BLACK BLOCS A face violenta dos protestos

 

Táticas do coletivo formado por jovens mascarados e vestidos de preto que infiltram em manifestações já chegaram a Goiânia com a destruição de agências bancárias, no início do mês. Apesar das ações performáticas, do confronto aberto com a polícia e da vocação para o anarquismo, grupo não tem liderança, nem apresenta propostas consistentes. Contracultura é a inspiração. Enquanto isso, professores da rede municipal que estão em greve desde setembro, em ação pacífica, ocupam a Câmara Municipal

Em meio a multidão de manifestantes, eles se destacam. Vestidos de preto, usando máscaras para garantir o anonimato e andando em blocos, os Black Blocs depredam igrejas, bancos e prédios públicos, concessionárias de carros – ou qualquer outro símbolo do capitalismo - durante manifestações. A tática de protesto que ganhou repercussão no Brasil em junho, após as manifestações contra o aumento do preço da passagem de ônibus, é antiga: surgiu há mais de três décadas e está visceralmente ligada aos movimentos de contracultura dos anos 1980 (leia no box).
Neste mês, no Rio de Janeiro, os Blocs, que não têm um líder ou um representante específico para falar com as autoridades, apoiaram os professores que estão em greve por melhores condições de trabalho. O resultado: cenas de violência no coração da Cidade Maravilhosa, com carros e ônibus incendiados.
Mundo afora, esse coletivo de manifestantes cativa e assusta. No Facebook, a página Black Bloc Br tem mais de 44 mil curtidas. Na descrição, uma frase de um dos líderes da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata: “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos.” A rede social, aliás, é usada aqui, e em outras partes do mundo, para postar vídeos, fotos, organizar atos e orientar integrantes dos protestos.

Goiânia
As táticas, que também abrangem a defesa contra a violência policial, parecem ter chegado a Goiânia. No protesto convocado pela Frente de Lutas Contra o Aumento da Passagem do Transporte Coletivo, no começo deste mês, pelo menos duas agências bancárias localizadas no setor Universitário, onde o grupo se concentrou, foram depredadas e uma delas, incendiada. Uma concessionária também foi destruída.
O cientista político da Universidade Federal de Goiás (UFG), Francisco Machado, que está em contato com uma rede de pesquisadores de todo o mundo que estuda o tema, explica que os Blocs, apesar das ações performáticas, não atacam pessoas. “Nunca, em todo mundo, esse tipo de violência foi registrada”, atesta, explicando que os manifestos “expressam a profunda revolta dos integrantes do coletivo contra o Estado”.

Espetáculo
Para Machado, a forma de atuação que se limita apenas a ações espetaculares impede que os Black Blocs consigam mudanças efetivas. “É um movimento que, historicamente, tem pouco fôlego, pois não apresenta propostas e não tem um projeto consistente para colocar em prática”, sentencia, referindo-se ao anarquismo, corrente ideológica surgida na Europa em meados do século XIX e que tem como objetivo principal o combate a qualquer forma de autoridade, seja ela política, policial, familiar, religiosa ou financeira.
O cientista político lembra que primeira tática do Blocs é a autodefesa, materializada pelas máscaras, escudos e roupa preta. Ele explica ainda que o coletivo aparece em contextos de grande violência policial, como ocorreu na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1999, em Seattle. “Neste ano, o Brasil está vivendo um momento de muita repressão em protestos públicos. Há uma correlação positiva: quanto mais violência, mais ações dos Blocs, o que serve como lição para os gestores públicos. Reprimi-los é como tentar apagar o fogo com gasolina”, compara.

A tática dos blocs
Surgida nos anos 1980 na Alemanha no âmbito dos movimentos de contracultura e em defesa dos squats, a tática de protesto Black Bloc originalmente pode ou não usar a violência e tem alvos específicos, como agências bancárias. Da década de 1990 em diante, a técnica se espalhou pelas cenas anarquistas, punk, antifascistas e ecológicas. E ganhou força em mobilizações contra o neoliberalismo e o capitalismo, como na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1999, em Seattle, em 2001, em Roma, ou durante a reunião do G20 em Toronto, em 2010.

Na Câmara, ocupação e impasse

A Câmara Municipal de Goiânia viveu momentos de tensão e impasse na última semana. Professores e servidores administrativos da rede municipal de ensino que formam o Comando de Luta pela Educação, em greve desde setembro, ocuparam o Plenário, a exemplo do que ocorreu em outras cidades, como o Rio de Janeiro, onde os educadores também estão em greve.
O estopim foi uma manobra do presidente da Casa e líder do prefeito, vereador Clécio Alves (PMDB) que derrubou emenda do vereador Virmondes Cruvinel (PSD) que garantia ampliação do benefício Difícil Acesso, destinado aos profissionais que trabalham em regiões afastadas da capital, uma das principais reivindicações da categoria (leia box).
A ocupação, que até o fechamento desta edição, na sexta-feira, 11, completava 72 horas, demonstra a insatisfação dos próprios profissionais com os representantes da categoria, Sindicato de Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego), acusados pelos grevistas de se alinhar aos interesses do Paço. Parte dos educadores é filiada ao Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia (Sinsed).
Na quinta-feira, 10, o oficial de Justiça Roberto Bento tentou protocolar o documento que pedia a reintegração de posse do plenário, em a ação foi emitida pela juíza Jussara Cristina Oliveira Louza, da 3ª vara da Fazenda pública municipal de Goiânia. Porém, os grevistas se recusaram a assinar e reiteram que vão continuar no prédio até serem atendidos pelo prefeito Paulo Garcia (PT). Por outro lado, o vereador Clécio Alves avisa que a negociação só será possível após os professores deixarem o prédio.
Enquanto nenhuma decisão é tomada, os educadores seguem dormindo e acordando em lugar que, na verdade, pertence ao povo. O movimento possui comissões de comunicação, alimentação e limpeza, que garantiram, ao longo dos dias, uma relativa rotina, com almoço, jantar e café da manhã, alimentos adquiridos com recursos dos próprios grevistas, além de barracas que abrigam os profissionais durante a noite.
Os educadores contam com o apoio da Frente de Lutas Contra o Aumento da Passagem do Transporte Coletivo, de alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ao todo, o comando de greve já tem cerca de R$ 150 mil em dívidas, resultado de oito processos movidos pela Prefeitura de Goiânia contra oito manifestantes. Existe ainda a multa cobrada pelo descumprimento de uma decisão liminar do último dia 27 de setembro, da desembargadora Beatriz Figueiredo, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que considera a greve como ilegal.

A votação da discórdia
Na terça-feira, 8, os professores e os servidores administrativos acompanhavam a votação de um projeto que trata de auxílio-locomoção, no valor de R$ 319, que eles querem ver universalizado, e não pago a apenas 40% da categoria. Após a proposta de emenda constitucional sobre o benefício ter sido rejeitada pelos parlamentares por 17 votos a 16, eles ocuparam o plenário. Os educadores acusam o presidente da Casa, Clécio Alves (PMDB), de realizar manobra para que a rejeição à proposta atendesse a interesses do Paço municipal. Os vereadores Jorge do Hugo (PSL) e Felizberto Tavares (PT), que chegaram no final da sessão, foram os responsáveis pela virada na votação.

Fonte: Tribuna do Planalto