O crime de estudar o Brasil

Cinquenta anos depois de sua extinção por ato de força autoritária, a refundação do Centro de Estudos Brasileiros, no Centro de Convenções da UFG, foi justa homenagem a seu presidente fundador, o professor e poeta Gilberto Mendonça Teles. A solenidade contou com a presença do atual e futuro reitor. A prestigiar o evento compareceu um bom público, constituído de professores e alunos, além de representantes da Academia de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e Ube-GO (União Brasileira de Escritores).

O CEB (Centro de Estudos Brasileiros) foi extinto pelos militares, em ato assinado pelo então presidente Castelo Branco – que extinguiu o nascente centro de estudos e puniu o poeta-professor pelo crime de querer estudar e conhecer melhor o Brasil. O evento, como de hábito em sodalícios e academias, seria marcado por um clima circunspecto e solene, porém não foi o que aconteceu. A começar pela palestra de meia hora, por parte de Gilberto Mendonça Teles, pródigo em lembranças e informações sobre aqueles tristes tempos, em que reitores foram cassados, e outros passaram a perseguir e dedurar professores. Gilberto discorreu sobre a grande contribuição dada pelo filósofo português Agostinho da Silva – que via o Brasil em forma de mapa, mas só tocando a música do litoral, sem embrenhar-se em suas vastas terras, sertão adentro, insistindo em viver como caranguejo, só à beira da praia.

Ele próprio, Agostinho da Silva, um inspirador da criação do Centro de Estudos Brasileiros, a navegar em metáforas, não economizou imagens poéticas para descrever aqueles tempos anunciadores de tempestades tremendas. Chegou até mesmo a ser profético, antevendo os dias sombrios que se avizinhavam – e que dois ou três anos depois chegaram, com violência tremenda. Wolney Unes, um dos professores que fazem parte da concretização do novo CEB, fez interessante palestra sobre as contradições e conflitos de nossa era que merecem estudos e reflexões profundas: “Cinquenta anos depois que a cultura eurocêntrica excluía tudo o mais, hoje o Brasil tornou-se interlocutor da realidade global. Porém há muito mais a avançar, para nos livrarmos da síndrome do cachorro vira-lata”, enfatizou o professor. Mais adiante, chamou a atenção para a discrepância, não conceitual, mas factual, existente entre os condomínios das cidades da América do Norte e os que se tornaram moda no Brasil. Os primeiros só são habitados após a realização de toda a infraestrutura – aí incluindo centros de abastecimento e escolas com transporte de qualidade. Os condomínios do Brasil são o oposto disto – e o resultado são os engarrafamentos gigantescos, gerados pelos deslocamentos rumo ao centro das cidades, onde quase tudo necessário está localizado. A isto se pode chamar de caos planejado. Por essas e outras é que o Brasil, desde os anos 50, foi visto como uma projeção do futuro – e permanece nesta condição até hoje. Nosso dorminhoco gigante não ambicionou ainda alcançar o porvir, que é uma forma melhorada de futuro – aquele em que acontecem positivas transformações.

Fonte: O Popular