Troca de cursos atrasa formação de mão de obra

O publicitário Pedro Henrique Campos de Santana só teve certeza da carreira que queria seguir depois de passar por outros dois cursos superiores: um ano de Educação Física, na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e dois anos de Ciências Sociais, na Universidade Federal de Goiás (UFG). Mas ele só conseguiu se encontrar no curso de Publicidade, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

A escolha por Educação Física se deu num momento em que Pedro Henrique praticava esportes, mas não o conquistou como carreira. No curso de Ciências Sociais, havia teoria demais, na avaliação dele. Depois de formado em Publicidade, ele já teve uma experiência na área e hoje busca uma oportunidade no mercado. “Sei que perdi tempo, mas consegui encontrar a formação certa”, afirma.

Muitos profissionais que hoje estão no mercado de trabalho também enfrentaram esse dilema de Pedro Henrique. Hoje, é comum encontrar casos de abandono de cursos superiores, numa sociedade em que os jovens ingressam na faculdade cada vez mais cedo, ainda com pouca maturidade, e onde existe uma maior liberdade para se arrepender de uma escolha considerada errada.

Para quem tem certeza de que tomou o caminho errado, o melhor é mudar o quanto antes. Porém, nem sempre a escolha foi errada. O jovem precisa analisar se não está tendo apenas um déficit em alguma aptidão, o que poderá ser superado sem abandonar o curso (veja matéria abaixo).

Atraso

Essas trocas de curso se tornaram mais preocupantes diante do crescimento econômico e do aumento da demanda por mão de obra especializada nas empresas. No ano passado, das 89.888 vagas abertas pelo Sine Goiás, apenas 18.200 foram preenchidas. Um jovem que abandona um curso no meio do caminho para começar um outro depois, atrasa sua formação pessoal e chega mais tarde ao mercado de trabalho.

Aos 18 anos de idade, a estudante Giovanna Bonach ainda vive essa indecisão. Depois de cursar seis meses Ciência da Computação na UFG, ela voltou ao cursinho pré-vestibular para concorrer a uma vaga no curso de Direito. Mas Giovanna reconhece que ainda não tem 100% certeza de que essa será a carreira que vai seguir. “Sempre pensei que seria veterinária, mas minha mãe não me estimulou”, conta.

Mas a estudante lembra que ainda é muito jovem e garante que não tem pressa para se formar. “Ainda tenho tempo para decidir. Se não gostar do curso, ainda posso trocar”, argumenta Giovanna. Para os especialistas em educação, essa escolha realmente precisa ser feita com cautela e a troca é permitida.

A pró-reitora de Graduação da PUC Goiás, Sônia Margarida Gomes Sousa, lembra que as atividades profissionais ficaram mais complexas e, hoje, o leque de opções para escolha da profissão é muito maior. “Houve uma ampliação do processo de formação, com várias possibilidades de cursos para o estudante optar”. Além disso, muitas vezes há pouco conhecimento sobre a atividade que vai exercer e o que será preciso estudar.

Na opinião da pró-reitora de Graduação da UFG, Sandra Mara Mathias Chaves, os alunos têm de fazer uma opção muito precoce, ingressando muito jovens na universidade, tendo pouco conhecimento do curso e do exercício daquela profissão. Muitos escolhem o curso apenas por terem alguma empatia com as disciplinas. “Além disso, o jovem de hoje tem a característica de não se apegar muito às coisas. Se não gosta, ele abandona e parte para outro curso”, explica Sandra.

Com isso, o índice de evasão e transferência é considerado elevado. Na UFG, de 24 mil alunos, cerca de 900 foram excluídos esse ano, por vários motivos, como abandono do curso. Em alguns anos, esse número chegou a 1.400 alunos.

 

É preciso se formar bem, diz especialista

O especialista em Mercado de Trabalho Sandro Monsueto dá o exemplo dos futuros engenheiros, muito demandados hoje pelas empresas do ramo, em virtude do crescimento econômico. Segundo ele, está difícil encontrar estudantes para atuarem em atividades de pesquisa porque o estágio está pagando melhor que as bolsas.

O aluno fica encantado pelo estágio, mas pode não estar preparado para levar as duas coisas: o trabalho e o curso.

Alerta

Por isso, o professor recomenda que o aluno não tenha pressa para se formar, mas procure se formar bem, para não se frustrar no mercado de trabalho, cuja demanda deve se esgotar num determinado momento.

Se for preciso trocar de curso para seguir a carreira certa, que seja. “É preciso um meio termo entre uma formação rápida, mas sem esquecer da qualidade”, alerta.

 

Mudar nem sempre é problema

A escolha errada do curso pode ser resultado de uma imaturidade vivencial de estudantes que, muitas vezes, ainda são adolescentes na hora de optar pela profissão. “Muitos sofrem influência da família, que tenta direciona-los”, explica a pró-reitora de Graduação da PUC-Goiás, Sônia Margarida Gomes Sousa. Para ela, a troca de curso não é um grande problema, pois esse aluno terá a oportunidade de conhecer a opção mais a fundo.

Sônia acredita que isso possa até ser bom para fechar uma possibilidade e reafirmar outra. No cotidiano, tomamos decisões certas ou erradas o tempo todo, que impactam em várias áreas. Mas, mesmo com toda a frustração e indefinição que uma mudança possa causar, a profissão é um elemento importante na vida da pessoa e pode ser mudada.

Para a pró-reitora, a prevenção pode passar por melhores informações ao aluno do ensino médio, num processo de orientação vocacional. Muitas vezes, as escolas ficam muito focadas na preparação para o vestibular e deixam de lado o conhecimento mais profundo das profissões.

Sônia lembra que a escolha da profissão passa pelo autoconhecimento do aluno. Mesmo aqueles que decidiram trocar de curso, ainda devem procurar uma orientação vocacional, que não indica uma profissão a seguir, mas faz com que a pessoa detecte suas afinidades.

Imediatismo

Há algumas décadas, as famílias exigiam decisões dos filhos e estes mesmos se cobravam mais. Mas, para a pró-reitora de Graduação da UFG, Sandra Mara Matias Chaves, o comportamento mais imediatista dos jovens atuais, que colocam tudo muito como descartável e substituível, repercute na decisão de optar por uma profissão. O jovem de hoje tem maior predisposição para mudanças, mas não tem essa segurança da escolha.

A nova configuração da sociedade também permite essa mobilidade. Se, por um lado, há o prejuízo das vagas que ficam ociosas, de profissionais que já poderiam estar sendo formados para o mercado, a pró-reitora acredita que há um ganho de maturidade, conhecimento e segurança por parte do aluno para fazer a opção que o deixe mais feliz. “Se isso não acontecer, ele não será um bom profissional. Há perdas e ganhos”, enfatiza.