MPF questiona lei contra manifestação

Para Hélio Telho, teor do projeto fere direito constitucional de reunião e livre manifestação

 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Flávia Guerra

 

O procurador da República Helio Telho expediu, ontem, ofício ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sugerindo propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a Lei n° 18.363, de 06 de janeiro de 2014, de autoria do deputado estadual Fábio Sousa (PSDB), motivo de polêmica por submeter aglomerações à autorização prévia da Polícia Militar. Na argumentação do procurador, a lei estadual vai de encontro ao artigo 5º da Constituição, que estabelece que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”. Acatado o pedido e considerada a inconstitucionalidade, a lei perde o efeito.

No pedido, Hélio Telho questiona não apenas o poder de vetos à realização de eventos, concedido à autoridade policial, mas também a fixação de prazos para que o interessado requeira a licença desejada. Na representação encaminhada ao procurador-geral da República, o coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF) em Goiás aponta uma possível ligação entre o projeto e a inabilidade dos governantes em lidar com situações como as manifestações públicas verificadas nos últimos meses. “Isso não autoriza o Estado suprimir uma garantia constitucional democrática ou mesmo limitar as liberdades civis”, argumenta.

Autor da lei, o deputado Fábio Sousa esclarece que o texto não diz respeito a manifestações populares, de rua, e que, ao contrário do que vem sendo apontado, não surgiu para coibir protestos contra o governo. “O projeto é de março de 2013, antes da onda de manifestações.” Segundo o parlamentar, a intenção da proposta é garantir a segurança dos integrantes de festas ou eventos esportivos. “Em nenhuma parte o texto versa sobre manifestações, que são livres, organizadas ou não, garantidas pela nossa Lei Magna, a Constituição Federal.” O questionamento do MPF, no entanto, foca no poder delegado à instituição policial.

De acordo com o tucano, a idéia da lei surgiu no início do ano passado, após a tragédia de um incêndio ocorrido em boate de Santa Maria/RS, que vitimou mais de 240 jovens. Após a repercussão do fato, o comando da polícia militar teria procurado o parlamentar e manifestado preocupação a respeito de certos eventos, como festas, shows e similares.   “É bom lembrar que para tais eventos, já é obrigatória a autorização e a polícia vem agregar”, emenda. Hélio Telho.Para o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e cientista político, Franck Tavares, que tem se dedicado a estudos sobre manifestações populares, o projeto apresenta, ao menos, três pontos falhos. Segundo Tavares, a Constituição Federal prevê apenas um comunicado às autoridades públicas, e não determina que um aval seja necessário para tal. Em segundo lugar, a Assembleia Legislativa não dispõe de poder para legislar sobre direitos políticos do cidadão. “Isso é atribuição do Congresso Nacional”, aponta. A lei esbarraria ainda em um erro verificado em outros países. “Em nenhum lugar do mundo, a repressão gerou um ambiente pacífico. Pelo contrário, quanto mais opressão, mais tendência à violência”, avalia.

No documento expedido à PGR, Hélio Telho aponta outros pontos da norma que também corroboram a inconstitucionalidade da lei, ao conferir à autoridade policial condições com bases absolutamente discricionárias para impor e até mesmo vetar o pedido de reunião. O texto ainda confere ao comando da PM a prerrogativa de exigir comunicação prévia de pessoas e entidades interessadas em se reunir. “O legislador estadual goiano deu ao comandante-geral da Polícia Militar a atribuição de regulamentar a lei, que é de competência constitucional privativa do governador do Estado”, anotou. Para Telho, em vez de restringir direitos, deve-se dotar a polícia de “mecanismos e instrumentos necessários a assegurar o direito do cidadão de reunir-se pacificamente”.

O deputado estadual Fábio Sousa avisou, ontem, que vai propor, logo no retorno das sessões da Assembleia Legislativa, na próxima terça-feira, uma nova redação ao texto já aprovado. O projeto do parlamentar foi apresentado em 27 de março de 2013 . O texto passou a vigorar a partir desse ano, depois de ter o veto do governador derrubado em plenário.  “Eu não tenho competência para interferir no que o MPF faz, muito menos na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Vou fazer minha parte aqui, que é tentar sanar qualquer tipo de dupla interpretação”, emenda Fábio. Para Helio Telho, porém, ainda que as mudanças excluam as manifestações de rua do texto, vai continuar inconstitucional. “Nenhum tipo de evento precisa de autorização para ocorrer”, conclui.

Fonte: O Hoje