Hora dos assuntos polêmicos

Nos dias em que esteve no Brasil, o discurso do papa Francisco fugiu de questões polêmicas da Igreja e do debate de temas controversos, mas bastou ele deixar o País para falar abertamente, ainda no avião, sobre alguns assuntos. Ele deu uma coletiva a jornalistas que o acompanhavam na viagem para Roma. Muitas declarações dele em uma entrevista ao Fantástico, programa dominical da Rede Globo, também repercutiram.

O posicionamento dele referente aos homossexuais, ao propor a integração e o respeito à fé das pessoas, independente da orientação sexual, ganhou destaque por ser a primeira vez que um papa fala sem ressalvas sobre isso. No entanto, integrantes de movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) de Goiás tratam com cautela o posicionamento do pontífice, pois, de certa forma, ele fala por si e não por toda a Igreja.

A opinião do papa - “(...) eles não devem ser discriminados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade.” - soou como um aceno positivo e capaz de repercutir nas paróquias e arquidioceses. Mas, segundo o coordenador do Grupo Oxumaré de Direitos Humanos de Negritude e Homossexualidade, Eduardo de Oliveira, ainda vai demorar algum tempo para que isso ocorra, porque a mudança que o papa sugere “não acontece assim, repentinamente. Ela é gradual”, pontua. Apesar disso, Eduardo, que também integra o Conselho Estadual LGBT, afirma que não dá para garantir que essa abertura de espaço e diálogo vá ocorrer, porque a Igreja é bastante fechada no que se refere a afetividades.

Na mesma ocasião em que o papa discorreu sobre o tema, durante a viagem de volta para a Itália, um dos jornalistas o questionou porque ele não falou sobre o aborto e o casamento homoafetivo durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

E a resposta foi: “A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Os jovens sabem perfeitamente qual é a posição da Igreja”. Francisco referiu-se ao fato de que a religião Católica não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que é contra o aborto. É a partir dessa situação que o professor de Sociologia e Religião da Universidade Federal de Goiás (UFG), Flávio Sofiati, fundamenta algumas ressalvas: “A grande questão é que a Igreja, ao dizer isso, aceita o indivíduo, mas não aceita a sua condição”, diz.

O professor avalia que a opinião expressada pelo papa não é uma análise profunda e que, tampouco, inspira alguma comemoração dos movimentos LGBT. Para ele, o que foi dito está inserido no que o pontífice defendeu na semana em que esteve no Brasil, que é o acolhimento e a proximidade da Igreja com os fiéis.

Flávio lembra que mudar o posicionamento pragmático da religião católica é praticamente impossível e que um papa, independente de quem seja, é convencido de que os dogmas existem, pois ele é uma espécie de protetor dos dogmas.

Há quem consegue, inclusive, ver certa discriminação velada na fala do papa Francisco. A integrante do Grupo Colcha de Retalhos, Elaine Gonzaga, acredita que seja um avanço o que o pontífice propõe, porque a Igreja pouco caminhou nesse sentido em toda a sua história, mas, da forma como ele fala, como se sugerisse uma reintegração social do gay, não deixa de ser um preconceito. Para ela, aceitação e tolerância é diferente de respeito, que é o que os homossexuais querem. “Se a Igreja já fizer um discurso pelo respeitar, eu já considero um grande avanço”, expõe.

Elaine se recorda de que quando atuava como jesuíta em Buenos Aires, o papa Francisco, então Jorge Mário Bergoglio, apresentava opiniões conservadoras quanto aos homossexuais e ao casamento homoafetivo.

Daí mais um motivo para que ela também avalie com ressalvas a opinião expressada, agora, pelo argentino. Elaine reconhece que foi um discurso respeitoso, que foge do ódio, geralmente proposto por outras religiões, que sugerem a regressão da sexualidade, mas se mantém cética quanto à possibilidade de isso refletir na Igreja como um todo.

Revisão de postura

Eduardo de Oliveira acredita que o posicionamento de Francisco vai propiciar uma reflexão entre padres e fiéis da religião católica, até mesmo porque é esse o estilo dele e algo que, pelo visto, ele vai fazer questão de priorizar. “Mas isso é comportamental, que não se altera de imediato. Para os fiéis é uma posição importante, porque dá um passo a mais nesse sentido e sugere uma revisão de postura”, pondera o militante, que é pessimista quanto a possibilidade de abertura de diálogo sobre esse assunto com a Arquidiocese de Goiânia. “Nunca vi nenhuma flexibilidade nesse sentido”, afirma.