Novo sexo no nome e no corpo

Pernambucano fez cirurgia em Goiás e transformou sua genitália feminina em masculina

Alexandre Emanuel tinha 11 anos quando entendeu que seu destino não tinha que ser o que a natureza havia determinado. Desde então, travou uma luta, por anos silenciosa, para fazer com que seu corpo falasse a mesma língua da sua mente. Em 2004, sofreu as primeiras intervenções cirúrgicas no Hospital das Clínicas de Pernambuco. Retirou as mamas, os ovários, as trompas e o útero e começou a tomar hormônios para ganhar voz e formas de homem. Em 2007, ganhou nova identidade civil. Faltava, no entanto, a transformação plena. No último sábado, sua angústia teve fim. Ele foi submetido à cirurgia de mudança de sexo do feminino para o masculino no Hospital das Clínicas de Goiás, um dos poucos no país a realizar o procedimento gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 


Parte das despesas com transporte, hospedagem e alimentação de Alexandre e de um acompanhante está sendo coberta pelo governo de Pernambuco. Isso só foi possível porque Alexandre obteve, no ano passado, uma vitória inédita na Justiça para que o estado bancasse seus gastos, já que a cirurgia não é realizada em Pernambuco. Professor de educação física desempregado, ele não tinha condições financeiras para arcá-los. Além das passagens, está recebendo ajuda de custo de R$ 25 por dia para se manter em Goiânia enquanto está sob cuidados médicos.

A cirurgia de Alexandre aconteceu no sábado, dia 5, e durou cerca de três horas e meia. O ginecologista Aldair Novato Silva e o cirurgião plástico Marcelo Soares construíram, a partir da genitália feminina, um saco escrotal, uma prolongamento de uretra e um pênis. Cerca de cinco meses após a cirurgia, será implantada uma prótese de silicone na bolsa escrotal, que abrigaria os testículos. “Na verdade, a metoidioplastia é uma virilização da genitália feminina. Não fica idêntica a de um homem biológico, mas possibilita ao paciente ter uma vida sexual normal como homem. Ele terá ereção e orgasmo, mas não terá fertilidade. Tenho vários pacientes que passaram pela mesma cirurgia e hoje são casados e têm uma vida sexual satisfatória”, explicou a coordenadora do projeto de Transexualismo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Mariluza Terra Silveira.

Alexandre Emanuel teve alta no domingo, mas precisa ficar mais um mês em Goiânia para constantes avaliações no HC-UFG. Os médicos precisam garantir que o prolongamento de uretra, que foi conectado à uretra feminina, funcione como planejado. “Se o corpo não responder como esperamos, ainda é possível consertar. As chances de sucesso da cirurgia são muito boas”, ressaltou a coordenadora.

Desde que o hospital começou a realizar esse tipo de cirurgia, apenas nove pacientes que nasceram mulheres conseguiram trocar de sexo. Alexandre foi o nono. “Esse tipo de transexualismo entre as meninas é mais raro. O contrário é o mais comum. Já fizemos 52 cirurgias de homens que se transformaram em mulheres e temos atualmente 60 pacientes na fila de espera”, afirmou Mariluza Silveira.   

Veja entrevista com Alexandre:

Um dia após ter recebido alta do Hospital das Clínicas de Goiás, Alexandre Emanuel tinha apenas duas certezas. A primeira, que ele já vinha carregando há anos, a de que é feliz pela escolha que fez na vida. A segunda, que os dias que seguirão serão de aprendizagem e recomeço. Por telefone, do quarto do hotel onde está hospedado em Goiânia, contou ao Diario como está se sentindo depois que realizou a cirurgia de mudança de sexo do feminino para o masculino e pôs um ponto final na angústia de querer e não poder viver plenamente como se sente.

Quando foi que você recebeu a confirmação de que a cirurgia seria realizada?

No dia 7 de junho, fiz minha última consulta no hospital e fiquei aguardando apenas o chamado. Só acreditei que seria pra valer quando cheguei aqui na última terça-feira. Nunca perdi a esperança, até porque a médica, doutora Mariluza, sempre deixou as portas abertas para mim. Fiquei internado na sexta, fiz a cirurgia no sábado e tive alta no domingo. Foi tudo muito rápido, depois de uma luta de anos.

A cirurgia é recente, mas já deve ter provocado alguma mudança na sua forma de se perceber. Como você está se sentindo agora?

O processo não está totalmente definido porque tenho que vencer o pós-cirúrgico e também superar a etapa do inchaço e dos curativos. Agora, dentro das possibilidades, sinto que, finalmente, consegui adequar meu físico ao meu espírito. Daqui pra frente, será um grande aprendizado.

Foram anos aguardando a chance dessa cirurgia. Valeu a pena a espera?

Sem dúvida. Estou feliz, graças a Deus, desde o momento que decidi ser o que sou. É algo de dentro para fora, não é nada imposto. O que estou fazendo é apenas tentando, da melhor forma possível, ser o que eu sou.

Fonte: Diário Pernambucano