Caminho dinamitado

É difícil imaginar hoje em dia como deve ter sido a euforia da primeira sessão pública de cinema do Estado, no Theatro São Joaquim, a 13 de maio de 1909, às 20h, na cidade de Vila Boa de Goyaz. A primeira sessão no Brasil foi no Rio de Janeiro em 1896 e as primeiras filmagens foram feitas em1898. O cinema chegou a Goiás apenas 14 anos após a primeira exibição parisiense dos irmãos Lumière, mas da primeira exibição à primeira produção, houve um hiato de muitas décadas.

Em Goiânia, a primeira sala foi o Cine Teatro Campinas, inaugurado em 1936, apenas três anos após a fundação da capital. Logo depois, veio o Cine Popular, o primeiro do Centro, na Rua 24, entre a Anhanguera e a Rua 4, mais tarde renomeado para Cine Santa Maria. Já o Cine-Teatro Goiânia, hoje apenas Teatro Goiânia, foi fundado em 1942.

O primeiro longa-metragem goiano é de 1968: O Diabo Mora no Sangue, de João Bennio, que escreveu, produziu e atuou no filme, dirigido por Cecil Thiré. O filme foi feito através de um financiamento do Banco Mineiro do Oeste e ficou em cartaz 40 dias no Cine Capri de Goiânia. A produção também ganhou o mundo, passando por 39 países. Em entrevista ao jornalista Beto Leão, Bennio contou que conseguiu lucrar o bastante para comprar um carro de luxo.
O cineasta também disse em certa ocasião a frase que dá título a esta matéria sobre como era fazer cinema em Goiás: “Aqui nós não temos que abrir passagem, nós temos que dinamitar o caminho”. Bennio se manteve ativo, dirigindo Simeão, o Boêmio, e produzindo Tempo de Violência, ambos de 1969 e dirigiu em 1973 Azarento – um homem de sorte.

Quem fez parte de O Azarento foi Clarice Dias, uma das atrizes que fizeram história com um currículo invejável que inclui aulas de Hamlet com Fernanda Montenegro, trabalhos ao lado de Ester Leão no Rio de Janeiro e peças teatrais pela Europa, e amizade com Cora Coralina. Fora dos palcos, ela fez dois longas, (O Azarento e As Tranças de Maria, inspirada em Cora) e cerca de sete curtas. Atualmente, está envolvida em dois documentários, sendo um deles um projeto de Alyne Fratari sobre sua carreira artística.

“Fui convidada para participar do filme por acaso”, conta ela sobre O Azarento, “tinha vindo do Rio de Janeiro e fui visitar as filmagens. Adoro o Bennio, ele era muito talentoso, mas faltava dinheiro. Então, fui convidada a entrar como assistente de produção e depois também atuei nele”.

Em sua participação, ela se diverte ao lembrar uma de suas cenas em um banco: o dinheiro voa e ela faz uma perua que também entra na briga para pegar as notas “as pessoas não sabiam que era um filme, ficaram bravas, indignadas com essa perua tentando pegar o dinheiro. Fiquei até com medo, fui parar embaixo de 30 pessoas”, brinca ela.

O dinheiro realmente era o maior problema: “Faltavam coisas, era difícil hospedar a equipe, era difícil arrumar figurino, por exemplo”. De lá pra cá, ela considera que a situação não mudou muito: “Hoje tem tanto projeto, tanta gente boa, que não tem incentivo, não tem verba para todo mundo. Houve uma melhora, é uma ajuda, mas ainda é difícil. Há ajuda, mas ainda temos muitas dificuldades”.

Porém, o primeiro filme rodado inteiramente em Goiânia foi A Fraude, de Jocerlan Melquíades de Jesus, de 30 minutos de duração. A produção se uniu com o início da decadência das salas de cinema nos anos 1970 e 1980 com o advento da televisão e videocassetes, além de que o público, familiar, não tinha interesse nas pornochanchadas – nenhuma delas foi produzida por aqui. Ao longo destas décadas, a produção local foi inconstante e muito mal estruturada, e grande parte dos profissionais não era do meio, como o publicitário José Petrillo que conquistou o Troféu Candango em 1978 pelo curta-metragem documentário Cavalhadas de Pirenópolis.

Nesta época se destacou a Take Filmes, a mais importante produtora goiana que desenvolveu ficção e documentários, fundada por Antônio Eustáquio (Taquinha), João Bennio e Ronan Carvalho. Só em 1989, foi feito o primeiro longa dirigido por uma mulher: André Louco, de Rosa Berardo. Ao longo daquela década, o número de produções aumentou por causa de incentivos estatais, como Índia, a Filha do Sol, de 1981, estrelado por Glória Pires. Já na década de 1990, Wilmar Ferraz, da UFG, fez o longa-metragem Tropas e boiadas de 1992, inspirado na obra de Hugo de Carvalho Ramos.

Nos anos 1980, também se destacou Lourival Belém Júnior, que fez o experimental 295.5 em 1981, A Ilusão – Uma verdade 24 vezes por segundo, também experimental, Quintessência, um musical e Dedo de Deus, um documentário sobre menores infratores.
A primeira tentativa de emplacar um festival fixo de cinema em Goiânia aconteceu em 1966, no Cine-Teatro Goiânia. A 1ª Bienal Centro do Cinema Brasileiro teve tapete vermelho e trouxe grandes artistas e cineastas brasileiros. A bienal foi um grande sucesso, mas nunca mais teve outra edição. Goiânia só passou a ter um festival pra chamar de seu em 2000, com a Goiânia Mostra Curtas, que realizou sua 13ª edição este ano.

Outros festivais surgiram depois, como o FestCine, em 2005. Quanto à produção, leis de incentivo como a Lei Goyazes, deram uma grande força para o cinema local nos últimos anos. Sobre o cinema feito aqui, a professora da UEG e editora da revista ]JANELA[, Jô Levy, disse: “A produção cinematográfica brasileira é absolutamente dependente de financiamento público. O problema deste modelo é que ele não potencializa a cadeia produtiva, por consequência há poucas condições para a profissionalização do setor. Para que seja possível viver de cinema tanto em Goiás, quanto no restante do Brasil, é preciso que hajam políticas públicas que favoreçam a indústria do audiovisual. Algo perene e sólido, e não algo que oscile conforme os interesses e/ou equívocos das gestões públicas”.

Ela avalia que criação do curso de Audiovisual da UFG e o grande número de produções dos egressos deste curso são fundamentais para o fortalecimento e consolidação do cinema goiano. “Acho que o caminho já foi dinamitado. Estamos agora pavimentando o caminho”, reflete.

Fonte: jornal O Hoje