teste deixou.

A confirmação da paternidade foi solicitada à Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (CMD-SDH). O exame seria feito com amostras do banco de sangue de familiares de desaparecidos. O pedido, de acordo com o IG, foi encaminhado numa petição de 24 páginas assinada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto e pela advogada Camila Gomes de Lima. A reportagem solicitou informações sobre o caso à comissão. A assessoria de comunicação pediu para enviar o pedido por e-mail, que não havia sido respondido até o fechamento desta edição.

Orfanato

Lia foi entregue a Sandoval e Eumélia Martins com a promessa de que o militar e o delegado voltariam para buscá-la. De acordo com o IG, o casal era responsável pelo orfanato espírita onde a empresária viveu. Os raptores nunca mais apareceram. E Lia foi formalmente adotada, ganhou nome e sobrenome e tornou-se oficialmente membro da família.

Ela sabia que era adotada, mas prometeu aos pais adotivos que não procuraria os verdadeiros. A busca de Lia começou efetivamente após o Sandoval ter morrido, em 2010. “Meu pai adotivo me amou muito e tinha medo de me perder. Também o amo e decidi então que enquanto vivesse não tocaria no assunto. Mas nunca deixei de buscar os meus pais verdadeiros. O que me contaram é que fui arrancada dos braços de minha mãe na prisão. Agora que sei quem é meu pai, um homem de caráter e idealista, vou ajudar a encontrá-lo. Quero dar a ele um enterro digno”, disse ao IG.

A família do guerrilheiro encaminhou à Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (CMD-SDH) uma lista de 12 guerrilheiras que conviveram com “Raul” até ele ser preso e fuzilado em 1974. A intenção é comparar as amostras de sangue de Lia com essas mulheres.

Fique por dentro 

Antônio Teodoro de Castro nasceu em Itapipoca, no Ceará, no dia 12 de abril de 1945. Era militante do PCdoB, conhecido como “Raul” entre os combatentes da Guerrilha do Araguaia. Também teve outros codinomes, como “Teo” e “Ceará”. Ele está desaparecido desde 25 de dezembro de 1973, após intenso tiroteio no acampamento onde estava com os companheiros, segundo o grupo Tortura Nunca Mais.
 
“Raul” aderiu à resistência armada após a intensificação das perseguições políticas no regime militar. Ele atuou no Destacamento B da Guerrilha. Antes de se tornar guerrilheiro, Antônio cursou Farmácia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e foi diretor da Casa do Estudante Universitário da instituição. Sofrendo perseguições políticas, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde matriculou-se no mesmo curso, mas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e continuou atuando no movimento estudantil.
 
Há diferentes registros da morte de “Raul”, explica o pesquisador Romualdo Pessoa, da UFG, autor de um livro sobre a guerrilha. Um relatório da Marinha afirma que o combatente teria morrido em fevereiro de 1974, data confirmada no livro do militar do Exército José Vargas Gimenez, o Chico Dólar. O jornalista e escritor Hugo Studart escreveu em seu livro A Lei da Selva que “Raul” teria sido executado depois de preso, entre o Natal e o réveillon de 1974. 
 
Já informações de mateiros prestadas ao escritor Paulo Fonteles sustentam que Raul foi preso e levado para uma base militar na Fazenda Consolação e, depois, morto na Fazenda Estrela do Araguaia, próxima ao garimpo Matrixã. No segundo livro, Chico Dolar cita a data da morte de “Raul”: 27 de fevereiro de 1974, na região do Rio Gameleira, onde seu corpo ficou insepulto na mata. 

 

Essa data é confirmada no livro Mata!, do jornalista Leonêncio Nossa.

Fonte: O Popular